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sexta-feira, 22 de junho de 2012

XV – TEMUDJIN, O TROVÃO DE UMA NOVA ERA


Topo de Belukha - Montanhas Altai

No coração da grande mãe Ásia se erguem as montanhas Altai que separam as estepes da Sibéria do misterioso deserto de Gobi, é uma região inóspida, contudo, ao seu redor abundava a vida humana. Os gregos chamavam as tribos oriundas dessa região de citas, e foram descritos por Heródoto, no século V da nossa era, também ganharam fama como as terríveis hordas hunas, que lideradas por Átila invadiram o território europeu provocando o deslocamento para o interior da Europa das tribos designadas como “bárbaras” pelos romanos. No século VI os povos da região do Altai eram chamados de “turcos” pelos chineses, que tinham contato com eles em razão das caravanas da “rota da seda.”  No final do século IX, as tribos vindas dessa região foram nomeadas pelos europeus como tártaros, contudo a identificação como povos turcos ocorreu com as tribos dos turcos-seljúcidas, lideradas por Seljuque que invadiram o território árabe do Califado dos Abácidas em 1055, posteriormente conquistando Bagdá, a Siria e a Palestina. Em menos de um século os turcos se infiltrariam por todo o Império Árabe dando origem ao Império Seljúcida, e para consolidar a presença turca na região a conversão ao islamismo ocorreu em massa. A incrível integração que passa a ocorrer entre os turcos e os árabes fortaleceu imensamente o islamismo e o poder do Islão.


Império Turco Sejúcidas 1082
Foram as notícias iniciais de um “eventual” enfraquecimento árabe devido às invasões turcas, que animaram a Europa cristã a promover a partir de 1085 a reconquista da parte sul da Península Ibérica, que caíra em poder dos árabes sarracenos e depois empreender as Cruzadas para a reconquista de Jerusalém, a Terra Santa. Porém, o que os cristãos europeus não contavam era com a conversão em massa dos turcos ao islamismo, segundo alguns estudiosos os turcos tinham um líbido exacerbado e foram atraídos pela polígamia permitida pela religião islâmica, que não era prática na tradição tribal turca de casamentos arranjados. Assim, é difícil saber se os árabes foram conquistados pelos turcos ou se esses é que foram conquistados pelos árabes. Em termos de narrativa histórica, a influência turca se fez notar na adoção do nome “sultão” em substituição do nome “califa” para designar os governantes regionais do Império do Islão, a capacidade dos turcos se integrarem aos povos regionais permitiria que dinastias turcas-islâmicas se instalassem em grande parte do oriente Médio até o norte da Índia, engrandecendo a influência do islamismo.

Deserto de Gobi - Mongólia

Na região entre o lago Baikal e a cadeia montanhosa de Hentiyn, tendo a oeste o Grande Altai e a sudeste o deserto de Gobi, estavam as montanhas de Khentii e de seu desgelo de sua neve origina-se o rio Onon, cujas águas corriam nas proximidades do montanha sagrada de Burkan Khaldun (48º45’N e 108º39’E). Quis o destino que no ano de 1160 (ou 1162) nascesse às margens do Onon um menino filho de um líder poderoso e rico de uma tribo mongol (povo aparentado com os turcos), e foi dado a ele o nome de Temudjin. Infelizmente, quis o destino, também, que a desgraça caisse sobre a sua família ainda nos primeiros anos de vida e logo tivesse que defrontar-se com as agruras da luta pela sobrevivência.

Temudjin era uma criança de olhos pardos rasgados e oblíquos num rosto redondo e risonho. O menino crescia vivaz e inteligente, dono de um corpo forte onde se salientava os feixes de músculos sob a pele lisa cor de bronze, castigada pelo clima de Gobi. Logo se fez hábil no manejo das pesadas espadas mongóis recurvadas e no uso dos arcos de flexas velózes, ágil nas lutas corporais, perspicás na arte guerreira e exímio cavaleiro. Temudjin tinha seus olhos sempre além do horizonte e a voz do vento, que esvoaçava seus cabelos e ornamentavam um fronte imponente, falava-lhe dos segredos de um futuro de conquistas e poder. Sobre Temudjin pairava a mão fatal do destino, uma força sobrenatural e implacável, que fazia seu sangue correr mais forte em suas veias e um frio percorrer-lhe a espinha com a visão de um dever que teria que cumprir com a sua existência.

Temudjin cresceu habituado aos milenares costumes nômades: à criação de gado, às migrações periódicas dos rebanhos – às longas excursões pelas pastagens de primavera e os retornos às terras ancestrais ao limiar do inverno –, aos combates incessantes entre as tribos para adquirir um acréscimo nas pastagens avançadas para os limites das estepes, às condições adversas da natureza que embruteciam e davam coragem a quem desafiava a Natureza, redobrando a energia de vida que parecia transbordar nos homens mongóis, senhores da própria liberdade e em constante movimento, armando e desarmando suas tendas, trilhando os itinerários traçados desde toda a eternidade pela ação da Natureza no coração da Ásia.

Temudjin conhecia o seu povo e se identificava com ele, mas percebia que viviam de uma maneira exilada entre dois mundos ricos aos quais não pertenciam e nem pareciam ter algum direito além daquele adquirido pela violência, com os saques praticados de uma  caravana ou outra que cruzassem o caminho dos mongóis na rota da seda. Ele ouvira histórias que no passado chefes nômades permitiram que missionários cristãos pregassem entre os membros de suas tribos, o que só servira para semear a discórdia e que finalizara com mortes inúteis. Os tais missionários vindos das terras férteis do Ocidente eram homens de pele branca, cabelos e olhos claros, vestiam-se para parecerem imponentes, mas eram covardes, se diziam civilizados, mas fediam um cheiro horrível e perdiam seus modos nas primeiras taças de beberragem, pior, acabavam por se revelarem os mais vis ladrões aventureiros, pois não exitavam em roubar e fugir com os bens e tesouros de quem ingenuamente lhes desse hospedagem. Quando falavam de seu deus era de uma maneira estranha, não só por ser único, mas por ser um homem que morrera humilhantemente e resurgira dos mortos, não respitavam a tradição dos costumes xamânticos mongóis e queriam, sim, acabar com eles! Eles nada sabiam sobre as outras culturas, desconheciam as poesias dos poetas persas, as filosofias dos estudiosos da Catai (nome dado a região norte da China), nem mesmo tinham conhecimento sobre a transcendência espiritual dos budistas e dos hindús, só sabiam repetir as palavras de um tal homem que chamavam de Cristo e praguejar contra os crentes turcos-árabes do Império do Islão, os quais chamavam de  “infiéis.”

Temudjin sabia que as tribos turcas haviam conquistado ao Oeste uma vasta região de terras de um povo chamado árabe e esabeleceram um poderoso domínio. Outras tribos turcas preferiram ficar nas regiões periféricas e passaram a ser chamados de turcomanos e viviam nas estepes entre o Mar Cáspio e o Mar Aral, e concluia que os turcos eram um exemplo do poderio que as tribos nômades poderiam conquistar. Ao leste estavam os hans (chineses), do riquissimo Império de Catai, que para protegerem os seus tesouros começaram a ligar as suas fortalezas com a construção de uma muralha fortificada, acreditavam que ela seria a garantia para impedir qualquer tentativa de invasão ao precioso território do seu “mundo civilizado,” pois para os hans, o único mundo que existia era o território que lhes fora legado por  seus ancestrais divinos,  consideravam a si mesmos como descendentes dos deuses, e diziam que apenas os hans eram civilizados, e tinham um verdadeiro horror aos estrangeiros, que consideravam “bárbaros” e seres inferiores. Seus tesouros não eram feitos só de de jóias, ouro e pedras preciosas, mas, principalmente, de uma “sabedoria milenar.” Era assim que Temudjin via o mundo a sua volta, dividido entre duas forças uma do Ocidente e outra do Oriente que se enfraqueciam, uma por sua ignorância e outra por estar acomodada em sua sabedoria. Temudjin dava asas à sua imaginação e sonhava com a Grande Nação Mongol, com o Império que ergueria unindo povos e terras desde o grande mar Oriental até o mar do Ocidente.

Em 1185, com apenas 15 anos, Temudjin iniciou a sua trajetória para cumprir a profecia xamântica sobre a vinda de um lobo cinzento que devoraria toda a terra.  Aos 30 anos sua fama de grande guerreiro já se fizera conhecida de todas as tribos das estepes. Em seu amadurecimento considerava que a “liberdade” tão considerada como o bem mais desejado e idolatrado de todos os homens pelos sábios de Catai, não passava de um logro, uma amarga mentira, pois ele constatava cada vez mais que acima da liberdade os homens amavam um chicote, idolatravam a espada e, acima de tudo, um líder de pulso forte, um tirano que os privasse da capacidade de pensar por si mesmos, e desse ordens em vez de consultar suas opiniões. Com essa idéia ruminando a sua mente Temudjin foi orar na sagrada montanha do “deus do trovão”, a montanha de Burkan Khaldun, nas proximidade do local onde nascera. Temudjin pediu ao deus que o  ajudasse a promover a união dos mongóis sob a mesmas “lei,” que permitisse que se tornassem um só povo, mesmo que para isso ele precisasse matar metade deles. Durante aquela noite elaborou as “leis” fundamentais: não matar mulheres e crianças, honrar as dívidas, lutar contra os inimigos até o fim e nunca trair seu khan (cã, o chefe tribal).

Montanha Sagrada de Burkhan Khaldun


A partir daquela noite, Temudjin passou a pregar a unificação dos clãs. Hipnotizados pelo poder que emanava de sua figura altiva e guerreira permeada de uma generosidade incomum, os mongóis começaram a ter seus corações conquistados, como se apanhados num feitiço, pareceiam desejar morrer por aquele homem que possuia a intrepidez de um relâmpago e falava como se trovejasse. Contudo, a sua pregação iniciada em 1204 encontraria também oposição, a qual só poderia ser vencida com um feroz confronto militar. Então, aconteceu que estando os guerreiros no campo de batalha prontos para lutar, eles viram o céu ser tomado por negras nuvens e ter início uma tempestade de raios, que sempre era causa de muito medo para os mongóis. Mas, em meio ao cenário apavorante, subitamente de maneira  espetacular sob o brilho de um raio todos viram surgir a magnifica imagem de Temudjin, em pé no seu cavalo com a espada erguida como se incorporasse o trovão em si mesmo. A visão causou tal impacto que todos os guerreiros da força inimiga depuseram suas armas e se renderam diante dele. E sem um único golpe de espada fosse dado ou recebido todas as tribos mongóis juntaram-se em torno do estandarte de nove rabos de boi daquele que no ano de 1206 se tornou o chefe de todas as tribos das estepes e recebeu o título de Gêngis Khan, o “khan dos khans”, o Governante Poderoso, o Paladino dos Céus!

Guerreiros Mongóis

Com a fundação do Império Mongol a tradicional independência das tribos mongóis foi extinta. Os povos de Gobi passaram a ser ligados uns aos outros por um sistema feudal, onde só existia uma lei: a vontade de Temudjin. Nesses dias de triunfo esmagador, Temudjin deu mostras de sua sagacidade, colocando à frente de cada clã um governante escolhido entre eles mesmos, em que toda a tribo confiasse e em que ele, em seu próprio julgamento, considerasse que pudesse confiar, a fim de que se estabelecesse um laço de confiança mútuo e propiciassse a conquista para si mesmo de mais e mais poder. Como primeiro soberano mongol Temodjin estabeleceu uma hierarquia administrativa e militar descentralizada. Ele criou um exército treinado e hierarquizado a partir de unidades de no mínimo 10 homens (semelhante a pelotão) comandado por um líder, a cada 10 unidades (semelhante a tropa) um novo líder assumia o comando, sobre cada 100 unidades se dava o mesmo e a cada 10 mil homens um general assumiria o controle, e acima dos generais estaria ele mesmo. Com a atividade militar “profissionalizada” Gêngis Khan passou a dar andamento aos seus planos de conquista, indo primeiro para o Leste, tomando a Manchúria e seguindo para conquistar o Império de Catai a partir de 1211, e em 2015, após forte cerco e o emprego de catapultas, Gêngis Khan conquistou a cidade fortificada de Yanjing (mais tarde Beijing ou Pequim), mas curiosamente não entrou na cidade após a sua conquista e retornou para Karakorum, capital do seu império.

A importância da conquista de Gengis Khan do Império do Catai (norte da China) só pode ser mensurada do momento que se sabe que esta foi a primeira vez em toda a história do povo han (chinês), que o território chinês sofreu uma conquista estrangeira. O “mundo chinês” era inteiramente isolado do resto do mundo, era uma sociedade feudal fechada em si mesma, dada a descriminação tanto racial como cultural, sendo a última a mais forte. Essa descriminação arraigada permitiu que o povo chinês chegasse aos nossos dias com uma população composta de 91% de hans, o restante constitui-se de mongóis, tibetanos, manchus e coranos, não tendo traços relevantes de misciginaçãos. O povo chinês apesar de suas disputas internas tinha um profundo senso de unidade em razão das práticas filosóficas confucionistas ou taoistas que constituiam-se quase como uma religião moral e ética. Como descreveu o filósofo chinês Feng Youlan (1895-1990) : “Os chineses han consideravam tradicionalmente que tinha três tipos de seres viventes: chineses, bárbaros e bestas. Destes os chineses são os mais civilizados, os bárbaros vêm depois, e as bestas são completamente incivilizadas. Quando os mongóis conquistaram a China, já tinham adotado a cultura dos chineses em considerável medida. Eles dominaram politicamente ao chineses, mas os chineses dominaram a eles na cultura.” (“Breve Historia de la Filosofía China”, 1989)

Certamente, a influência da cultura chinesa em relação ao povo mongol é inegável, mas sabidamente o povo mongol não era tão simpatizante assim da cultura chinesa, principalmente no que dizia respeito a Gêngis Khan, que,  em sua juventude, durante as disputas entre as tribos mingóis, tivera por destino ser vendido como escravo ao Imperador de Catai, que o quis comprar mesmo sendo avisado por um monge que não o deveria fazer, porque aquele homem um dia conquistaria toda a China. Não, Gêngis Khan não tinha simpatia pelo pretencioso povo han, ao contrário, seu prazer foi humilhá-lo naquilo que mais valorizavam e preservavam, sua “liberdade.” E, humilhá-los também em sua preciosa “sabedoria” unicamente de direito da civilização han, ele faria questão de espalhá-la aos quatro ventos como se fosse uma tempestade de areia do Gobi, que atravessa milhares de quilometros de distância. 

Temudjin intimamente desprezava e enojava-se de monges, sacerdotes, xamãs, mestres, ou qualquer um que persuadissem um povo a abrir mão da liberdade de consciência. Ele sabia, que fossem eles xamamistas, budistas, cristãos, islamitas, confucionistas ou taoistas, não importanto que idéias e crenças defendessem, sempre poderia contar com eles para entregarem o povo com as mãos amarradas e impotentes em suas mãos. Assim, até o final de seus dias ele acreditou que aqueles que se diziam únicos senhores da sabedoria eram na verdade inimigos do homem e sempre manteve cautela deles como de serpentes. No avanço para construir seu império, Gêngis Khan defrontou-se com as três principais religiões de sua época: o budismo, o islamismo e o cristianismo, em  relação a elas tinha atitudes ambivalentes, mas não influenciou seu povo em suas preferências, já que os mongóis apesar de professarem um xamamismo ancestral, sentiam a atração dos novos credos, que pareciam estar associados a culturas mais elevadas. Além disso, como a população mongol não era muito grande, Gêngis Khan incorporou aos seus exércitos as tribos turcas, cuja fidelidade era indiscutível, a ponto que em dado momento seu exército ter mais turcos do que mongóis. Após a conquista do norte da China, Gêngis Khan usou também dos guerreiros chineses em posições subalternas do seu formidável exército. Assim quando Gêngis Khan avançou para oeste em suas conquistas o fez com um exército multi-racial, que incluía muito da cultura guerreira chinesa e de suas técnicas e estratégias de guerra, sendo essa uma contribuição fundamental para o sucesso de Gêngis Khan, já que os povos do Oeste ignoravam tais métodos de guerra e foram inteiramente surpreendidos não só por elas como pelo uso que fazia de suas cavalarias bem treinadas. A fama de Temudjin atravessou a percorreu com a a Ásia até as fronteiras do Ocidente, e pelo grande temor que causava foi chamado de  “Flagelo de Deus.”

Gêngis Khan veio a morrer em 1227, em consequência de uma septicemia decorrente de um coice de cavalo recebido durante uma caçada, apesar de existirem outras tantas lendas sobre a sua morte como ter sido castrado por uma princesa que não queria ser violada por ele, ou que mandou matar todo seu exército para ser enterrado com ele, porém, de certo só se sabe que foi enterrado num local desconhecido, provavelmente  próximo de sua  “montanha sagrada,” Burken Khaldun, e deixou descendentes que acabaram por conquistar toda a China, unificando seus reinos e dominando o povo han por completo, e  fundaram a primeira dinastia estrangeira, a Dinastia Yuan (1280-1367).

A única documentação oficial dos feitos de Gêngis Khan foi escrita em 1240, uma obra literária de autor desconhecido, escrita na língua mongol e chamada A História Secreta dos Mongóis. Posteriormente, durante a dinastia Ming, no século XIV, a obra foi traduzida para o chinês, e ficou conhecida como A História da Dinastia Yuan, dando ao texto um caráter “oficial”, o que é curioso porque a dinastia Ming (han), em certo sentido representou uma revolução nacionalista contra o domínio mongol, não obstante deu um trato “normal” a dinastia anterior não considerando que tenha sido uma “dinastia estrangeira”, isso porque muitos altos funcionários da dinastia Yuan eram chineses (hans) e continuaram a servir durante a dinastia Ming, não ocorrendo por isso uma atitude “revanchista,” apesar que os registros históricos da época permaneceram envoltos em misterio, por sinal  o que não é nada surprendente em se tratando do povo chinês e de sua cultura voltada para seus próprios valores e de severa introspecção, pouco afeita a relacionamentos externos além dos limites de seu próprio mundo. Mais recentemente foi feita uma nova tradução para o chinês em 1800, contudo exemplares desse trabalho são muito raros, apenas em 1970 foi feita a primeira tradução desse trabalho para o inglês.

Durante muto tempo Gêngis Khan permaneceu mais como uma figura mítica do que como um personagem histórico, já que nós ocidentais pouco ou nada sabíamos dele. Deveu-se ao historiador e arquólogo amador britânico Sir Henry Hoyle Howorth (H.H. Howort) (1842-1923), que mesmo sem educação formal cientifica, mas movido por sua imensa curiosidade, a obra esclarecedora “História dos Mongóis” (1876-1888), que veio a lhe valer a entrada na Royal Society (1893) por sua imensa contribuição ao aumento do conhecimento sobre esse povo asiático. Em 1971, o historiador britânico John Joseph Saunders (1910-1972), cujo trabalho era focado no islamismo medieval e na história da Ásia produziu a obra intitulada “A História das Conquistas Mongóis” e mais recentemente o professor de antropologia norte-americano Jack Watherford publicou, em 2004, o livro “Gengis Khan e a Formação do Mundo Moderno.” Como se pode notar a literatura disponível é bem resumida, mas também é possível ter uma visão romantizada de Gengis Khan na obra de ficção da escritora anglo-americana Janet Miriam Holland Taylor Caldwell (Taylor Caldwell) (1900-1985), entitulado “A Terra de Deus” (The Earth is the Lord’s: A tale of rise of Genghis Khan) (1940), ou nos filmes de Hollywood em que Gengis Khan foi interpretado por John Wayne (1956) ou Omar Sharif. (1965).

Gêngis Khan
Trazer o personagem lendário de Gengis Khan para uma realidade histórica convincente, fiel e  respaldada em fatos não é uma tarefa fácil, não só em razão da exiguidade da documentação disponível como a necessidade de separar o mito do homem real. Porém, é evidente que a sua importância transcende em muito as mediocridades históricas que lhe foram atribuídas. O pouco conhecimento que nos chega dos acontecimentos no cenário histórico da Ásia e do Oriente Médio deve-se tanto ao egocentrismo europeu em função da cultura Ocidental, na ânsia de exaltar sua própria capacidade intelectual acima das outras civilizações, como em razão da “ignorância” existente, devido ao impedimento físico para aprofundamento de pesquisas científicas, seja pela falta de acesso  a essas regiões por séculos ou devido a barreira linguística. Infelizmente,  aqueles que escrevem a história da Humanidade possuem por costume excluir o que não pertence ao próprio contexto, ou seja, raramente encontramos a prática de história investigativa, como se faz no jornalismo investigativo, nem mesmo desenvolve-se uma análise profunda e ampla abordando  os fatos e os agentes que os produzem. Assim, os mongóis foram rotulados como “bárbaros selvagens” por séculos a fio, e o que se pode perceber mais claramente  hoje é que não era bem assim.

O processo unificador utilizado por Temudjin não pode ser considerado absolutamente “selvagem”, pois obedece a um conceito repetitivo muito humano de “domínio pela força”, e que o uso da força sempre acarreta alguma forma de destruição. É evidente, também, que qualquer grupo humano quando devidamente organizado e motivado através de uma firme liderança adquire uma “força”, que permite subjugar outros grupos, que não tenham uma mesma condição de integração, seja em razão de um excesso de individualidade, seja pela falta de identificação entre os membros que os constituem. Um grupo humano pode ser motivado em sua união por motivos vários, desde o desejo pelo aumento de riquezas à necessidade de defesa e segurança, ou por ideais, ou, como no caso dos mongóis, em razão de uma identidade comum. O expansionismo mongol não teve suas raízes em necessidades naturais como ocorrido em outros tantos povos, mas em razão do desejo de um grau mais alto de civilidade, e isso demonstra já seu grau de civilidade, já que só quem conhece o peso do poder, da riqueza e da sabedoria pode almejar alcançar um domínio a nível universal, porquanto que a mente humana só pode desejar aquilo que  conhece. Logo os mongóis não eram “incivilizados,” mas, sim, tinham um conceito de civilização diferente do práticado na sua época. Um conceito que caracterizava-se pela tolerância sem precedente quanto as diferenças religiosas; um baixo nível de discriminação em relação às outras raças; um baixo nível intromissão com os costumes e culturas locais; pela prática da idéia de um governo baseado em consenso; por uma cultura de meritocracia; pelo respeito ao papel da lei e a redução de torturas no sistema penal; um alto patrocínio do progresso comercial entre a Europa e a Ásia com investimentos, como construção estradas, para o apoio comercial; pelo estabelecimento do primeiro sistema de correio internacional; pela divulgação da literatura universal; pela criação  do papel-moeda (dinheiro) e a pratica da defesa da imunidade diplomática para embaixadores e enviados. Como se observa os mongóis tinham um conceito de civilização em verdade tão alto, que até hoje muitos países ainda não os igualaram em tal prática.

Temudjin foi um lider visionário, que não só uniu o seu povo como permitiu que laços culturais fossem estabelecidos entre os povos atrasados da Europa e as culturas florescentes do Extremo Oriente e do Oriente Médio, promovendo uma troca de informações enriquecedoras sem discriminação como nunca antes ocorrera, lançando luz onde antes havia escuridão, conectando reinos e expandindo os horizontes  humanos fez nascer uma nova consciência global. Uma consciência que veio a ser consolidada pelos seus herdeiros como seu neto Kublai Khan, que finalizou a conquista da China e estabeleceu Pequim como capital do Império, fundando a dinastia Yuan. Foi no tempo de Kublai Khan (1215-1294) que a família Polo de mercadores venezianos viria a conhecer as maravilhas do Oriente e prover a divulgação das maravilhas dessa magnifica civilização. Isso só foi possível porque o Temudjin consciente de ser efêmero organizara seu império de tal maneira que este não se demembrou após a sua morte, como usualmente aconteceis por causa da ausência de liderança, ao contrário a organização de seu império era tão auto-suficiente e bem-estruturada que permitiu não só sua unidade como que continuasse a crescer. Ao final de 1240, a Pérsia, a Coréia e a Russia também haviam se integrado a ele, depois sob o líder Bathu Khan, em 1242 a Hungria, a Polônia e parte da Alemanha foram conquistadas, e por volta de 1260 o principado de Moscou foi fundado. Com Timur Lang (ou Tamerlão) (1336-1405), rei da Transaxonia, as conquistas mongóis se consolidaram da Pérsia à Índia, onde sistema de governo mongol permitiu que se estabelecesse a unidade da Índia, dando origem a um desenvolvimento harmonioso na região com os governos dos Marajás. Por sua vez, a dinastia turco Otomana, fundada na Anatólia em 1281,  tinha lançado as bases de um grandioso império islâmico, que em 1402  tomou a Macedonia, a Bulgária e a Tessália, e passou a dominar o Oriente Médio até o século XX.  O resultado da última das grandes invasões vindas da Ásia foi a promoção da interação intelectual da China, do Oriente Médio e da Europa, assim como a interação cultural do budismo, do islamismo e do cristianismo. E tudo isso só aconteceu por causa de Gêngis Khan, o raio que caiu na Terra para abrir os caminhos para o desenvolvimento e o progresso da Humanidade e promover a terceira metamorfose humana.



A influência mongol transcendeu o fim da dinastia Yuan (1271-1368), apesar da história oficial da China relatar que os “mongóis” ou youans foram perseguidos e banidos para o seu antigo território pela dinastia Ming (1368-1644) nacionalista han, o sistema de governo provincial estabelecido durante o Império Mongol foi mantido, dando uma sensação de continuidade governamental, que veio a garantir à dinastia Ming uma tranquilidade política que favoreceu o desenvolvimento e notável progresso da China. A Mongólia por sua vez sustentou a sua independência e manteve aliados como o Tibet, o qual fora governado pelo Escritório de Negócios Budistas e Tibetanos da Dinastia Yuan. Essa aliança se revela em 1578 quando um dos últimos descendentes de Gêngis Khan, Altan Khan atribuiu ao líder budista tibetano o título de Dalai Lama (Mestre do Oceano). O budismo tibetano naqueles anos se tornara uma influência poderosa no Extremo Oriente, e a maioria dos mongóis adotaram a sua prática, de tal forma que atualmente 96% da população mongol se declara budista. Em 1644, a dinastia Ming, então enfraquecida, fez um acordo com a Manchúria – que anteriormente fizera parte do Império Mongol e estivera sob a tutela da dinastia Yuan –, e assumiu o controle da China, fundando a dinastia Quin (1644-1912), a última dinastia chinesa. Os manchus que teriam sua capital em Pequim, incorporariam a Mongólia aos seus domínios em 1661, contudo em termos de sistema governamental tudo permaneceria o mesmo, dando continuidade ao sistema mongol de governo. O filósofo chinês Feng Youlan retrata a grande diferença desta segunda dinastia estrangeira em relação a primeira nos seguintes termos: “ … pela segunda vez na história chinesa, todo o país foi governado por um grupo não han (chinês), os manchus. Os manchus simpatizavam muito mais com a cultura chinesa que os mongóis, e os primeiros dois terços de sua dinastia, foram, em seu conjunto, um período de paz e prosperidade, durante o qual, em certos aspectos, a cultura chinesa fez importantes progressos. Em alguns aspectos, sem dúvida, foi um período de crescente conservadorismo cultural e social.” (“Breve História de la Filosofía China”, 1989) Somente com o fim da dinastia Qing, com a mudança de forma de governo e a instalação da República da China (1912-1949), os mongóis deram início a sua luta pela independência, ganhando sua autonomia em 1924, contudo o reconhecimento mundial da Mongólia como um Estado independente só foi alcançado com o apoio soviético em 1945, quando passou a integrar a conferderação russa de estados soviéticos. Apenas em 1990, a Mongólia conquistou realmente a sua plena liberdade política, adotando um regime democrático, mas pagando um alto preço socio-econômico por isso e nos dias atuais luta arduamente para oferecer ao seu povo melhores condições de vida e afastá-lo da pobreza.  Estudos feitos em 2007, calcularam que 34,8% dos mongóis contemporâneos sejam descendentes de Gêngis Khan, assim apesar de toda adiversidade sofrida nos últimos séculos, a esperança do povo mongol continua a repousar no orgulho nacional de seu maior líder e nos laços sanguíneos que os une a Gêngis Khan, provendo a união e mantendo vivo o altivo orgulho mongol.

Gêngis Khan - Maior estátua equestre do mundo em Zonjin Boldog - Ulan Bator (Capital da Mongólia)


Os mongóis foram o último povo invasor asiático, um povo sem disfarces intelectuais, sem pretensões dignatárias, sem ideologia, um povo que apenas era inspirado por seu senso de justiça natural  e instintivo. Unidos entre si pelo sangue tal como uma matilha de lobos, ou como um bando de pássaros migratórios, maus ou bons, não importa, como agentes de transformação cumpriram seu destino. Sem dúvida, a lembrança desse povo e de sua existência poderosa nos dá um  grande ensinamento ou, apenas, um aviso de alerta, para que não se subestime o poder adormecido no silêncio do desconhecido mundo invisível divino, pois a qualquer momento da rotina da sobrevivência humana,  num mero instante da eternidade a força da transformação pode surgir de maneira inesperada e surpreendente, fazendo soar dos confins da terra um trovão, relampejando nos céus para anunciar a chegada de um novo tempo para a Humanidade.


terça-feira, 19 de junho de 2012

XIV – OS DOIS GRANDES TECELÕES RELIGIOSOS DA NOSSA ERA


Ao final do século a.C. toda a obra de tecelões como Alexandre Magno e Julio César  começou a ser comida pelas traças e a deslumbrante tapeçaria da história da Antiguidade foi desaparecendo, contudo novos tecelões surgiriam para garantir que a obra não se perderia de todo. Dois homens foram os grandiosos tecelões responsáveis pela transformação que daria o arremate final na segunda metarmofose humana, cujo conhecimento conquistado viria a dormir oculto tal como uma semente semeada no solo a espera da hora de germinar. Esses dois grandiosos tecelões que garantiriam que a herança do conhecimento humano transcendesse as gerações humanas até os dias de hoje foram: o judeu Jesus, o Nazareno e o árabe Maomé. Estes dois homens nascidos dentro de uma aura de predestinação divina foram responsáveis pela formação de duas tendências civilizatórias, que viriam a impulsionar o avanço em diração a terceira mutação humana. Então, vejamos como isso veio a acontecer.

No ano de 27 a.C. após o assassinato de Julio Cesar, seu sobrinho-neto e por ele perfilhado, Caio Julio Cesar Octaviano, foi reconhecido como herdeiro-legítimo do grande ditador-militar que dera grandeza imperial à Roma, assim em 27 d.C. o senado ao consagrá-lo como o Primeiro Imperador de Roma atribuiu-lhe o título de seu nome oficial IMPERADOR CESAR FILHO DE DEUS AUGUSTO (em latim: Imperator Caesar Divi Filius Augustus), sendo que o título de “Augusto” tinha por significado “Aquele que é digno de veneração e de honra” e que lhe conferia uma posição “sagrada” e “semi-divinisada”. Sem nenhuma dúvida nunca antes houvera um homem tão poderoso na face da terra, tão poderoso que pouco antes de sua morte foi declarado “Deus” pelo senado romano, recebendo o título de “Divino Augusto”, mas mesmo sendo considerado como Deus tal como um mortal qualquer faleceu a 19 de agosto de 14 d.C. , dando o seu nome a esse mês do calendário romano, sendo esta, ironicamente, a única lembrança de sua existência que permanece até hoje, mesmo assim poucos sabem quem ele foi o homem mais poderoso da Antiguidade.

Em contraponto ao homem mais poderoso da face da terra, o Imperador Cesar Filho de Deus Augusto, nasceu numa cidadezinha do antigo reino de Israel, então sob domínio romano, um menino pobre, mas nobre, por ser descendente do Rei Davi. A este menino nascido por volta de 8­–4 a.C. foi dado o nome hebráico de “Yehoshua”, que queria dizer “Deus (Javé) salva ou Deus (Javé) é a salvação”.

Yehoshua” era o nome que Moisés dera a Oséias, filho de Num, da tribo de Benjamim. quando o enviou com outros para espionarem as terras de Canaã (Num. 13:16) território que corresponderia à “Terra Prometida” por Deus aos hebreus, o qual seria indicado por Deus para conduzir o povo hebreu na entrada da “Terra Prometida.” O nome hebráico “Yehoshua” corresponde a Yeshua em aramáico, que quer dizer “salvação” e em grego a grafia é Iesus, por ocasião da latinização do nome pelos romanos a grafia adotada foi Jesus e o nome Josué foi uma criatividade romana para distinguir o líder guerreiro hebreu daquele que humilhariam como “rei dos judeus.” Portanto, a distinção essencial feita pelos romanos ao nome hebreu “Yehoshua”  é que Josué era um o guerreiro e conquistador da “Terra Prometida” e Jesus um rabi milagroso Jesus, o qual prometia a entrada no “Reino de Deus” sem o uso de armas, portanto a associação do nome de Jesus com um guerreiro conquistador sem dúvida não seria do interesse romano, que ironicamente, num futuro distante usaria da figura desse homem justo, submisso e martirizado para garantir a sobrevivência do Império Romano através dos séculos, de certa maneira até os nossos dias.

Foi então assim que no tempo de um imperador romano que tinha por objetivo ser o próprio Deus sobre a face da terra, que esse menino chamado Jesus cresceu e se tornou um jovem homem, e como todos os jovens de qualquer tempo devia ter admiração por outro homem que alcança uma posição de destaque na vida. Uma admiração que, no caso de Jesus, devia ser mais de descrença em tal absurdo do que em um exemplo que ele próprio seguiria, muito ao contrário, o imperador romano deveria representar para ele uma blasfemia ao que realmente era sagrado. Quando, então, na maturidade dos seus 30 anos, Jesus começa a sua pregação religiosa sendo seguido e reverenciado pelas massas como o verdadeiro “Filho de Deus” em detrimento do falecido e divinisado Imperador romano, cuja lembrança odiosa se mantinha presente entre os judeus, seria tanto em razão de seus ensinamentos revolucionários – de confraternização entre os seres humanos e o desapego aos bens materiais –, quanto por causa de seus milagres – tão poderosos que até permitia-lhe ressucitar pessoas da morte – , que tendo tais feitos ocorrido por três anos seguidos aumentaram ser poder a ponto de Jesus entrar em Jerusalém ovacionado pela multidão como o novo “rei dos Judeus” – o messias prometido pelo profeta Ísaias que traria a “salvação” para o provo judeu. Não foi, portanto, de admirar que os sacerdotes judeus e o poder romano passassem a vê-lo como uma ameaça política e social ao status quo vigente e decidissem em coluío eliminá-lo de maneira humilhante e impiedosa para que servisse de exemplo às massas e as mantivesse oprimidas.

Jesus, o Nazareno, cumpriu a sua predestinação como um dos maiores tecelões da sociedade humana, não em vida, mas como semente que desce à terra e morre, para resurgir gloriosa em sua vida ao ascender da escuridão do solo à luz do sol. Os ensinamentos de Jesus foram semeados de tal forma que a sua morte deu à eles um poder nunca antes imaginado. A história de Jesus e seus ensinamentos foram transmitidos mais  na tradição oral – em razão das perseguições que seus seguidores sofreriam – que na tradição escrita, pois muito pouco seria escrito sobre ele, mas esta pouca documentação existente foi milagrosamente preservada e serviu  para minar o Império Romano de tal forma que no século II da nossa era, quando a liberdade de culto foi permitida em todo o Império, esses documentos passaram a servir de base a fortificação de uma nova religião que não fazia distinção de pessoa e abraçava a todos que nela tinham crença, pois sustentava-se ela em três pilares: o amor, a esperança e a fé. 

Quem poderia imaginar naquele tempo que os ensinamentos de Jesus teriam tal efeito? O poder os ensinamentos de Jesus seria tanto que os próprios romanos para salvarem seu Império da aniquilação total constituiram a crença em Jesus a religião oficial do Império e colocaram o próprio Jesus como o supremo rei sobre todos os homens, eles foram ainda mais além ao reconhecerem nele o verdadeiro “Filho de Deus” e até deram-lhe o título de Christus, que no latim significa “Senhor Nosso”, enquanto que no grego o termo Kristós seignifica “o consagrado” que corresponde à tradução do termo hebráico “mesiah” para “ungido”, em português “messias”. Note-se que o título em latim tem uma conotação diferente do termo usado em hebráico, que está presente nos textos sagrados judáicos e nos textos bíblicos, e a contextualização é bem diferente no emprego de tal título, talvez em razão disso o próprio Jesus nunca se referiu a si mesmo como “messias”, mas como o “Filho do homem” título dado aos profetas judeus, do mesmo modo seus discípulos o chamavam de Jesus, pois este era seu nome o qual tinha um significado muito mais poderoso e concernente ao que realmente Jesus representaria para todos aqueles que acreditavam nele.

Então foi este homem morto de maneira tão humilhante e que fizera ressurgir a si mesmo da morte para provar o poder de Deus e que Deus é amor e qual era a verdadeira natureza do “Filho de Deus” – pois mesmo os judeus que também se chamavam de “filhos de Deus”, não compreendiam o significado real disso – , o qual se tornou a amálgama unificadora entre povos vindos de todas as partes com as mais diversas culturas e do povo dominador que imperava impiedosamente sobre a terra. Foi em razão da fé em Jesus que foi tecida a tapeçaria de poder e força da cultura Ocidental. Ele foi a semente de mostarda, que mesmo sendo a menor semente, cresceu e se fez abrigo para todos aquele seres humanos que buscavam consolo para a dureza de suas vidas. Jesus foi a pedra angular desprezada tanto por judeus como romanos e sobre ele se ergueria todo o explendor da civilização Ocidental. A sede de conhecimento levou seus seguidores europeus a buscarem cada vez mais e mais pelos verdadeiros sinais de sua passagem entre os homens, movidos não só pela curiosidade como também pelo desejo de se aproximarem de alguma forma do homem Jesus que não conheceram. Assim, Jesus deu a sobrevida admirável ao Império Romano, o salvando da própria ruína e deu a ele uma nova vestimenta, que permitiu não só reunir todos os povos  do antigo império como as novas hordas bárbaras que chegavam à Europa num só povo, num só rebanho.

Contudo, essa unidade inicial obtida pelos romanos com a constituição de uma teocracia cristã não se sustentaria por muito tempo, porque os arraigados costumes romanos e sua sêde crescente de poder sempre era fonte de discórdia e disputas, e uma grande perda de tempo e energia em embates políticos e  de ideologias religiosas, para sustentar o domínio sobre os novos reinos que surgiam na Europa e ao mesmo tempo manter o poder romano em outras partes do Império. Para tanto foi estabelecida uma Pentarquia com ao principais cidades do Império: Roma, Constantinopla, Jerusalém, Antióquia e Alexandria. O combate as heresias sobre a nova religião acabavam em perseguições sangrentas, as discussões sobra a natureza de Jesus era sempre o pomo da discórdia, até que a Igreja Sassânida Persa, que conseguira se estabelecer firmemente na Pérsia no século V, devido a confluência de idéias com o zoroatrísmo, foi acusada de heresia e acabou se separando de Roma, fundando a Igreja do Oriente. O mesmo se daria quando Constantinopla se confrontou com a Igreja de Alexandria, também a acusando de heresia, assim a Igreja de Alexandria se separou Pentarquia e fundou a Igreja Copta, em 533 d.C., tal clima de disputas políticas sobre dogmas cristãos entre os bispados que haviam passado a representar o poder do antigo Império Romano causou o enfraquecimento do domínio romano no Oriente Médio e devido a ausência de poder político governamental originou-se a oportunidade para o surgimento de uma nova força político-religiosa expansionista na região advinda da Península Arábica.

A Península Arábica está localizada entre a Ásia e a África e é banhada no seu lado oriental pelo Mar da Arábia no Golfo Pérsico, e no lado ocidental pelo Mar Vermelho. As condições ambientais se caracterizam pelo solo árido e a inexistência de rios permanentes, incluindo extensa região desértica. As montanhas de Hedjaz acompanham a estreita planície costeira de Mar Vermelho – onde estão situados picos de até 3.100 metros. A leste do planalto central fica a região costeira banhada pelo Golfo Pérsico.

A Península Arábica desde muito tempo antes da Era Cristã fora habitada por povos nômades semitas. Segundo a Bíblia, Abraão tomou como concubina a escrava egípcia Agar, nascendo dessa união Ismael. Com o nascimento milagroso de Isaac, seu filho legítimo com sua esposa Sarah, Abraão repudiou Agar a pedido de Sarah, e a expulsou juntamente com o filho da sua tribo. Sendo assim, o filho bastardo de Abraão seria o fundador do tronco árabe semita e portanto também descendente do patriarca hebreu. Esse parentesco veio a ser causa da discriminação e da rivalidade históricas entre as tribos árabes e hebráicas.

Por volta do século VI da nossa era a Península Arábica era habitada por dois grandes grupos humanos: os árabes urbanos – habitantes de cidades como Meca e Yathrib – e os beduínos – habitantes do interior da península. Em razão de suas condições geográficas e pela reduzidas regiões agrícolas – situadas ao Sul, na costa do Mar Vermelho e junto à região montanhosa –, boa parte da população da região dedicava-se ao pastoreio e a prática comercial com caravanas que cobriam as rotas entre a Ásia, a parte oriental do Mar Mediterrâneo – onde situava-se o então Império Bizantino romano – e a costa mediterrânea da África , que tinha como principal centro comercial a cidade de Alexandria. O comércio de caravanas colaboraria decisivamente para que os árabes entrassem em contato frequente com diversas influências culturais daquela época, fato que seria determinante para seu futuro.

Os beduínos eram organizados em tribos e eram essencialmente nômades, ocupando-se fundamentalmente com a pecuária e viviam em tendas, vagando pelas regiões áridas em busca constante de pastagens para o gado. Assim, na medida que passaram a adotar o comércio como principal forma de subsistência organizaram-se em caravanas, de forma que logo se tornaram os maiores distribuidores de produtos de todo Oriente Médio e ativaram o próprio comércio interno das cidades da Península Arábica. Porém, nem os beduínos e nem os habitantes das cidades possuiam um governo unificado organizado. Entre os beduínos predominava o regime familiar, em que todos os membros tribais consideravam-se parentes entre si. Eram comuns entre os beduínos as lutas entre as famílias que poderiam se prolongar até o desaparecimento de dezenas de pessoas de cada família. Já nas cidades o poder político era exercido por uma aristocracia comercial.

A cidade de Meca constituia-se o principal centro comercial e também veio a se tornar um importante centro religioso, pois nela foi construído um templo conhecido como Caaba (ou Kaaba) para conter uma “pedra negra milagrosa enviada do céu,” e abrigar também uma multiplicidade de ídolos reverenciados por cada tribo particularmente, configurando assim a prática de uma religião politeísta. A tribo guardiã da Caaba era a tribo aristocrática  dos “coraixitas” (ou quraych), e seriam eles a promoverem a primeira tentativa de unificação do povo árabe no século VI d.C., ao levantarem a questão de que a divisão árabe no tocante a vida social, política e religiosa era a causa principal da fraqueza dos árabes em frente aos poderes imperiais persa e bizantino. Essa conscientização veio a se tornar cada vez mais forte com a entrada das tropas cristãs bizantinas na Etiópia e no Iemen, ao sul da Península Arábica, e o confronto militar entre as tropas bizantinas e persas no Egito. Tais disputas entre persas e bizantinos comprometera severamente o frutífero comércio exterior das caravas árabes, gerando uma necessidade armamentícia cada vez maior para assegurar a segurança e manutenção das caravanas comerciais.

Foi nesse cenário conflituoso que na cidade de Meca, no ano de 570 da nossa era, que nasceu uma criança pertencente a um dos clãs mais pobres da tribo aristocrática dos coraixita, e ao menininho foi dado o nome  de Maomé (Muhammed, que pode ser traduzido como digno de louvoures ou  o grandemente louvado). O menino cresceria e se tornaria um jovem vivaz, e sua humilde condição econômica-financeira de nascença resolveu-se através de um rico casamento, que lhe permitiu uma agradável ascenção social na tribo coraixita. Como marido da proprietária de uma das mais prósperas caravanas, Maomé teve condições de dedicar-se a sua sede de conhecimento e crescer em sabedoria, absorvendo conhecimentos culturais dos vários povos com que mantinha contato. Dono de uma brilhante inteligência e perspicácia não demorou a visualizar que uma nova forma de domínio estava sendo utilizada como forma de governo: a teocracia, onde política e religião reunidas num único poder era capaz de unificar as pessoas num mesmo objetivo comum.

O cristianismo, o judaismo, o masdeismo e mesmo o budismo eram formas religiosas que naquela época continham um conceito político-social grandioso, pode-se dizer aque até maior que o próprio conceito religioso do qual se originaram. A prática religiosa dessas doutrinas era o meio e o fim era gerar um poder político com objetivo de exercer um domínio de poucos sobre muitos. No hitórico religioso da humanidade se constata que as religiões se basearam nos “mistérios ocultos” do chamado mundo invisível, na busca de dar um sentido lógico ao que a razão humana não conseguia explicar. A mente humana tem a capacidade de formular métodos que a permitam concretizar sua experessão, o que é chamado de “simbolismo” (Ex.:  Cores, números, letras e formas – um círculo, um triângulo, um quadrado ou uma cruz – são símbolos). O simbolismo é tão presente no dia a dia humano que também se encontra na maneira humana de intuir sua comunicação com o mundo invisível. A simbologia utilizada para tal fim é por isso considerada “mágica, devido aos seus poderes ocultos inexplicáveis. A Kabalah (ou Cabala) judáica era uma forma de simbologia cujo conhecimento permite desvendar os mistérios dos textos sagrados hebráicos. Do mesmo modo na cultura greco-romana os iniciados das Doutrinas Secretas Dionísica e Órfica tinham uma compreensão dos ensinamentos de todas as outras religiões por serem também versados na misteriosa linguagem simbólica. A partir do século V da nossa era com o advento da teocracias cristã e masda (zoroástrica), passou-se a combater-se com severas perseguições o conhecimento simbólico do mundo invisível, que levou à destruição uma infinito número de seus documentos que poderiam ser perniciosos ao domínio das novas teocracias.

O cristianismo, devido a ignorância dos seus sacerdotes dos fundamentos cabalísticos judáicos, foi fundamentado em um conhecimento totalmente desvirtuado do simbolismo utilizado por Jesus em seus ensinamentos, o que transformou a nova religião teocrática romana num conjunto de princípios mentais racionais, que pouco tinham a ver com o mundo invisível e espiritual revelado por Jesus, porém os dogmas criados permitiam atender unicamente ao aspecto materialista humano e   ser uma ferramenta útil ao domínio de um indivíduo sobre muitos. Portando, não é de causar espanto que aos 40 anos de idade, Maomé tenha estabelecido uma nova doutrina teocrática baseada na linha romanizada do cristianismo; pobre em simbolismo espiritual e totalmente voltada para o aspecto materialista, empregnada de elementos religiosos que se adaptavam a natureza do povo árabe,  que permitia uma identificação rápida e segura de cada indivíduo  por ser permeada pelas principais crenças religiosas de sua época, praticamente criando uma doutrina religiosa monoteísta com fundamentos “universais.” A profissão de fé monoteísta do Islão, ou do islamismo, está contida na “shahadah”: “Não há outro Deus senão Alá e Maomé é seu Profeta” e no dogma perpetuado por Maomé na IV Sura do Corão (o livro sagrado islâmico): “Acredito em Deus, em seus anjos, livros e mensageiros, no último dia, na ressurreição dos mortos, na predestinação por Deus, no bem e no mal, no julgamaneto e na justiça, no paraíso e no fogo do inferno.” Na composição da nova doutrina teocrática verifica-se que na busca da universalidade religiosa, Maomé usou de uma grande diplomacia religiosa para não criar confrontos com as outras religiões dominantes de seu tempo, de modo que os novos crentes pudessem interagir e usarem de tolerância religiosa quando fosse do próprio interesse, porém sabiamente estabeleceu o princípio do “proselitismo,” onde obrigava o fiel islâmico a não medir esforços para a conquista de nosvos prosólitos (adeptos). De modo que o proselitismo transformou-se em pouco tempo na grande arma ideológica de Maomé. O princípio do “djihad”, que quer dizer “guerra santa”, para a conversão dos infiéis defendia a idéia de que “a espada é a chave do reino dos céus; todo aquele que morre lutando pela expansão do Reino de Alá é um mártir e vai para o paraíso.”

Com o sucesso de sua doutrina Maomé conquistou um exército que permitiu a ele entrar no ano de 630 d.C. triunfalmente em Meca. Ele e seus adeptos destruiram os ídolos da Caaba, preservando apenas a “pedra negra milagrosa vinda do céu.” Com a conquista de Meca, Maomé funda e estabelece um Estado teocrático, manda construir a primeira mesquita e determina os quatro deveres religiosos básicos do fiel islâmico: a oração (salah), o jejum, a esmola (zakah) e a peregrinação à Meca (hadj). Os rituais religiosos estabelecidos por Maomé, tal como as orações –  que deviam ser feitas após abluções purificadores com água ou areia e cinco vezes ao dia (antes do nascer do sol, ao meio-dia, antes e depois do por do sol, e quando a noite caisse) na direção de Meca –, visavam não só estabelecer a “religação” entre o indíviduo e a entidade divina como também promover uma união espiritual entre os membros do islâmismo, de modo que desenvolvessem uma espécie de consciência grupal unificadora, reforçando a idéia de “pertencerem” a um mesmo “corpo”, dando um sentido específico a própria vida e existência individual.

Um estudo mais profundo do islamismo permite observar que seus princípios religiosos estão direcionados à totalidade da vida social árabe, que não só permitiu unir em si as nobrezas beduínas e as aristocracias das cidades numa só elite unificada da Arábia, como também permitiu a esta elite a ter domínio sobre as camadas desprivilegiadas da população árabe, do momento em que tinha como dogma de fé que todo islâmico deveria enfrentar os acontecimentos de sua vida com “resignação,” já que estes estariam previamente traçados por Alá, promovendo uma crença fatalista.

Tendo em vista o aspecto social do islamismo verifica-se que como uma doutrina comportamental a nova religião foi muito benéfica para promover a unificação dos árabes em um só povo e a constituição da Nação Árabe. A validade da obra de Maomé se comprovou na sua capacidade de criar um mecanismo capaz de dar-lhe poder para tecer os laços que uniriam os árabes e de assim organizar o caos materialista de seu povo que era impeditivo ao  progresso árabe. A imposição de práticas religiosas teocráticas pela violência não era uma exclusividade do islamismo, o próprio cristianismo já o vinha praticando no intuito de conservar o poder do decadente Império Romano. Cabe aqui uma sábio pensamento milenar chinês: “O fato de alguém conseguir alguma coisa por meios condenáveis pode levar à suposição de que tais meios são naturais.” Portanto, é possível comprovar-se historicamente que é da natureza humana empregar o uso das mais variadas formas de violência para subjugar  e exercer o domínio de uns sobre os outros.

Usando-se de uma análise psicológica pode-se dizer que Maomé foi o primeiro a usar da chamada “psicologia de massas” numa doutrina capaz de atender as expectativas individuais e eliminando o alto grau de ansiedade de milhares de indivíduos ao mesmo tempo, algo até então inédito na história humana. Tal feito foi alcançado apenas com o uso de rituais que estabeleciam laços de “união”, permitindo que se evoluísse de uma identidade individual para uma identidade coletiva. O pensamento contemporâneo de Erich Fromm sobre a superação da solidão dá uma explicação concisa de como isso procede: “É uma união que o ser individual desaparece em ampla escala, em que o alvo é pertencer ao rebanho. Se eu sou como todos os mais, se eu não tenho sentimentos ou pensamentos que me façam diferente, se eu estou em conformidade com os costumes, idéias, vestes, padrões do grupo, eu estou salvo: eu me salvei da terrível experiência da solidão.” E é exatamente essa salvação da solidão o âmago da religião islâmica e a razão do seu expansionismo no Oriente Médio e norte da África. Após a morte de Maomé em 632 d.C. os árabes avançaram sobre o Império Persa e depois de conquistá-lo dirigiram sua sede de conquista para o Império Romano do Oriente (ou Império Bizantino). O conflito entre cristãos e islâmicos perduraria por séculos e ficaria ainda mais acirrado com as Cruzadas promovidas pelo papado de Roma a partir do século XI, e é admirável perceber que de certa maneira que nós presentemente ainda vivamos ainda as graves consequências desse passado remoto.

Contudo,  se conforme a crença de que o destino humano está nas mãos de Deus – o mesmo Deus em nome do qual se derrama-se rios de sangue –, ele provavelmente tinha outros planos para essas duas teocracias belicosas que dominavam o mundo da Idade Média. Pois, essa é a única maneira que se tem para explicar o raio que cruzou os céus do Extremo Oriente ao Ocidente, e que configurou o mundo numa nova ordem mundial. E mesmo que os historiadores não lhe façam a justiça devida, foi ele que deu o primeiro grande impulso para o progresso do conhecimento humano com a disseminação da sabedoria Oriental e por seus feitos pode ser considerado como o terceiro grandioso tecelão da civilização humana, e seu nome era Temudjin, mais conhecido como Gêngis Khan (1160 – 1227), cuja influência no destino da humanidade será analisada no próximo capítulo.