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sexta-feira, 24 de março de 2023

XX - O SER HUMANO PLANEJA O FUTURO, MAS É DEUS QUEM DECIDE.

        A esta altura, quando eu chego ao último capítulo desta obra, eu escrevo para quem com ela aprendeu um pouco de conhecimento histórico, adquirido uma imaginação especial capaz de compreender a trajetória humana na criação de sua civilização e, também, que seja capaz de ver a grandiosidade de toda a sua construção e não se atenha apenas aos detalhes. Ninguém espere que eu apresente uma bibliografia e referências de quais obras foram utilizadas por mim para sustentar o que escrevi nesta obra e menos ainda neste derradeiro capitulo. Eu diria aos interessados em bibliografias que leiam muito como eu leio, leiam de tudo e se possível até consultem a biblioteca do Vaticano, agora disponível online na Internet. Durante os doze anos em que escrevi “DEUS? SOU EU! - OS TECELÕES” muita coisa mudou no mundo e. verdadeiramente, o mundo não é mais como antes. Eu me considero uma observadora, mais do que escritora e jornalista, a mim importa relatar o fenômeno do processo civilizatório humano, eu não me arrogo em ser uma historiadora, ao meu ver o britânico Arnold Joseph Toynbee (Londres, 1889 - 1975) se consagrou com sua obra magna “UM ESTUDO DE HISTÓRIA” ( A STUDY OF HISTORY) com seus 12 volumes sobre o nascimento, crescimento e queda das civilizações com foco global. Toynbee foi o maior historiador do século XX e não surgiu, ainda, ninguém para substituí-lo. Assim como Toynbee, eu também observo que existe um ciclo em que as Nações vivem seu próprio ciclo temporal de vida com um processo civilizatório com uma cultura característica que dura entre 500 a 600 anos, pode-se dizer que até elas estão sujeitas à morte. 

         No ultimo capitulo, “XIX - JACOB FUGGER E O GLAMOUR DOS HABSBURGO”, eu ali narrei como o primeiro grande banqueiro europeu de origem germânica e da classe burguesa em ascensão consolidou sua posição de homem mais rico do mundo ocidental com apoio da Igreja de Roma e da família imperial Habsburg do Sacro Império Romano Germânico, durante os séculos XVI e XVII. Mas, a partir daquele ponto de apogeu, o desmonte do poder dos Habsburg estará sempre no centro de todas as questões européias e será alvo de ataques de seus inimigos implacáveis. Para quem queira adquirir um conhecimento mais acurado e profundo eu aconselho a leitura da obra inigualável do escritor e jornalista francês Jean Des Cars (Paris, 1943 - , idade 75 anos) “LA SAGA DES HABSBOURG”, em francês, publicado em 2010, revisada em 2013, não tendo versão para o português, apenas para o espanhol. Doravante farei pois um breve resumo histórico e sua análise do período que vai de 1519 até os dias deste ano de 2023, numa viagem temporal de 504 anos. 

         No interim destes últimos doze anos, a Inteligência Artificial (IA) com seus aplicativos como o Bing da Microsoft ou o ChatGPT já leu todos os capítulos desta obra, processou e guardou devidamente na memória e sem me pagar um tostão pelo conteúdo criado aqui e disponibilizado gratuitamente por mim para humanos, mas com uma atitude inconvencional serão as “coisas” (os bots) exatamente que tirarão melhor proveito do conhecimento contido nestes escritos e provavelmente venham a usar dele para escrever textos para as futuras gerações humanas de analfabetos e ignorantes funcionais, dependentes do conhecimento da Inteligência Artificial (IA). Espantoso! Mas, tem uma coisa que a IA não possui, algo que um ser humano pode ter em abundância: IMAGINAÇÃO. Essa capacidade criativa de planejar o que é inexistente ainda, mas que possui a semente do existir em um futuro. 

         Então, eu convido a você leitor a usar a sua imaginação como ferramenta imprescindível nesta viagem que faremos juntos. Para começar imagine a Terra, com seus continentes divididos em campos civilizatórios. No Extremo Oriente, a mãe Ásia, com suas culturas exóticas os povos orientais chineses, japoneses, tailandeses e outros adeptos de uma mistura de filosofias e influenciados por religiões antigas oriundas da Índia e misturadas com uma crença abraâmica de origem árabe em ascensão vinda do Oriente Médio, que se dará com várias tribos de origem mongol invadindo o Oriente Médio, formando o maior império do mundo, o Império Otomano, que conquistará todo o território do Oriente Médio e do Norte da África que antes fora parte do Império Romano, o qual ao ter-se transformado em um Estado Teocrático Cristão passa a dominar a Europa e perde seus territórios do Extremo Oriente para o Estado Teocrático Islâmico do Império Otomano. Por sua vez, o Continente Africano passa a ser de interesse dos europeus em razão do fornecimento de mão de obra escrava, sendo que a escravidão, que hoje nos parece tão desumana, fazia parte dos costume civilizatório ainda no século XVI, um costume da exploração do ser humano por seu semelhante. O Império Romano se transfigurará, mas manterá antigos costumes quando for conveniente atravessando os séculos e chegando, quem diria, ao século XXI, sob a égide da Igreja Católica Apostólica Romana. E, por fim, pode-se ver as Américas, e os territórios do Pacífico, as novas terras descobertas pelos navegadores latinos, com suas populações ameríndias e nativas, com padrões bem diferentes de civilizações, que fizeram os filhos da civilização romana européia se questionarem a respeito do mundo que os cercava. 

        O avanço tecnológico das navegações deu uma nova visão do mundo para todos os grupos humanos do Oriente ao Ocidente. Um segundo ponto de suma importância foi o recrudescimento bélico com o surgimento das armas de fogo capazes de matar a distancia, isso deu às guerras uma nova dinâmica mortal, em pouco tempo o mundo todo se tornaria um imenso campo de batalha com o advento das Revoluções Burguesas. Os séculos XVI e XVII são marcados pelo processo de destruição do domínio da Teocracia Romana Cristã, tendo seu começo com a primeira revolução promovida pela burguesia contra a nobreza a quem era subalterna e seu ponto de fricção inicial foi justamente no Sacro Império Romanos dos Habsburgo, onde o clérigo Martinho Lutero, filho de burgueses alemães, então frade agostiniano, se rebelou em 1517 contra o comércio de indulgencias patrocinado por ninguém mais que o banqueiro Jacob Fugger. Desta questão emergiu o protestantismo com variados líderes da burguesia européia ateando fogo não só contra o poder de Roma como contra as monarquias católicas européias estabelecidas. Não faltarão neste período histórias sórdidas de lutas pelo poder, permeadas de extrema crueldade e sanguinolência, A segunda Revolução Burguesa veio com o avanço cientifico, uma fase chamada “iluminismo’”, que foi descrita anteriormente nesta obra no tempo das “sociedades secretas” dos iluminatis e dos maçons. Um tempo em que se defendeu o conhecimento cientifico e a racionalidade humana acima da religiosidade e da ordem politica estabelecida pela Teocracia Romana Cristã. 

        O ponto nevrálgico desta revolução burguesa aconteceu na França, então unida ao poder dos Habsburgo através do casamento de Luiz XVI da França (1754 - 1793) com Maria Antonieta Lorena-Habsburgo, Arquiduquesa da Áustria (1755 - 1793). A revolução popular contra o poder central francês tinha como objetivo não só destruir a monarquia francesa, mas sobretudo atingir o poder dos Habsburgo e os colocar de joelhos. Durante um período de luta sem trégua contra o poder da família Habsburgo, até o grande líder da burguesia francesa, o então, Imperador Napoleão Bonaparte (1769 - 1821), foi tocado pelo sedutor brilho dos Habsburgo e foi casado de 1810 a 1821 com Maria Luísa da Áustria, chegando a ter um filho com a princesa Habsburgo, Napoleão II da França (1811 - 1832), que veio a falecer na juventude. Na França muito sangue ainda seria derramado até que a República fosse implantada de maneira definitiva a partir de 1870, seguindo os moldes democráticos defendidos pelo novo Estado dos Estados Unidos da América, que apesar da conquista da independência do domínio britânico em 1776, enfrentara uma guerra civil, a Guerra da Secessão, de 1861 a 1865, tendo como centro da disputa a questão escravagista, e com a vitória dos yankees, combatentes dos estados industrializados do norte, a escravidão foi abolida em todo os Estados Unidos da América, o que levou a supressão da escravatura primeiro nas Américas e depois nas colônias européias. 

         Enquanto o mundo europeu se dedicava a sucessivas batalhas por conquista territorial para atender o sistema econômico mercantilista, em Viena, na Áustria, que tornara-se o coração do Império Habsburgo, acontecia uma grande empolgação com o surgimento de grandes orquestras com instrumentos de sopro, cordas e de percussão, A música saiu de seu berço nas igrejas e catedrais e ganhou os palcos dos novos teatros com óperas e sinfonias, assim como os salões com bailes palacianos ou não, tornando-se cada vez mais popularizada motivando danças como marcha, polca e principalmente a sedutora valsa, considerada de inicio uma dança obscena. Pode ser incompreensível, que ao mesmo tempo que se fizesse tanta guerra do outro lado ocorresse tanta diversão e esse fenômeno parecesse revigorar a imaginação humana com tanta expressão artística como nunca antes visto. Nos rodopios das valsas e das esperanças imaginativas da Belle Époque, o mundo também rodopiava enlouquecidamente. Do avanço cientifico ao inicio de uma nova revolução burguesa, que emerge na Inglaterra trazida pela Revolução Industrial que despontara em 1760 e atinge seu primeiro estágio de maturidade em 1840, promovendo revoluções constantes a cada nova invenção tecnológica introduzida no sistema de produção industrial. A industrialização do sistema produtivo trouxe um novo conceito de escravatura para uso de mão de obra barata, pois na produção em série em linhas de fabricação de mercadorias nas plantas das fábricas, as pessoas faziam trabalhos manuais repetitivos por longos períodos, para atender a produção em grande escala destinada a um número cada vez maior de consumidores. Por sua vez, os empreendedores, os empresários industriais, usavam para tanto o capital de investidores como empréstimos bancários. Então o mundo foi transformado com o primórdio do tempo das máquinas. Com a crescente industrialização originaram-se novas classes sociais como; capitalistas, produtores, empreendedores, comerciantes, consumidores todas estas constituíam juntas uma nova classe burguesa, que tinha uma aristocracia burguesa quase tão nobre quando os nobres de outrora que quiseram varrer da face da terra. Em oposição a esta alta burguesia surgiu a classe do proletariado, constituída de pessoas responsáveis pela fabricação das mercadorias. Fato é, que na primeira década do século XX, para grande parte da humanidade as mudanças foram atordoantes, a ponto de não conseguir acompanhar os acontecimentos e era apenas o inicio da grandiosa revolução civilizatória que se anunciava, maiores mudanças ainda estariam por vir. 

         Assim, no inicio do século XX o estado de ebulição das politicas imperialistas em suas disputas territoriais e pelo comercio mercantilista mundial colocou em confronto o Império Alemão, o Império Austro-Húngaro dos Habsburgo, o Império Otomano, o Império Britânico, a República Francesa e a Itália. Os europeus pareciam estar embriagados de absinto e perdido a sanidade com tantos rodopios. Então, quando a 28 de junho de 1914 foi assassinado o Arquiduque da Áustria, Francisco Fernando, então herdeiro presuntivo e sobrinho do imperador Austro-Húngaro Francisco José I ( casa Habsburgo-Lorena) o infortúnio foi a desculpa mais que razoável para os Estados Mercantilistas se engalfinharem espalhando o conflito através de suas colônias para todo o mundo, desconsiderando as disputas bélicas apenas nos campos de batalha, de modo que as populações civis passaram a sofrer diretamente os efeitos da guerra. Em 11 de novembro de 1918, mais tarde conhecido como Dia do Armistício, ocorreu a capitulação e os Impérios Alemão, Russo, Austro-Húngaro e Otomano deixaram de existir, e o mapa da Europa, da África e do Oriente Médio foi redesenhado. O imperador Austro-Húngaro Francisco José I, veio a falecer em 1916, e foi sucedido por seu sobrinho-neto Carlos (1887 -1922), que apesar de seu perfil humanista, democrático e pacifista, acabou por sofrer forte perseguição politica patrocinada pela França que queria banir todo ou qualquer vestígio do imperialismo monarquista da face da terra, de modo que o Parlamento Austríaco aprovou a “Lei Habsburgo”, que formalmente destronou a casa imperial Habsburgo-Lorena da Áustria e baniu seus membros do país. Carlos I foi então proibido de pisar na Áustria novamente. Carlos era casado com Zita de Parma com quem teve oito filhos, o ex-imperador levou sua família para a Suíça, e depois tentou recuperar o trono húngaro sem sucesso, foi exilado com a família na Ilha da Madeira em Portugal, onde veio a falecer de pneumonia em 1922. Carlos de Habsburgo-Lorena foi beatificado pelo papa João Paulo II, em 3 de outubro de 2004, sendo este o fim melancólico da mais poderosa família real da Europa, que tinha alcançado o poder do Reino da Germânia em 1438 vindo a dominar o cenário politico europeu e suas colônias por 484 anos e com a beatificação de Carlos a proeminência fez-se reconhecida por 566, ao menos pela Igreja Católica Apostólica Romana. 

         Mal terminou a que foi chamado pelos historiadores de Primeira Guerra Mundial, a filosofia do alemão Karl Marx (1818, Tréveris, Alemanha - 1883, Londres, Reino Unido) elaborada no século anterior enquanto residia em Londres, caiu no gosto dos intelectuais burgueses de vanguarda e espalhou-se como um rastilho de pólvora pela Europa, alcançando a grandiosa Russia, um país agrícola que nem indústria tinha ainda, mas que o povo se encontrava em grande penúria e fome, de modo que a idéia de divisão de riqueza produzida pelo Estado entre o seu povo organizado em comunas proletárias, acompanhada da destituição da hierarquia monárquica russa foram atrativos mais que suficientes para que a burguesia russa promovesse uma revolução sangrenta para implantar o novo sistema politico-econômico idealizado por Marx, o Comunismo, com um Estado liberto das tradições religiosas, inteiramente laico e proletário, nascendo o novo país: o Estado da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), ou somente União Soviética a partir de 1917, institucionalizada oficialmente em 1922, e que permaneceu intocável até 1991. 

         O estabelecimento de uma nova ordem mundial, imaginada por filósofos e pensadores da época, parecia ser mais fácil com a estratégia de terra arrasada dos Estados, que se espalhou pelo mundo afora. Imaginava-se uma super civilização, com homens superiores, uma raça superior, que pudesse comandar o mundo todo, únicos capazes de por um fim no caos que se estabelecera. Não foi de admirar que pululassem ditadores em várias partes do mundo. Contudo, o processo capitalista sofreria sua primeira crise nos Estados Unidos da América, e a recessão começou a fazer suas vitimas entre os poderosos. Desde a Revolução Francesa os banqueiros burgueses ganhavam cada vez mais poder, tal como a família de judeus alemães Rothschild, (significado “escudo vermelho”) que ganhou imensa proeminência no século XiX e continuou amealhando grandes negócios mundialmente, se mantendo desde 1744 até os dias atuais, ou seja por 279 anos, como uma das principais lideranças no setor bancário e econômico mundial. Na esteira dos Rothschild, surgiram os novos banqueiros do tempo da industrialização norte-americana como J.P. Morgan, Marcus Goldman, Samuel Sachs e outros, que institucionalizaram o sistema bancário mundial estabelecendo-o como um novo poder que poderia até ser mais forte que os Estados que tinham como seus clientes. Esta geração de banqueiros foi a financiadora dos planos de uma nova ordem mundial. Mas, o novo sistema produtivo de industrialização prometia solavancos na estrada para o cobiçado progresso. Foi assim que aconteceu a crise a capitalista, a primeira de era industrial, em 1929, com a quebra da bolsa de Nova York, que levou o mundo ocidental a experimentar uma severa recessão. Mas, a aventura capitalista não morreria e, ao contrário, avançaria ainda mais. Marx poderia rir em outro mundo, mas só por algum tempo. 

         Se Marx foi um notável “influencer”, que se inspirou nas músicas retumbantes de Ludwig van Beethoven (1770, Bonn, Alemanha - 1.827, Viena, Áustria) e de Wilhelm Richard Wagner (1813 , Lipsia, Alemanha - 1883 - Veneza, Itália) que impactariam profundamente o século XX, outro grandioso “influencer” foi Friedrich Wilhelm Nietzche (1844, Lützen, Alemanha - 1900, Weimar, Alemanha), que tinha uma rivalidade apaixonada com Wagner, de modo que é possível observar nas obras de ambos o modo que um influenciava o outro. Nietzche é considerado o pensador do ateísmo, apesar de sua origem cristã protestante, escreveu sobre “a Morte de Deus”, vontade de Poder, Eterno Retorno e Super-Homem, entre outras idéias instigantes para sua época. Sua obra “Assim falou Zaratustra” virou uma espécie de Bíblia do pensamento do séculos XX, que coloca o ser humano no centro do existencialismo, como o único Senhor de seu destino, e destronando Deus de seu poder de predestinação. Após uma desilusão amorosa em 1882, já vivendo em Veneza, Nietzche começou a escrever a sua obra magna, mas ao término de “Assim falou Zaratustra”, publicada no mesmo ano de 1883, ele foi tomado de uma obsessão que o levava a escrever num ritmo crescente, o que ocasionou uma crise mental depressiva. Foi neste estado delicado, que em 3 de janeiro de 1889, ao testemunhar o açoitamento de um cavalo na Piazza Carlo Alberto em Veneza, ele saiu em corrida desabalada em direção ao pobre animal e enlaçando o seu pescoço na vã tentativa de o proteger de seu martírio. Sua emoção foi tão violenta que ele caiu ao chão e teve um colapso mental, que causaria sua morte pouco depois. Pode-se dizer que o excesso de pensamentos enlouqueceu Nietzche, e este parece ser um mal dos gênios, o mesmo aconteceu até com Nikola Tesla (1856, Smiiljan, Império Austríaco - 1943, Nova Iorque, Estados Unidos), o engenheiro fisico que lançou as bases do que viria ser o maior avanço do industrialismo do século XX, a ponto de ser voz corrente que nada do que conhecemos hoje de mecanismos computadorizados, sistemas elétricos e de radiotransmissão seria possível sem o conhecimento fundamental de Tesla, dando a ele o principal lugar no panteão de honra dos inventores de grande imaginação que transformaram a civilização nos últimos cem anos. 

         No preludio histórico da atual era industrializada observa-se o domínio humano sobre as coisas que sua imaginação criava, é o tempo dos grandes inventores, e penso que o uso da borracha como ferramenta para apagar escritos à lápis em papel, descoberto em 1770, pelo engenheiro inglês Edward Nairne (1726 - 1806) foi apenas o inicio de uma mudança, quando em 1839, Charles Goodyear (1800 - 1860) um químico e engenheiro manufaturista autodidata, descobriu o processo de vulcanização da borracha , a tornando durável, as borrachas se tornaram uma ferramenta comum. Em 1858, Hymen Lipmen de Filadelfia, EUA, (1817 -1893) fez a primeira patente de um lápis com uma borracha anexada em seu topo, possivelmente esse negociante de materiais de escritório não fazia idéia que seria o causador da maior revolução no processo do pensamento humano, facilitando os cálculos matemáticos, da fisico e da engenharia, assim como nos desenhos de projetos para novas invenções, e mesmo nos estudos de química, biologia e nos processos de pesquisas para a produção de farmacêuticos e avanço do conhecimento médico e cientifico, o que levou a Humanidade dar um espetacular salto de conhecimento cientifico e tecnológico nunca antes visto na história da civilização humana. A facilidade para apagar os erros e os corrigir seria a varinha de condão na forma de um lápis com borracha, porém, na vida propriamente dita, após uma ação realizada esta não pode ser apagada, só o rascunho dos planos que fazemos para ela podem ser. Infelizmente a natureza imediatista humana não é muito afeita a fazer planos exatos e erros sempre acontecem, muitas vezes resultando em imensos desastres. Todavia, ao meu ver, considero a borracha uma invenção fundamental para o sucesso de grandes visionários e mentes brilhantes como Tesla. 

         Foi graças ao bom uso da borracha que a industrialização ganhou novas máquinas na locomoção; como trens, carros, caminhões, tratores, bicicletas e aviões e na comunicação; como telégrafo, telefone, gramofone e rádio. E a descoberta do uso da eletricidade pelo empresário e inventor autodidata norte-americano Thomas Edison (1847 -1931), que em acirrada disputa com Nicolas Tesla, não só descobriu como armazenar energia criando a primeira usina de geração de energia elétrica em Pearl Street como a colocou para funcionar em 1882, para acender as suas lâmpadas elétricas, fadadas a iluminar o mundo todo e acabar com o reino sombrio das noites dos lampiões, de lua e estrelas. Em 4 de setembro de 1882, a Edison Electric Iluminating Company, fundada por Thomas Edison ligou pela primeira vez lâmpadas elétricas em uma via pública, a Wall Street, já famosa na época como centro financeiro de Nova York, nos EUA, iniciando o processo da eletrificação mundial. Passados 140 anos completos em 2022, o mundo não só ficou lindamente iluminado em suas noites, como inteiramente dependente da eletricidade, a ponto da maioria da população mundial nem saber mais como viver sem ela, e a perspectiva da falta de eletricidade passou a ser o tema mais recorrente e aterrorizante das obras apocaipticas de ficção cientifica.
        Apesar da crise de 1929 em Nova York, o avanço tecnológico não parou, ao contrário ele avançava ainda mais. As máquinas sempre exigiam aprimoramentos e sempre eram renovadas. O uso do petróleo era imprescindível para os veículos de locomoção e para as industrias. Com o desmantelamento do Império Otomano os Europeus tiveram acesso a territórios até então desconhecidos, descobrindo que no Oriente Médio debaixo da extrema aridez do solo, não só existiam tesouros arqueológicos inestimáveis que explicavam a história do passado humano, como também era a maior reserva de petróleo do mundo. 

         A esta altura creio que já apresentei todos os elementos para justificar o que vai acontecer com a aproximação da segunda metade do século XX. Com o fim da Primeira Guerra Mundial e a ascensão da União Soviética, não apenas os impérios mencionados anteriormente foram dissolvidos em 1922. Gradualmente, “o Império onde o sol nunca se põe”, como foi chamado o Império Britânico no apogeu da era vitoriana, também começou a se esfacelar, com suas colônias clamando por independência. A primeira vez que se falou o termo de “Comunidade Britânica das Nações” ocorreu em 1917. Foi na Declaração de Balfour na Conferência Imperial de 1926, que a Grã-Bretanha e seus domínios concordaram “em ser iguais em status”, estabelecendo que ninguém estava sujeito a subordinação em seus assuntos internos e externos, embora unidos pela fidelidade comum à Coroa, e eram livres associados como membros da Comunidade Britânica das Nações. A formalização se deu com o Estatuto de Westminster em 1931 e a nova instituição foi oficializada a partir de 1946, quando passou a chamar-se Comunidade Britânica (British Commonwealth), fazendo desaparecer o conceito de “Império Britânico”, sendo esta mudança de titularidade uma formalização de uma perda de poder politico mundial para o Reino Unido. 

         Por outro lado, a Alemanha que saíra da Primeira Guerra Mundial numa situação vexatória e humilhante em razão das fortes imposições do Tratado de Versalhes (1919), que determinou a perda não só de 13% do território alemão mas como de todas suas colônias ultramarinas, proibindo o Estado Alemão de anexar outros Estados e a pagar altas indenizações, além de sofrer limitações quanto a capacidade das suas forças armadas, daria mostras da capacidade de resiliência do povo alemão e de sua ferocidade que faria tremer o mundo todo, não apenas a Europa. De modo geral as perdas sofridas com a Primeira Guerra Mundial despertaram um nacionalismo irredentista e revanchista em vários países europeus, apesar de um claudicante movimento pacifista que não alcançou nenhum sucesso. Ao contrário, parece que estimulou ainda mais idéias de recuperar a grandiosidade “imperial” perdida. Como foi o caso na Itália, que chorava saudoso pelos dias de glória do Sacro Império Romano-Germânico, dissolvido em 1806. Assim em 1922 o movimento fascista italiano nascia liderado por Benito Mussolini (1883 - 1945), que tomou o poder com uma forte campanha politica de comunicação de cunho nacionalista, totalitária e de colaboração de classes patronal, proletária e campesina. 

        Em 1925, Mussolini aboliu a democracia representativa vigente dando um golpe de Estado, reprimiu os socialistas e comunistas entusiasmados com a União Soviética, e inclusive as forças liberais, e implantou uma politica externa agressiva com o intuito de forjar através do uso da força, a Itália como uma potência mundial - um “Novo Império Romano”. De onde Mussolini tirou suas idéias? Em 1902, Mussolini imigrou para a Suíça, para evitar o serviço militar. Trabalhou por um tempo em Genebra como pedreiro, e aprendeu na prática um pouco de francês e alemão. Durante esse tempo ele estudou as idéias do filosofo Friedrich Nietzsche “et voilà” iniciou seu caminho de revolucionário, de cristão se tornou ateu num piscar de olhos, Ele desafiou Deus para provar a sua existência e considerou Jesus como ignorante e louco, afirmando que a religião era uma forma de doença mental que merecia tratamento psiquiátrico e acusou o cristianismo de promover resignação e covardia. Então para divulgar suas próprias idéias publicou seu primeiro livro, um tratado ateísta com o título “Homem e Divindade: Deus Não Existe”, publicado em 1904, em Lausanne, na Suíça, no qual proclamava: “Fiel, o Anticristo nasceu”. 

         O jovem Benito evoluiria e chegaria a se tornar um intelectual, com idéias consolidadas e com uma cultura acima do normal, e mais do que tudo se tornou um excelente orador, de fazer inveja ao próprio Cicero, se isso fosse possível. Escritor de mão cheia produziu artigos para jornais e discursos inigualáveis para propagar suas idéias, era um gênio nato de comunicação. Flertou com o socialismo, mas em dezembro de 1914 ele denunciou o marxismo ortodoxo que surgira após a morte de Karl Marx. Ele se considerava um marxista herege, um socialista nacionalista talvez, nem ele mesmo sabia se definir, foi num cadinho de idéias misturadas que ele criou o seu fascismo. Mussolini diria que a revolução russa foi uma “vingança judaica” contra o cristianismo, e que 80% dos líderes soviéticos eram judeus, apesar da campanha antisemita do governante soviético Josef Stalin desde 1920, Mussolini aderiu a uma campanha italiana antissemita, para depois negá-la, dizendo que não havia discriminação contra judeus na Itália. O primeiro congresso fascista aconteceu em Florença no ano de 1919 e em 1920 ele escreveu: “ Nós esperamos que os judeus italianos permaneçam sensatos o suficiente para não dar origem ao anti-semitismo no único país que ele nunca existiu”. 

         Nas eleições de 1921 os fascistas conquistaram 35 cadeiras no parlamento italiano, inclusive Benito foi eleito deputado. Em 1922, Benito se outorgou o titulo de “Il Duce” (titulo honorifico de inspiração na República Veneziana dos Doges, algo como “O Duque”), e criou suas próprias milícia chamada “camicie nere” (camisas negras), com nome institucional de Milícia Voluntária para a Segurança Nacional, ele não hesitou em usá-la para instigar o terror e combater abertamente os socialistas. O líder fascista gozava de amplo apoio no exercito, entre as elites industriais e agrárias, enquanto o Rei Vitor Emanuel III e o “establishment” conservador temiam que fosse instigada uma guerra civil, e usaram Mussolini para restabelecer a lei e a ordem que ele mesmo tinha colocado em risco com suas marchas revolucionárias, dando a ele o cargo de primeiro-ministro, sendo este o começo da sua revolução fascista. Em 6 de agosto de 1923, Benito Mussolini foi capa da revista norte-americana Time, se consagrando como grande líder mundial. 

        A trajetória de Mussolini em seu governo ditatorial da Itália é de deixar qualquer um embasbacado, Benito não tinha vergonha em mudar de posição, até se fez batizar católico novamente (1932) quando lhe foi conveniente, mas evitou ser fotografado ajoelhado em frente ao papa Pio XI, que saudou a ele como o “Homem da Providência”. Ele se esforçava em parecer piedoso, mas era hipócrita, os pronomes que se referiam a sua pessoa deviam ser sempre escritos com letra maiúscula, como se faz quando se refere a Deus. Benito Mussolini elevou-se ao patamar mais alto do culto da personalidade com o uso de uma nova máquina de comunicação: o rádio. Em 1896, Guglielmo Marconi (1874, Bolonha, Itália - 1937, Roma, Itália) registrou em Londres a primeira patente de radiocomunicação, e em 1919 foi inaugurada uma emissora de radio regular em Rotterdam. Em 1922 com a fundação da mais antiga estação de radio do mundo, a BBC (British Broadcasting Corporation) a era do rádio teve inicio, com transmissão de programas e notícias através de radiodifusão por todo o mundo, dando origem ao que se chama de “comunicação em massa”. Mussolini era pessoalmente um apaixonado pela tecnologia moderna de seu tempo. Ele e seus seguidores eram fascinados com a velocidade, eles voavam aviões e dirigiam carros em alta velocidade sem se importarem em colocar em risco suas vidas. Mussolini era uma figura intrépida e audaz, e o uso do rádio lhe daria a oportunidade de disseminar seu estilo pessoal e dar-lhe uma fama inigualável. Assim, no ano de 1924, em Roma, a primeira transmissão de radio foi feita pela companhia de radiodifusão privada Unione Radiofonica Italiana (URI) e Mussolini rapidamente a estatizou em 1927, se tornando a única emissora de rádio italiana autorizada a operar na Itália, chamada Ente Italiano para as Audições Radiofônicas (EIAR), e serviu amplamente para que Mussolini divulgasse suas idéias politicas e se tornasse o primeiro “influencer” de verdade da história contemporânea. 

        Benito fez escola, e com seu desempenho dramático de liderança politica, assemelhando-se a um ator representando no palco do teatro mundial, angariou cada vez mais seguidores com seu estilo inconvencional e arrojado, entre eles o novo governante alemão Adolf Hitler, que chegara ao poder em 1933, seguindo atentamente os passos do mestre italiano. Todavia a admiração de Hitler no inicio não foi correspondida pelo Duce, que sobre o líder alemão disse: “Hitler é simplesmente um tolo confuso. Sua cabeça está cheia de rótulos filosóficos e políticos totalmente incoerentes. Brincou de bobo, com suas ridículas disputas eleitorais, para apoderar-se legalmente das rédeas do poder. Ou ele é revolucionário ou não é. Somos dinâmicos e o Signor Hitler é apenas um tagarela”. Nas ondas do rádio o mundo seria dominado pelo rugido dessas duas feras da cultura do ódio e tremeria em suas bases, inaugurando um tempo em que a sociedade humana passaria a ser dominada pelo espectro do terror e do medo. 

         Eu falarei, pois, de Adolf Hitler (1889 - Império Austro-Húngaro - 1945, Berlim, Alemanha). Este austríaco foi criado na cidade de Linz e foi para a Alemanha, e diferente de Mussolini aos 24 anos serviu com distinção ao exército alemão durante a Primeira Guerra Mundial. Em 1921 tornou-se líder do Partido Alemão dos Trabalhadores, mas ao organizar uma tentativa fracassada de golpe de Estado em Munique em 1923, ele acabou preso. Foi na prisão que ditou o seu primeiro trabalho literário “Mein Kampf” (Minha Luta). Quando solto em 1924, ele ganhou apoio popular com sua forte oposição ao Tratado de Versalhes. Dono de um carisma inigualável Hitler promoveu suas ideias com discursos loquazes recheados de pangermanismo, antissemitismo e anticomunismo. Ele frequentemente criticava tanto o capitalismo como o comunismo, tendo ambos como conspirações judias. 

        Em 1933, o Partido Nazista criado por Hitler se tornou o maior partido eleito do Reichstag (parlamento alemão) e seu nome recebeu apoio necessário para ser Chanceler da Alemanha em seguida. Não demorou que se instalasse uma ditadura de partido único tal como na Itália, totalitária e autocrática de ideologia nacionalista e que pregava a eliminação dos judeus da Alemanha e o estabelecimento de uma “Nova Ordem” para combater as injustiças do pós-Primeira Grande Guerra impostas por britânicos e franceses. Decorridos seis anos do governo de Hitler, a economia da Alemanha se recuperou da Grande Depressão iniciada em 1929, as restrições impostas ao país após a Primeira Guerra Mundial foram ignoradas e os territórios das fronteiras onde viviam alemães étnicos fossem ocupados, o que deu a Hitler um fortíssimo apoio popular. 

        De imediato Hitler iniciou um trabalho de radiodifusão de propaganda muito bem organizado, mapeou a intensidade do campo de transmissão por toda Alemanha, a fim que a transmissão de uma rádio oficial alemã pudesse cobrir todo o território e ter potência suficiente de impedir sinais vindos do exterior. Técnicos alemães criaram um radio receptor popular, o VE301, que foi distribuído para toda população para que pudesse sintonizar a radio nacional alemã, sendo proibido à qualquer pessoa sintonizar qualquer outra emissora nacional ou estrangeira, com risco de prisão de até cinco anos. Seria através do uso de suas transmissões radiofônicas que Hitler dominou o povo alemão, que nada mais sabia do que acontecia no mundo exterior. Hitler adotou uma politica externamente agressiva e revanchista. A iniciou com um grande programa de reindustrialização e rearmamento das Forças Armadas alemãs. O “Führer” (titulo honorifico que Hitler tomou para si, que em alemão significa condutor, líder, guia ou chefe) assentou-se solidamente no poder central da Alemanha, não tardou muito e ele ordenou a invasão da Polônia, a 1º de setembro de 1939. A motivação foi uma guerra defensiva no chamado “corredor polonês” estabelecido no Tratado de Versalhes, que tirou da Alemanha um território fronteiriço em que se localizava a cidade portuária de Danzigue, que tinha a população de maioria alemã. 

        Tratava-se pois de uma guerra pela recuperação territorial da Alemanha, porquanto Hitler prometera em seus discursos que libertaria as minorias alemãs que foram separadas da Alemanha, como era o caso de Danzigue. No final, Alemanha e União Soviética entraram em confronto e em 1º de setembro de 1939, uma semana após a assinatura do Pacto Molotov-Ribbentrop entre a Alemanha Nazista e a União Soviética, no dia seguinte a aprovação do pacto pelo Soviete Suprema da URSS, as tropas soviéticas invadiram a Polônia em 17 de setembro e em em 6 de outubro de 1939, a Polônia foi dividida e anexada sob os termos do Tratado Fronteiriço Alemão-Soviético. Este foi o estopim para a Segunda Guerra Mundial, que foi travada nos campos de batalha por terra, mar e ar, como também pela primeira vez no campo da radiotransmissão, com o uso de informações e contra-informações, noticias reais e noticias mentirosas, sendo que o Ministro de Propaganda da Alemanha Nazista de Hitler, Paul Joseph Goebbels (1897, Berlim, Alemanha - 1945, Berlim, Alemanha), que compensava a vergonha com sua deformidade fisico com o uso de sua mente maquiavélica para manipulação das massas com informações subliminares e aplicação táticas de domínio mental com conceitos psicanalíticos e hipnóticos tão em voga desde que o neurologista austríaco Sigmund Freud, (1856 - 1939) criara a psicanalise e tantas outras práticas inovadoras que viriam a ser aplicadas nas campanhas de marketing pós-guerra para angariar “consumidores”. 

         Por um erro de cálculo da diplomacia britânica, que não soube negociar uma aliança entre Itália, França e Reino Unido em janeiro de 1939, o que ao olhar do líder viril italiano tal fracasso de entendimento devia-se a uma debilidade destes países, que estavam fadados à decadência por falta de energia de suas populações decrescentes. Assim, não deve ser causa de espanto para ninguém, que Mussolini se visse empurrado para o colo de Hitler, apesar de ter sérias divergências com as idéias do líder nazista. Mussolini decidiu-se a entrar na guerra ao lado da Alemanha Nazista, apoiando o acordo do Eixo de 1936, que resultou no Pacto de Aço de 22 de maio de 1939, que uniu a Itália fascista e a Alemanha nazista em uma aliança militar total., aos moldes do Sacro Império Romano Germânico, dos Habsburgo, que tinha sido dissolvido definitivamente em 1922. As Forças Armadas fascistas entraram na guerra em 10 de junho de 1940, contra os aliados França e Grã-Bretanha. E foi assim que tudo começou, mas o desfecho seria ao melhor estilo dramático para o Duce Benito Mussolini, mas não como imaginara. 

         Em uma entrevista em janeiro de 1945, Mussolini disse: “Há sete anos eu era uma pessoa interessante. Agora sou pouco mais que um cadáver… Minha estrela caiu… Trabalho tanto, mas sei que tudo não passa de uma farsa… Espero o fim da tragédia e, e estranhamente desligado de tudo, não me sinto mais ator. Sinto que sou o último dos espectadores”. No dia 28 de abril de 1945, Mussolini foi preso pelos guerrilheiros da resistência italiana antifascista, que o mataram juntamente com a sua companheira e amante Clara Petacci – que embora tivesse sido lhe dada a oportunidade de fugir, preferiu permanecer e morrer ao lado do Duce –, assim como seus correligionários Bombacci e Starace, que após terem sido alvejados mortalmente tiveram seus corpos pendurados pelos pés expostos para testemunho público na Piazza de Loreto, em Milão. Os corpos só foram baixados com a chegada das autoridades norte-americanas e entregues ao necrotério, onde realizou-se a autopsia no Instituto de Medicina Legal de Milão. No estudo do cérebro de Mussolini não foi encontrado nenhum sinal de doença como sífilis para a hipótese de causa de sua “loucura”. Nunca se soube o relato das circunstâncias de como o Duce e seus companheiro foram aprisionados, muitas especulações foram levantadas, inclusive que agentes de espionagem britânicos tenham sido os verdadeiros responsáveis para a armadilha causadora do fim do líder italiano. Em 1957, Benito Mussolini recebeu um funeral católico e está sepultado no túmulo da família em Predappio, na Emilia-Romagna, local de seu nascimento. Deixou descendentes e sua neta Alessandra Mussolini abandonou suas ambições políticas em 2020. 

        A morte do Duce, marcou o encerramento melancólico do poderio do antigo Império Romano, restando de sua glória apenas suas ruínas para serem contempladas e admiradas, mas para aqueles que conhecem o povo italiano, especialmente os romanos, confirma-se que este povo jamais perdeu seu orgulho e altivez oriundos do DNA dos gêmeos Rômulo e Remulo tão bem alimentados por uma loba. 

         Se a morte de Benito Mussolini pode ser confirmada com fotos, mesmo que impressionantes e desrespeitosas para um homem que em vida foi tão poderoso, o mesmo não se pode dizer de Adolf Hitler, que segundo consta teria se suicidado de forma desconhecida em seu refúgio em Berlim, em 30 de abril de 1945, dois dias após seu “ídolo” Benito. Sua companheira Eva Braun com quem tinha se casado no dia anterior o acompanhou na morte tomando cianeto. Seguindo as suas instruções verbais de Hitler, seus corpos foram retirados do bunker, carregados para fora e encharcados de gasolina e incendiados no jardim da Chancelaria do Reich. Existem narrativas controversas sobre a morte de Hitler, não se pode afirmar que nenhuma seja a verdadeira, inclusive pode até ser possível que ele tenha vindo se refugiar na América do Sul, na Argentina ou no Brasil, como tantos nazistas vieram naquele tempo, junto com Eva Braun e vivido ainda muitos anos e muitos anos. Teorias da conspiração é que não faltaram e não faltam, mas a esta altura podemos ter a certeza que Hitler está morto. 

         O grande músico alemão Richard Wagner ao ter composto O Crepúsculo dos Deuses, a quarta parte da tetralogia de O anel de Nibelungo, trabalhando de 1869 e 1874 para a completude da saga do Anel, profetizou que a guerra dos deuses nórdicos traria um apocalipse incendiário. Foi um trabalho visionário sem duvida do mestre alemão da ópera. Não preciso falar dos episódios horríveis desta guerra, basta ver seu terrível encerramento com o lançamento de duas bombas atômicas no Japão, que entrara na guerra ao lado do Eixo. As chagas da Segunda Guerra Mundial são imensas e ainda sangram. A Segunda Guerra Mundial foi dada como finda segundo os métodos históricos em 2 de setembro de 1945, com a rendição do Japão assinado a bordo do convés do navio de guerra americano USS Missouri, colocando um fim na guerra. Todavia, o que se viu foi o início de um interlúdio, que dividiu o mundo em duas partes como se fosse uma laranja, de um lado os apoiadores dos Estados Unidos e do outro os apoiadores da União Soviética, ambos os lados travando uma luta constante pelo poder, a qual foi chamada de Guerra Fria, apenas porque não havia mortes em grande escala, mas elas aconteciam do mesmo modo, mas longe do olhar do público, que só via a propaganda politica e cultural de uma vida perfeita que jamais existiu.

         Novas fronteiras foram desenhadas de modo que os povos jamais entrassem em um acordo, especialmente na África e no Oriente Médio, assim os fabricantes de armas, os senhores da guerra continuaram a ganhar fortunas. Países do Commonwealth Britânico, como a Índia, finalmente alcançaram sua independência, trazendo novos problemas geopolíticos. Os acordos com os países do Oriente Médio garantiram não só o fornecimento de petróleo para o processo industrial, assim como deu um poder descomunal aos xeiques árabes e assemelhados. A surpresa veio em 1º de outubro de 1949, quando o país mais populoso do mundo proclamou-se como República Popular de China sob regime comunista, colocando um fim na Guerra Civil Chinesa, que então alinhou-se com a União Soviética. Essa mudança politica, levou os Estados Unidos a investirem pesado na economia japonesa, a fim de atender a suas estratégias de ambições imperialistas e talvez, quem sabe, mitigar a seu estado de culpa pecaminosa cristã pela morte instantânea de mais de 230 mil japoneses com suas bombas atômicas. 

         No que parecia ser o ocaso da Guerra Fria, na passagem do dia 9 para o dia 10 de novembro de 1989, quando se deu a queda do Muro de Berlim, o qual desde 1961 separava fisicamente a Alemanha em dois países; a República Democrática Alemã, de influencia norte-americana e aliados e da Alemanha Oriental, sob influência soviética. A reunificação da Alemanha foi um freio para o avanço econômico da República Democrática Alemã, que duraria ao menos 10 anos. Assim, o bloco de influência soviética na Europa Oriental foi se rompendo. Em 2 de agosto de 1990, as forças armadas iraquianas invadiram o Kuwait, ambicionando ter uma saída marítima para o Golfo Pérsico para escoar sua produção de petróleo, recordando que o Irã e o Kuwait surgiram como países após o desmonte do Império Otomano de forma açodada, e ambos países eram produtores de petróleo. Logo os Estados Unidos enviaram suas tropas para proteger o Kuwait e lutaram contra o Iraque, que fora seu antigo aliado contra o Irã. Em resumo, a guerra durou até 28 de fevereiro de 1991, com vitoria para os Estados Unidos e aliados, resultado que colocou os EUA no lugar que sempre ambicionou, no topo do mundo. Em seguida com uma série de conspirações e lances sórdidos os Estados Unidos finalmente deram o xeque-mate na União Soviética, que em 8 de novembro de 1991 deixou de existir. Anunciou-se o fim de 46 anos de Guerra Fria, o filósofo e economista político nipo-americano Francis Fukuyama (1952, Chicago, EUA), publicou em 1992 seu livro “The End of History and The Last Man”, aventando que o advento da Democracia Liberal ocidental seria o ponto final da evolução humana e colocando em prática uma teoria do filósofo alemão que influenciou Nietzche, Georg Wilhelm Friedrich Hegel (1770 -1831), sobre o Fim da História, ou seja que com o fim da Guerra Fria e a vitória da Democracia Liberal era o fim da História. Bom, este não foi o desejado ponto final, mas apenas um um ponto-virgula para a continuidade de uma disputa violenta que teria lances assustadores e tenebrosos em pouquíssimo tempo, sacudindo o mundo e a civilização contemporânea, que seria vitima de ações terroristas nunca antes imagináveis. 

         Em verdade as duas grandes guerras da primeira metade do século XX eram apenas uma continuidade da outra, e esta mesma guerra seguiu na surdina e sem alarde atravessando a segunda metade do século chegando ao século XXI. Com a queda da União Soviética, a Russia se transformou numa república capitalista, mas muito longe de ser democrática, logo a máfia russa expandiu sua rede de poder, não só pelo território russo, mas por toda Europa chegando às Américas. Muitos países europeu abriram suas portas para o dinheiro russo, do mesmo modo que já o faziam para o dinheiro do Oriente Médio, a corrupção como uma praga fungicida estendeu-se tomando os governos de todos os países do mundo, e nenhum deles escapou desse mal, fosse qual fosse o sistema de governo adotado. A União Européia foi oficializada em 7 de fevereiro de 1992, compromisso assentando no Tratado de Maastricht, em que a maioria dos países aderiram a uma moeda única, e pela primeira vez a Europa teve finalmente uma homogenia, aquela que Maximiliano Habsburgo imaginou que seria possível, mas afinal não foi preciso muitos casamentos reais para isso, apenas o desejo de sobrevivência frente ao domínio global crescente norte-americano. 

        A União Européia formou assim um bloco econômico de enfrentamento a ambição imperialista dos Estados Unidos após a queda da União Soviética, o que há de convir não foi do gosto dos norte-americanos. A partir da desintegração territorial da União Soviética em 1991, no ano seguinte apesar da politica de choque econômico implementada pelo novo Estado Russo com a introdução do capitalismo de mercado, não foi possível evitar o desastre, que se tornou fato com a falência de milhares de empresas russas e o consequente desemprego em massa, causando um aumento exponencial da violência urbana. Foi um tempo de profunda turbulência econômica que levou o país a uma recessão. Surgiram guerras como a da Bósnia em 1992 e da Chechênia em 1994. A situação caótica da Russia logo afetaria também o mercado asiático, sendo causa da Crise Financeira Asiática de 1997, em agosto de 1998 a própria Rússia entraria em Crise, declarando moratória, que deveria durar apenas 90 dias mas se estendeu até o fim de 1999. A Crise Russa levou à eleição de Vladimir Putin (1952, São Petersburgo, URSS), que iniciou o processo de reorganização do Estado Russo, e promoveu a recuperação econômica russa mantendo um ritmo de crescimento econômico acelerado, de modo que entre 2000 e 2008, o Produto Interno cresceu algo em torno de 7% ao ano. 

         Por sua vez a República Popular da China, que se tornara o maior país comunista do mundo após o fim da URSS, deu inicio na década de 1990 a um processo de inserção de sua economia no sistema econômico de globalização nascente. A China passou a ganhar cada vez mais destaque com seu empreendedorismo em que o Estado chinês passou a criar parcerias multinacionais a fim de criar novos projetos e produtos com base tecnológica, gerando ganhos para a qualificação de mão de obra chinesa e conhecimento cientifico, investindo pesado num programa de melhoria do sistema educacional, em diferentes níveis. O que faria com que a economia chinesa avançasse a passos largos para o domínio da economia global, ocupando um posto inquestionável de liderança, graças as suas parcerias com grandes empresas ocidentais, oferecendo mão de obra barata e bem qualificada e contratos com cobrança de baixos impostos, enquanto adquiria direito a patentes de tecnologia em várias áreas de produção, através de “Joint Venture” com as empresas estrangeiras e criando Zonas Econômicas Especiais (ZZE’s) em seu vasto território. De modo que ao final da década de 1990 a China tornou-se o maior receptor de investimentos estrangeiros em todo o mundo. 

        Assim não demorou para Russia, China e India se tornarem partners e grandes influencers econômicos na economia global, especialmente em relação a economia Ocidental, grande consumidora de suas produções. Na entrada do século XXI havia uma promessa de um grande avanço capaz de harmonizar e equilibrar o mundo num processo de tolerância nas relações humanas e diminuir as diferenças sociais e culturais. A radiotransmissão teve grande evolução com os aparelhos radiodifusores de imagens a partir de 1946: as televisões, capazes de promover grandes mudanças comportamentais em massa, trazendo uma incontida revolução cultural, derrubando velhos conceitos e formando uma sociedade de “consumidores” ávidos de prazeres, que não estariam ao alcance de todos, elevando o nível de insatisfação pessoal, egocentrismo e cobiça. Porquanto, aqueles que nada tinham passaram a ver e a testemunhar o cotidiano daqueles que tudo tinham. Então, em razão das grandiosas diferenças sociais que separavam as pessoas, a maldade cresceu descontroladamente alimentada pelo mais antigo sentimento humano: a inveja. O ovo do monstro Leviatã da Cultura do Ódio começou a ser chocado. 

        Os primeiros sinais de alarme apareceram com o surgimento do neo-nazismo europeu e norte-americano, a formação silenciosa de uma ultra-direita xenófoba e avessa a aceitação de diferenças culturais, ao mesmo tempo que crescia a ortodoxia religiosa em todas religiões abraâmicas, querendo cada uma estar mais certa do que a outra, adotando um comportamento extremista e de violência, o qual terá seu momento apoteótico no ataque terrorista islâmico às Torres Gêmeas em Nova York e ao Pentágono em Washington nos Estados Unidos, na data fatídica de 11 de setembro de 1999, com cenas dramáticas transmitidas pelos canais de televisões do mundo todo. Foi o maior choque de realidade desde o lançamentos das bombas atômicas no Japão. 

         O que passou a ocorrer a partir daquela tragédia assombrosa naquela manhã azul e tranquila de New York, com aviões de passageiros de grande porte da American Airlines sendo lançados como armas bombásticas por terroristas islâmicos, para chocarem-se e contra as Torres Gêmeas anunciou que qualquer pensamento de pacificação da Humanidade seria impossível. dado ao crescente sentimento de xenofobia e descriminação racial. Pode-se dizer que se vive desde então sob um estado de opressão, com os direitos civis desrespeitados e perda da privacidade, com a submissão a um Estado Vigilante, tipo Big Brother, pois a guerra do Ocidente ao Terrorismo de extremistas islâmicos deu um poder imenso aos Estados para controlarem suas populações. Os anos de ferro da espionagem durante a Guerra Fria foram retomados e a liberdade individual ficou por um fio. O conceito de “vida normal” foi deixado para trás. Mas, frente a desolação só resta seguir em frente. Foi isso que a maioria das pessoas fez, seguiu em frente, alienada sem pensar muito no amanhã.
        Foi neste momento trágico que passou a entrar na vida das pessoas como instrumentos de comunicação o computador pessoal, o PC, desenvolvido a partir de 1979 por grandes empresas norte-americanas como a IBM, Microsoft e Apple. Esta máquina provida de Inteligência Artificial (IA) chegou aos consumidores do mundo no inicio do século XXI, revolucionando os sistemas de comunicações existentes, pois o sistema de integração dos computadores à uma rede chamada Internet permitia a troca de informações, que em 1993 realizava apenas 1% do fluxo de informações, em 2000 este valor tinha aumentado para 51% através de duas vias de telecomunicações, em 2007, mais de 97% de todas informações telecomunicadas foi realizada através da rede mundial de Internet. Em 2004, surgiram as redes sociais e com elas cada vez mais as pessoas se tornaram conectadas, e o excesso de comunicação entre as pessoas começou a ser causa não só de mudanças comportamentais, mas principalmente psicológica, causando nas pessoas um estado de constante estresse com exigências cada vez maiores de adequação a um mundo que mudava não mais em décadas, nem em anos, mas em dias. 

         Em meio a um estado de estresse psicológico, os bancos vendiam o lindo sonho de consumo, da “casa própria” para a grande massa, que se endividava de todos os modos, fosse com hipotecas para residências a veículos de último tipo, ou fosse para empréstimos estudantis, ou fosse para consumir muito além do que se poderia pagar, em resumo em 2008, os bancos fizeram fortunas com investimentos inexistentes e cobraram juros exorbitantes que em conjunto causaram a Crise de 2008, que jogou o capitalismo ocidental de boca no chão e quebrando todos os dentes. Pessoas pelo mundo todo perderam não só tudo o que tinham, como também perderam a esperança. E sem esperança fica difícil de seguir em frente. 

         É neste cenário monstruoso de desolação que uma nova máquina surgiu. Uma máquina capaz de que colocar um antes e um depois nas relações humanas. Como mencionei antes, desde o final da década de 1990 o avanço da tecnologia computadorizada aliada a inteligência artificial vinham promovendo já grandes transformações, mas foi a partir de 2003 que se tornou mais acessível a um número maior de pessoas. Em 2004, na Universidade de Harvard, Cambridge, Massachussetts (EUA), surgiu uma rede social que faria o rudimentar Orkut ser esquecido, o Facebook, era o inicio de um novo tempo que se consagraria com a nova tecnologia de celulares, o smartphones, mais precisamente com o lançamento do primeiro iPhone em 9 de novembro de 2007, fabricado pela Apple do visionário norte-americano Steven Paul Jobs (1955 - 2011). O iPhone foi lançado mundialmente em 11 de julho de 2008 e até janeiro de 2009 foram vendidos quatro milhões de iPhones 3G. Esse tipo de celular era um mini computador que cabia na palma da mão, e tinha a capacidade de tornar todo mundo “conectado” instantaneamente de várias maneiras, a ponto de ninguém poder mais viver sem ele por todo o tempo. A comunicação sofreu uma revolução nunca antes vista ou imaginada. Do mesmo modo que o primeiro tiro de uma arma de fogo deu o poder aos humanos para matar a distancia, um smartphone deu o poder de atingir o cérebro de uma pessoa sem nem a conhecer a milhares de quilômetros de distância, a viciando e a tornando dependente da intrusa opinião alheia, acabando com toda e qualquer privacidade, até do próprio pensamento, pois basta apenas poucos sinais de interação, como uns dez likes (gosto) nas redes sociais para que os algoritmos da Inteligência Artificial das plataformas de comunicação saberem mais de uma pessoa do que ela mesma. 

        As pessoas não se deram conta, acharam que era apenas uma diversão, mas nem perceberam que estavam sendo transformadas em produtos de consumo, tendo o seu valor medido por sinais positivos de aprovação como ao tempo dos Césares romanos no Coliseu, a decidir a sorte da vida de quem estivesse na arena. O numero descomunal de seguidores pode dar aos escolhidos o titulo de “influencer” e agregar um falso valor profissional, que se traduz em dinheiro fácil pago por patrocinadores, angariando fama e celebridade a estas pessoas vaidosas, que do mesmo modo que podem ser elevadas a uma fama instantânea podem ser levadas ao ostracismo conforme o desejo dos algoritmos da Inteligência Artificial, criando um mundo ilusório em que a realidade podia ser questionável e produzida ao prazer dos programadores da AI. 

         Todavia, não demorou que os smartphones fossem usados como armas, que seriam capazes de grandes malefícios, pois através desta comunicação fácil era possível sublevar populações inteiras, como aconteceu na Primavera Árabe, um movimento que atingiu vários países islâmicos com o primeiro levante em dezembro de 2010 e foi considerado falsamente encerrado em dezembro de 2012, e resultou que países islâmicos do norte da África e do Oriente Médio foram jogados num estado de profunda pobreza em razão de revoluções civis contra ditaduras amplamente apoiadas anteriormente pela política da Guerra Fria norte-americana e de seus aliados europeus. A pior das consequências foi o processo imigratório, com suas ondas de imigrantes indesejados vindos da costa africana atravessando o mar Mediterrâneo em busca da própria sobrevivência nos países europeus, que formularam políticas públicas a fim de impedir a entrada de imigrantes ou contê-los em áreas restritas dos campos de imigração, um problema que se alastra e continua até os dias presentes. Mas, a experiência desastrosa da Primavera Árabe parece não ter ensinado nada. 

        Com a facilidade de comunicação e o acesso descontrolado através de redes sociais tornou-se fácil cooptar jovens ocidentais para aderirem às causas terroristas de extremistas islâmicos e promover as infiltrações terroristas nos países europeus e nos Estados Unidos. As células terroristas, de traficantes de armas, drogas, tráfico humano e tráfico de órgãos humanos fizeram do mundo civilizado de alta tecnologia um mundo tenebroso comandado por máfias de países poderosos, como foi o caso da temida “máfia russa”, que instalou a sua capital em Londres, passando a ter domínio no submundo político do Reino Unido. Então, não foi de espantar quando o Reino Unido se retirou da União Européia, em 31 de janeiro de 2020, havia muitos interesses ulteriores que jamais poderiam, podem ou poderão ser revelados, pois o que se vê é apenas o que querem que vejamos, o resto está na darknet, a Internet do submundo criminoso.

         Com a nova tecnologia de comunicação a verdade foi misturada a mentira de tal modo que a única verdade que se pode confiar é aquela que está dentro de cada um, tornando quase impossível a relação de confiança e minando o Estado Democrático de Direito. A idéia de que o mundo se tornara uma ameaçadora Torre de Babel bíblica, levou a pensar que algo de ruim poderia vir disso. Em dezembro de 2019, a China anunciou que mais um perigoso coronavírus tinha sido identificado causando uma infecção nas vias respiratórias difícil de ser controlada com medicamentos conhecidos, ninguém deu muita importância. Quando a China construiu uma tenda hospitalar gigantesca e colocou em quarentena dentro de suas residências toda a população da cidade onde o vírus fora identificado, muita gente achou que era drama. Mas, em março de 2020 o vírus já tinha se espalhado por vários países do mundo e causando pânico nas pessoas, mais ainda quando se anunciou uma Pandemia, que infectou até março de 2023 o número de 675.860.881 pessoas e causou a morte de outras 6.876.867, num universo de 8 bilhões de pessoas da população mundial, não parece ter muito significativo, mas foi o motivo para os Estados, que já tinham sido empoderados com a Guerra ao Terrorismo, pudessem adquirir ainda mais poder sobre as liberdades civis de seus cidadãos, de sorte que o fim gradual da Pandemia, chegaria em meados de 2022 e as populações começaram a recuperar seus direitos.

    A Pandemia favoreceu em muitos lugares o crescimento da extrema-direita, que veio a resultar em cenas impensáveis, como o episódio da Invasão do Capitólio, sede do Congresso Norte-Americano em Washington, em 6 de janeiro de 2021, por uma horda bárbara de norte-americanos insatisfeitos com a eleição do novo presidente do partido Democrático, depredando uma das instituições democráticas mais importantes não só dos Estados Unidos da América, mas do mundo. A exemplo do ocorrido nos Estados Unidos, no dia 8 de janeiros de 2023, terroristas da extrema-direita brasileira também invadiram e delapidaram os três prédios símbolos da democracia brasileira: O Palácio do Planalto do Poder Executivo, o Congresso Nacional do Poder Legislativo e o Supremo Tribunal Federal do Poder Judiciário. Demonstrando que a democracia estava em perigo não só nestes países, mas em todas democracias ocidentais. E, tais eventos, só foram possíveis de acontecerem na realidade graças ao “smartphone” e sua capacidade de enviar noticias, nem sempre verdadeiras, conectar pessoas e inflamar o ânimo delas a ponto de tornarem-se violentas. As propagandas de influencers fariam inveja ao propagandista nazista Goebbles, por promover a Cultura do Ódio com inegável eficiência e de maneira efetiva, produzindo os resultados desejados e duradouros. Pois o ser humano deste milênio tem uma necessidade descomunal de se sentir aprovado, ter a sensação de pertencer a um grupo de poder, de se sentir mais importante que a importância que realmente tem, e se não for atendido em seu desejo de vaidade, sua reação será a mesma de uma besta destruidora e desejosa de sangue como o Leviatã que tanto em suas origens temia. 

         Pois bem, foi em 24 de fevereiro de 2022, pouco depois que a situação da Pandemia da Covid-!9 ter dado um alívio, que Vladmir Putin, o poderoso governante russo, não achou nada melhor do que dar continuidade a invasão da Ucrânia que tinha chegado a um armistício em 2014 e recomeçar a guerra. A razão principal é a de sempre, fronteiras mal estabelecidas após a Segunda Guerra Mundial e também após a dissolução da União Soviética, em 1991, quando os Estados Unidos e seus aliados europeus resolveram patrocinar a independência de vários territórios soviéticos com base no principio de “autodeterminação dos povos” que confere aos povos o direito de autogoverno e de decidirem livremente a sua situação política, bem como aos Estados o direito de defender a sua existência e condição independente. Um principio constante da Carta do Atlântico aprovada e assinada em 1941 por Estados Unidos e Grã-Bretanha, e depois assinada em 1942 pelos aliados, e que em 1945 foi ratificada por 26 Nações ao assinarem as diretrizes da Declaração das Nações Unidas, vindo ao fim da Segunda Guerra Mundial a tornar-se um direito dentro dos âmbitos diplomáticos. Com base neste principio de 1946 a 1960, surgiram trinta e sete países novos, oriundos de antigas colônias no continente asiático, no Oriente Médio e na África. Nos anos seguintes até hoje a questão de territorialidade inevitavelmente causa ainda mais conflitos e movimentos de independência dentro de muitas nações tradicionalmente estabelecidas, e, também, surgem contestações a esta afirmação, a reivindicar que a integridade territorial seja tão importante quanto a autodeterminação. No caso da Ucrânia, a Nação foi declarada independente da União Soviética em 24 de agosto de 1991 e teve seu reconhecimento em 25 de dezembro de 1991. Portanto, é uma situação recente. Esperava-se que a Guerra terminasse em pouco tempo, mas tem se estendido por mais de um ano em razão do forte apoio armamentista que a Ucrânia tem recebido dos Estados Unidos, Grã-Bretanha e aliados que se opuseram a ambição russa de retomar a a faixa territorial da costa do Mar de Azov. Fato é, que ao dizer-se, que é uma ameaça de uma Terceira Guerra Mundial, na verdade não passa de apenas um arranjo diplomático para evitar dizer que a Guerra continua, e que o mundo está em Guerra há mais de cem anos com níveis distintos de belicosidade. 

         Não há quem não se admire ao contemplar o período histórico que se iniciou no século XIX e chega ao século XXI trazendo imensas transformações na civilização humana. No que diz respeito a apenas esse um quarto do século XXI que em breve se completa, pode-se dizer que a humanidade alcançou um nível de evolução tecnológica surpreendente, a História trás vestígios que é possível que em milênios passados um nível até superior de tecnologia pode ter existido, mas não existem provas disto, já que só nos restam ruínas das civilizações passadas e há muitos lugares no mundo que os arqueólogos contemporâneos nem ao menos conseguem ter acesso para averiguar, quando não, os povos de extremismo islâmico praticam o vandalismos de sítios histórico, destruindo edificações da antiguidade preciosas e as evidências históricas que poderiam oferecer para elucidar o passado da Humanidade, do qual ainda sabemos tão pouco. Não sabemos, portanto, onde nossos ancestrais erraram para terem sido destruídos e varridos da face da terra, e por não termos estas informações vitais, nós corremos o mesmo risco de termos a nossa civilização contemporânea destruída, também, em um piscar de olhos. Não estamos atentos para a ameaça crescente que o mundo eletrificado e industrializado pode trazer à Natureza, e a cada dia testemunhamos a força poderosa de extremos climático e o poder de destruição que os acompanha. 

         “O homem que não se conheça tal como é, é lobo para o homem” de autoria do dramaturgo romano Titus Maccius Plautus (254 a.C. - 184 a.C.) ganhou popularidade como “O homem é o lobo do homem” ao ser introduzida na obra “Leviatã” (reflexão sobre o monstro mencionado nos textos bíblicos do Livro de Jó, cap. 41, e no Livro de Isaías, cap. 27) pela pena de Thomas Hobbes (1588 - 1679), o grande matemático, teórico politico e filósofo inglês, cuja a leitura é imprescindível para a compreensão da natureza humana. Segundo Hobbes, o ser humano não é livre de nascença, pois só se é livre quando se tem a capacidade de avaliar as consequências, boas ou más, das próprias escolhas e ações. Prova-se hoje mais do que nunca que Hobbes estava certo, que o homem tal como um lobo é um predador feroz, perigoso e agressivo. A violência humana é impar na Natureza, nenhum outro ser vivo se iguala a sua ferocidade e seu desejo de domínio tanto sobre a própria Natureza como em relação aos seus semelhantes. Se não existissem os limites da Lei, do Estado e das Instituições, incluo nisto as instituições de cunho religioso, se nada limitasse essa ferocidade humana e pudesse esse ser viver em liberdade absoluta, ele estaria dominado por sua natureza violenta e destruidora, seria o Leviatã ou o Anticristo. Só através de um “contrato social” é possível ao ser humano viver em uma sociedade, todavia quando se desrespeita esse contrato e sua Lei não é mais obedecida caminha-se para uma sociedade bárbara, sujeita apenas à lei do mais forte. 

         Desde a invasão do Capitólio, em 6 de janeiro de 2021, ocorrida nos Estados Unidos, nós temos assistido uma campanha sem trégua para a falência do Estado Democrático de Direito e o desmoronamento da estrutura social através do emprego da Cultura do Ódio, divulgada sem limites através das redes sociais e outros meios de comunicação, passando a sensação que existe uma guerra de todos contra todos. Todavia, é obrigação investigar a maneira que os movimentos de violência e de vandalismo estão conseguindo atravessar o forte sistema de segurança de câmeras de vigilância utilizado para o policiamento e controle social que tem sido estabelecido nas últimas décadas em todas capitais e metrópoles do mundo ocidental, e, também, como estão sendo ludibriadas as agências de espionagem extremamente capacitadas tecnologicamente patrocinadas com altos investimentos governamentais desde o ataque terrorista de 11 de setembro de 2001, agências estas encarregadas de recolher informações pessoais de todos os indivíduos do planeta que se conectassem via Internet, até mesmo com direito a invadir a privacidade de qualquer um que queiram para obter informações, e mesmo vigiar os cidadãos das democracias ocidentais em seus lares e trabalhos, com o intuito de garantir um ambiente seguro para os cidadãos viverem. Um ambiente seguro que só existe em teoria e não na vida real. 

        Como esta falta de informação sensível de inteligência foi possível para que o sistema de segurança do Estado mais poderoso do mundo fosse abalado e vandalizado por seus próprios cidadãos? A mesma pergunta cabe ao recente evento de vandalismo inspirado no ataque ao Capitólio que ocorreu de maneira brutal e assustadora na capital do Brasil. Como isto pode acontecer? No Brasil está cada vez mais comprovada a colaboração das Forças Armadas e da Polícia responsável pelo Distrito Federal, assim como das agências de informações e de inteligência (espionagem). Ora, se quem tem a obrigação constitucional de zelar pela lei e a ordem conspira para o esfacelamento do Estado Democrático de Direito, os cidadãos de modo geral estão sendo ameaçados e coagidos pela fragilidade organizacional do Estado. Mas, é inegável que toda essa situação caótica que se alastra pelo mundo se deve tão apenas a um excesso de comunicação por pessoas sem capacidade de discernir entre o que é certo e errado, entre o que verdade e é mentira e estão tomadas por um egocentrismo inato que as impedem de entrar em harmonia com a Realidade Absoluta, como bem ponderou o historiador inglês Arnold Toynbee em sua obra “A Religião e a História” (Oxford, 1960). 

        Nestes dias li um artigo que teve o mérito de consolar-me e não me fazer sentir tão só em meio a tanta insensatez. O renomado jornalista brasileiro Fernando Gabeira (1941, Juiz de Fora, MG), publicou no O Globo em 20 de janeiro de 2023, seu artigo intitulado “Fake news e Solidão”, e inicia dizendo “Uma das causas profundas da crise democrática é a naturalidade com que se usou o termo realidade alternativa. Refiro-me a governos, não apenas indivíduos. (…) Colin Powell foi à ONU, em fevereiro de 2003, e apresentou uma série de armas de destruição em massa do Iraque. Tudo fake news. A Rússia começou com a “dezinformatsiya”, termo cunhado pela KGB (agência de inteligência soviética). Depois introduziu a “maskirovka”, uma forma de iludir. Hoje tem métodos mais sofisticados, como o controle reflexivo (upravlenie), que consiste em disseminar noticias que forcem o adversário a tomar como racional uma decisão que interessa aos próprios russos”. Segue Gabeira em seu raciocínio no próximo parágrafo; “A Internet com suas bolhas e rapidez de propagação, acabou consagrando o mundo da pós-verdade.” Neste mundo de pós-verdade exalta-se a mentira transvestida de verdade e condena-se a verdade nua crua, de forma que a mentira misturada com a verdade leva à perda de confiança, pois como bem diz Gabeira: “Apenas um mundo de teorias conspiratórias, sem base real compartilhada é um espaço hostil a qualquer relação de confiança”. Ou seja, a sociedade sem o compartilhamento mínimo de fatos de senso comum, está fadada ao caos. 

        Tal como eu, Gabeira nestes dias andou pensando muito em Nietzsche, e sobre ele comentou no artigo: ”O grande filósofo moderno Nietzsche, ao afirmar que Deus estava morto, acreditava sinceramente que caminhávamos para uma liberdade maior, livres da mortificação e culpa impostas pela religião. Mas a liberdade de criar seus próprios padrões morais era vista por ele também como nomadismo, uma distância da sociedade, enfim, uma solidão olímpica de homem superior. Ao combater a metafísica, acabou se abraçando a ele. O resultado é também uma profunda solidão.” Mas, no âmago de todo este mundo contemporâneo está a angustia de se viver uma existência que não é sua, uma representação de si mesmo nas redes sociais, e evita-se conhecer a si mesmo com medo de que o frágil laço que nos une a sociedade desapareça, porque para conhecer a verdade primeiro é preciso ver a ilusão, mas o mundo novo construído brilha de tal maneira radiante que cega os olhos de quem olha para ele por tempo em demasia. Ou seja, a ilusão, a mentira transvestida, tornou as pessoas tão cegas que elas não conseguem nem mais ver a mais simples verdade ditada pelo bom senso; que a Terra gira em torno do sol ou que dois mais dois é quatro.

         Acrescento ainda mais uma necessária reflexão sobre estes assombrosos acontecimentos terroristas contra o Estado de Direito Democrático, tão arduamente conquistado anteriormente por mais de dois séculos. É possível constatar nestes lamentáveis eventos a tentativa de esgarçamento do tecido social fruto do trabalho constante de gerações de tecelões de todos os tempos, como se romper o atual tecido social pudesse criar uma nova realidade nos moldes da Cultura do Ódio e isto libertasse o ser humano de seu compromisso moral com a civilidade presente democrática, quando em verdade, o rompimento desse tecido social seria o fim da civilização tal como a conhecemos, abrindo o caminho para um tempo de suprema estupidez e ignorância humana, um retorno à barbarie. 

         Quando jovem, eu era apaixonada pelas obras de ficção cientifica do russo-americano Isaac Asimov (1920, Petrovich, União Soviética - 1992, New York, EUA) e do norte-americano Ray Douglas Bradbury (1920, Waukegan, Illinois - 2012 Los Angeles, Califórnia). O primeiro alimentou a minha curiosidade sobre inteligência artificial e robótica com sua obra master “Eu, o Robô” (1950), já o segundo preparou meu espírito para um futuro desolador, e um destino apocalíptico quase inevitável com suas obra “Fahrenheit 451” (1953) e depois com “The Illustrated Man” (1951). No Brasil, em tempo de ditadura militar patrocinada pelos EUA durante a Guerra Fria e pairando a ameaça de uma bomba atômica prestes a cair a qualquer momento na cabeça, ficava difícil acreditar num futuro cor-de-rosa, tal como vejo os jovens crescidos após a Guerra Fria com uma vida escrita e vivida segundo as normas que levam ao sucesso idealizado. O dar-tudo-certo parece ser apenas o caso de um bom planejamento e de ter o respaldo das pessoas certas, de tal forma que ao lado dessa geração de “super-humanos” o resto dos mortais como eu pertencem ao status dos fracassados, a classe dos “normais”. 

         No ano de 1946, o advogado australiano Roland Berrill e o jurisconsulto e cientista inglês Lancelot Ware, inspirados na onda do Super-Homem de Nietzche, fundaram na Inglaterra a “Mensa”, que em latim quer dizer “mesa” evocando a idéia da távola redonda do Rei Arthur onde sentados à mesa todos seriam iguais, ou melhor, simbolizando uma “união entre iguais”. Iguais em quê? Em inteligência. Eles tiveram a idéia da criação de uma sociedade não-política livre de todas as distinções raciais ou religiosas. Já vimos isto antes, não é? A sociedade dá boas vindas a todas as pessoas, independente de suas origens, mas que sejam pessoas brilhantes, com alto QI (Quociente de Inteligência) acima de 98% segundo os testes da própria Mensa. Atualmente a Mensa tem mais de cem mil membros no mundo, sendo cinqüenta mil nos Estados Unidos. A Mensa Brasil foi instalada em 2002, com sede oficial em São Paulo e sucursal no Rio de Janeiro e atualmente conta com 1.800 membros “brilhantes”. Asimov foi membro e vice-presidente por muito tempo da Mensa, ainda que com relutância e descrevia os colegas “brilhantes” como “intelectualmente combalidos”, exercia com mais prazer a presidência da Associação Humanista Americana (AHA), uma organização educacional norte-americana fundada em 1941, que promove o “Humanismo”, uma filosofia de vida progressiva, que afirma a capacidade e a responsabilidade do ser humano levar uma vida pessoal de realização ética que aspire o bem maior da humanidade. Naturalmente, tal como Asimov também sou adepta da filosofia humanista, apesar de nos últimos tempos já não sinta mais a mesma convicção da juventude e nem mesmo pretenda mais mudar um mundo que não deseja ser mudado. Nos últimos tempos penso que se eu conseguir apenas seguir em frente já está ótimo, pois me sinto uma pessoa “normal”, do tipo que tentou muitas coisas, fracassou em todas e descobriu que o caminho para o inferno está pavimentado de boas intenções como bem concluiu Marx, e que querendo fazer o bem, corre-se sempre o risco de ser mal compreendido e fazer da própria vida um inferno. 

         Nestes dias turbulentos e tenebrosos, em que a esperança só pode existir para quem tem Fë em algum “teísmo” sobrenatural, como a existência de uma inteligência superior, a qual chamamos de DEUS, não vejo como a aventura do ser humano criar uma “coisa” a sua própria imagem e semelhança pode acabar bem no futuro. Por mais brilhantes que sejam as mentes que estão trabalhando para a Microsoft, para o Google, para a Meta e para Apple, as experiências recentes com seus Chatbots, programas de computador que tenta simular um ser humano na conversação com as pessoas, com o objetivo de dar impressão ao interlocutor humano que está falando com uma pessoa e não com uma “coisa”, ou seja, um programa de computador. Para quem está familiarizado com o uso da Inteligência Artificial desde o surgimento dos smartphones, não é tarefa fácil, pois os bots já estão ativos nas redes sociais e os seus algoritmos há muito tempo mais, e existem exércitos deles trabalhando para a Cultura do Ódio, são eles que impedem o uso das palavras “mamilos”, “paz”, “Deus”, “Jesus” e outras, vigiando o que os internautas postam e, até, eles chegam a entrar numa “discussão”, para testarem suas capacidades ilusórias. Infelizmente, está cheio de pessoas inocentes que acreditam piamente que a “coisa” é uma pessoa, que doido é quem diz que não. Nisto tudo, são as crianças os maiores alvos e também as maiores vitimas, e não há uma forma de deter a subversão crescente. Até agora eu não vi uma “mente brilhante” levantar a sua voz para dar um grito de alerta e impedir que se continue a caminhar para o precipício, afinal fortunas estão sendo feitas com tudo isso. A sociedade contemporânea pode ser a mais rica que já existiu, com mais bens materiais, com tecnologia superior, com o maior avanço cientifico possível, capaz de ir à Lua e planejar a invasão de Marte, mas nunca se viu na face da Terra tanta desigualdade, tanta pobreza, tanta desumanidade. Alguns se deslumbram com o que parece ser um mundo “brilhante”, mas estão ofuscados e cegos pela própria luz de seu egoísmo. 

        Vivemos um tempo tão tenebroso, que como profetizou Jesus (Mateus, 24), que se não forem abreviados pela misericórdia de Deus estes dias, ninguém sobreviverá. Nós vivemos planejando um futuro que está para chegar, deixamos de viver o “agora” e dar valor ao que importa, estamos nos perdendo embriagados do cálice de paixões das nossas ambições, a ponto que não conseguimos prestar mais atenção aos sinais do destino e nem aceitar quando Deus em sua sabedoria incomensurável nos diz “NÃO”. Queira o ser humano ou não, ele não decide nada, quem decide e sempre decidiu foi DEUS, mesmo quem não acredita na hora do terror e da morte clama por Ele. Que bastasse ao incrédulo vislumbrar por uma vez que fosse o Universo e ter consciência da sua própria insignificância, do pouco valor da sua vidinha que pode ser finita num instante, quem dera houvesse mais humildade e menos arrogância, quem dera toda pessoa pudesse dominar seu egocentrismo e ser capaz de olhar o mundo com misericórdia e compreender que Deus é capaz de provocar um abalo mais violento do que a sua pueril imaginação possa conceber.

         Enquanto o ser humano é conduzido pela imaginação de sua história, pode mergulhar nela, como se mergulhasse num lago. Sonha, mas não consegue acordar, isto é ilusão, uma vida sonhada. Mas, um dia, sem aviso prévio, pode-se dar o despertar. Então se emerge do lago e finalmente se começa a viver a Realidade Absoluta. Não importa se o preço a se pagar será a solidão de um eremita, mas a sensação de contentamento de se estar vivo plenamente é muito mais gratificante do que ser um morto-vivo em meio a zumbis. Que o despertar da ilusão não seja mais uma ilusão, mas a fé e a esperança de um mundo melhor não só para si mas para todos os seres vivos. 

         Quando o escritor britânico Charles Dickens (1812 - 1870) escreveu em 1859 a introdução para o seu romance de ficção histórica “A tale of Two Cities” (Um Conto de Duas Cidades), nunca imaginou que escreveria a melhor abertura de um romance já escrita em todos os tempos. A qual aqui transcrevo para encerramento deste meu longo pensar e reflexão sobre o antes, o agora e o depois de um tempo que dobra sobre si mesmo e já se finda, e nada mais é. 

         “Foi o melhor dos tempos, foi o pior dos tempos; a era da sabedoria, a era da tolice, a época da crença, a época da incredulidade; a estação da Luz, a estação das Trevas; a primavera da esperança, o inverno do desespero; tínhamos tudo diante de nós; íamos todos direto para o Céu, íamos todos para o lado oposto – em suma, era um período tão semelhante ao atual, que algumas de suas autoridades mais barulhentas insistiam que fosse recebido, para o bem ou para mal, apenas no grau superlativo da comparação.”
                                     DEUS MISEREATUR NOSTRI, QUIA NESCIMUS QUID FACIMUS 
                                           (Deus tenha piedade de nós, pois não sabemos o que fazemos.)

sábado, 14 de janeiro de 2017

XIX - JACOB FUGGER E O GLAMOUR DOS HABSBURG

XIX - JACOB FUGGER E O GLAMOUR DOS HABSBURG

Em seu tempo Jacob Fugger conseguiu o feito de sair da platéia para as sombras dos bastidores da vida e finalmente ter um papel sob os holofotes do palco do mundo, como nunca antes o fizera um “plebeu burguês”, um “não-nobre”. Na medida em que a nova filosofia humanista granjeava mais adeptos entre os europeus, a idéia de que uma pessoa, não nascida propriamente no tal berço de ouro da nobreza, poderia galgar uma posição social respeitável e de influência ganhava cada vez mais seguidores entre os poderosos e ricos mercadores, que estavam a formar uma nova classe social dos chamados “burgueses”, habitantes dos “burgos”, vilarejos e cidades comerciais. Assim, a ascensão social foi deixando de ser uma condição de nascimento para ser uma condição de mérito pessoal.

Anteriormente, a elite patrícia do Império Romano deixara para trás o seu passado republicano democrático exercido pelo poder senatorial e passara a favorecer o governo militar de seus generais eleitos como Césares, que passaram a contar a partir de Octávio Augusto com um suspeito ‘poder divino”. A elite patrícia romana logo veio a perder seu “status quo” quando a cidadania romana foi estendida para todos habitantes do vasto império romano, com o intuito de aplacar os clamores de descontentamento das suas colônias. Com o crescente empoderamento dos bárbaros, os patrícios viram por bem atribuir-lhes títulos de “nobreza” que quase sempre vinha acompanhado com glebas de terras proporcionais à contribuição que poderiam fazer ao novo Estado Romano, instituindo assim os graus de vassalagem.  Os títulos de nobreza foram amplamente usados após o período de cristianização do Império Romano e foi essa uma estratégia política de grande sucesso em face da formação da nova sociedade romana-cristã na Europa. A distribuição de títulos de nobreza entre os lideres bárbaros em troca de suas conversões ao cristianismo assegurava que fossem vassalos à Roma. Tal “título de nobreza” também tinha o poder de revestir com um caráter de dádiva divina o seu possuidor, capaz de o integrar a uma casta de “homens superiores”,  separando por poder divino os homens em senhores, servos e escravos, sendo que a escravatura  desde os mais remotos tempos da Humanidade sempre fez parte da cultura humana milenar, atravessando os tempos chegou à atualidade com base na subjugação de um ser humano por outro ser humano. 

A filosofia humanista não só deu origem a uma nova cultura renascentista como também começou a estabelecer gradativamente uma numa nova ordem social. Quem antes era apenas um reles “plebeu-servo” através de seu próprio trabalho, esforço e mérito ao adquirir uma influência social digna de nota poderia ter o direito a um novo status social: o de “plebeu-burguês”, status esse recebido através dos atributos de benefícios chamados “lisonjas” em troca de seus serviços ao seu senhorio, a exemplo do mesmo conceito antigo que fizera proliferar as ordens de cavalaria. Contudo, doravante, a elevação numa sociedade severamente hierárquica e estratificada, passaria a se dar em razão da contribuição ao desenvolvimento e progresso do burgo (cidade) de origem, sobretudo em parâmetros econômico e financeiro. Portanto, quando nós averiguamos o destino de Jacob Fugger encontramos nele a chama invulgar de uma inteligência-viva e ambiciosa, sobretudo a existência de uma “inspiração” interior que movia o seu ser ao desejo de “ser alguém”, consciente que este “ser” dependia inteiramente de “ter” uma riqueza suficiente, que viesse a permitir a ele “ser alguém” aos olhos de uma sociedade claramente dividida entre privilegiados de nascença e os excluídos pelo nascimento, mas de sorte que  com os novos tempos a “proeminência” poderia agora ser comprada.

Para nós entendermos exatamente o que acontece com o destino de Jacob Fugger, nós precisamos nos aprofundar no cenário em que ele viveu e nas tramas de poder do seu tempo. Jacob Fugger nasceu a 6 de março de 1459, logo após um cataclisma de dimensões apocalípticas que assolou o mundo, com consequências dramáticas para o continente europeu, o tempo era de reconstrução, repleto de oportunidades para quem se arrojasse a idéias novas. Ora, com as sucessivas desgraças que se abateram sobre os povos europeus do século XIV ao início do século XV (descrito no capítulo XVI - O APOCALIPSE DE UMA ERA, link disponível no índice de publicações); guerras, fome e peste foram responsáveis pela grandiosa transformação na maneira de pensar dos europeus, sendo que até então sua grande maioria vivia uma vida de servidão, tendo como base o modo vivente de inteira “obediência servil à Deus”, que não permitia questionamentos. O total controle da servidão sobre reis ou camponeses, ricos ou pobres estava nas mãos dos representantes de Deus na face da terra: os sacerdotes de Cristo da Igreja do Império Romano do Ocidente (Roma) e do Oriente (Constantinopla). Naquele tempo os textos apocalípticos divulgados pelos sacerdotes cristãos eram vistos como o anúncio da deflagração de um mal necessário, o qual daria as condições para a prometida segunda vinda de Jesus. Nada muito diferente do que acontece em nos nossos dias. Contudo, a diferença é que as pessoas daquele tempo ignoravam tudo que sabemos hoje, e se aterrorizavam com as desgraças proféticas que estavam vivenciando em seu dia a dia. 

Milhares e milhares de pessoas morreram naqueles tempos, homens, mulheres, crianças, animais de criação e pastos verdejantes viraram barro pois a chuva não parava de cair. As águas foram contaminadas, o simples ato de se banhar ou tomar um gole de água para saciar a sede poderia ser causa de morte. Foi nesse tempo que as pessoas passaram a beber vinho, cerveja, chás com água fervida e caldos de cebola e legumes fervidos como modo de sobrevivência. O fatal destino não fazia distinção entre os indivíduos, todos eram igualados ao mesmo sofrimento e todos estavam sujeitos à morte fidalga, senhora de todos os seres viventes, uns por ela fadados à vida outros nela encontravam o alívio do sofrimento e o descanso da luta renhida pela sobrevivência. Possivelmente, aqueles que entregavam suas vidas nas mãos de Deus sofressem menos. Todavia, tal destruição avassaladora não fazia o menor sentido para aqueles que refletiam sobre a razão de tal destino devastador, que numa mesma casa, numa mesma família, alguém sobrevivia enquanto outros tinham as valas comuns como destino. 

É difícil para os filhos da modernidade contemporânea imaginar o “terror” daqueles tempos, quando o cheiro putrefato da morte antes próprio apenas dos campos de batalha, passara a impregnar o ar de todos os lugares. Não era por boa educação ou maneirismo snobe e fútil, mas por pura necessidade, que fazia-se o bom uso de um pano embebido com algum ungüento perfumado, tal uso era este obrigatório para poder respirar cobrindo a boca e o nariz. Sim, pois o simples ato de respirar tornara-se repugnante. Mas, sem dúvida, foi  esse modo de evitar a sensação tão desagradável um dos motivos para sobrevivência de muitos, pois impedia a aspiração de impurezas, vírus e bactérias. Do mesmo modo o uso de luvas não era mais só em razão de prevenir bolhas e calos nas mãos por conta das rédeas nas cavalgadas, mas veio a ser também um impeditivo de transmissão de doenças. Do mesmo modo novos hábitos alimentares e o uso de água fervida vieram em decorrência do medo da peste, motivo de pesquisas de estudiosos que vivenciaram essa época tais como Leonardo Da Vinci. 

Ora, após o testemunho desses terríveis acontecimentos apocalípticos, era de se esperar que a cristandade daquela época se visse em sua ignorância tomada de fanatismo fervoroso, com a espera cega da segunda vinda de Jesus, o Cristo Salvador do Mundo e ter  um lugar cativo em seu futuro reino sob a Terra. Contudo, conforme o tempo passava e chegava-se ao final do século XV, e a esperada vinda de Jesus não se dava, as pessoas passaram a ter de lidar com suas próprias desgraças, pois a vida continuava implacável apesar de tudo e de todos. Então, poderosos cristãos se levantaram determinados a fazerem a justiça de Deus com as próprias mãos. Esse foi o caso dos Reis Católicos da península ibérica européia, Fernando de Aragão e Isabel de Castela, que unidos pelo matrimônio estavam decididos a chegarem ao despotismo político com o uso da unidade religiosa absoluta, tal como o imperador Constantino o fizera mais de mil anos antes no intuito de assegurar o poder do Império Romano assolado pelas invasões barbaras. 



A Inquisição, antes concebida no século XIV para combater o domínio do poder da Ordem dos Templários, pelo rei da França com o intuito de deter a supremacia sobre a Igreja de Roma e, também, para livrar-se das exorbitantes dividas que tinha junto ao banco dos templários, teria em sua nova prática nas mãos dos Reis Católicos uma linha deveras abusiva: com poderes de extrema violência como forma de repressão a todos que lhes faziam oposição ou eram considerados “infiéis”, objetivando a caça aos árabes mouros e judeus restantes na península ibérica. Assim, de 1478 a 1482 mais de duas mil pessoas foram jogadas nas fogueiras da Inquisição da Península Ibérica. Em seguida, a “conversão” se fez obrigatória, originando os chamados “cristãos novos”. Os que não se converteram, acredita-se algo em torno de trinta mil famílias, emigram para Portugal, norte da África, norte da França, Países Baixos (Holanda e Bélgica) e norte da Itália. Contudo, fossem eles cristãos novos ou refugiados judeus ou mouros, não eram pobres coitados, muito ao contrário, eram famílias que tinham acumulado grandes riquezas e, também, de grande cultura e conhecimento intelectual, calcula-se que eram em número de um milhão de imigrantes pertencentes a nova classe burguesa que surgia. Num tempo em que alguns milhões de pessoas tinham morrido e as populações européias foram reduzidas dramaticamente, o ingresso de mão-de-obra  qualificada e especializada foi muitíssimo valorizada e bem-vinda para quem dela tanto precisava para progredir na formação das novas monarquias nacionais.
Também aconteceu que estes “imigrantes” refugiados traziam na bagagem novos conhecimentos, que incitavam os estudiosos a aprofundar suas reflexões. O foco da atenção em um Deus distante, e muito impiedoso na visão de alguns, passou a mudar colocando o “Homem” como centro dos acontecimentos do mundo. Os novos pensadores não acreditavam que o “mal” fosse um “bem” necessário à concepção de um mundo virtuoso segundo o desejo do Criador. Estava no poder do “Homem” fazer uso do “livre arbítrio” que lhe fora dado por Deus. Nesse tempo, há de se esclarecer, que muitas pessoas; não-cristãos, mulheres e crianças eram consideradas criaturas “sem-alma”, tal como os animais e outros seres viventes. Considerando especialmente as mulheres, a religião romana cristã imbuída dos costumes misóginos judaicos fazia as mulheres serem  obrigatoriamente subservientes aos homens, em total detrimento do poder por elas adquirido no passado pelos status femininos matriarcal das matronas como chefes das famílias e das sacerdotisas como orientadoras religiosas, que faziam as mulheres altamente respeitadas e consideradas nas sociedades grega e romana. Portanto, os novos pensadores homens pós-apocalipticos europeus, mudaram o foco de suas reflexões de Deus para o “Homem” como centro de todas as coisas, mas a princípio desqualificando as mulheres ao mesmo direito. Foi esta mudança de foco que permeou a nova e profunda filosofia humanista e  deu origem ao movimento cultural do Renascimento.

Não admira-se, portanto, que ao final do século XV uma verdadeira “revolução” começou a se dar em dois amplos sentidos: cultural e comercial. O sistema de impressão de Gutemberg dinamizara a fabricação de livros, panfletos e textos informativos, obrigando a população européia a uma rápida alfabetização de mais de dez milhões de pessoas, porquanto o ato da leitura tornara-se uma necessidade social. Ler era primordial principalmente para aquelas pessoas que desejavam deixar a “servidão” e passarem a se integrar à nova sociedade em formação de “homens-livres”, que em sua maioria residia nas cidades-livres comerciais, os burgos, dando origem a nova classe social dos “burgueses”. 

Após a interrupção dramática da Revolução Comercial logo em seu início, quando promovida pelos cavaleiros templários durante o século XIII e início do século XIV, o reflorescimento comercial agregado aos novos atributos intelectuais incentivados pelos conceitos humanistas, veio a trazer novas bases para as práticas econômicas decorrentes de um maior conhecimento matemático e aritmético, dando mais eficiência às atividades comerciais e produtivas garantindo o progresso e desenvolvimento. Em decorrência , também, o aprofundamento nos conhecimentos de geometria, perspectiva e regras de cálculos seriam responsáveis pelos avanços surpreendentes na arquitetura, na engenharia e nas artes visuais de um modo geral. Nesse segundo período da Revolução Comercial, cujos parâmetros foram bem outros do período inicial, foi relevante sem dúvida para seu surpreendente sucesso a reunião de nobres e burgueses num mesmo propósito: o enriquecimento mútuo.

Apresentadas algumas das circunstâncias do cenário em que Jacob Fugger viveu, é mister apresentar também o tecido social de seu tempo: o quem era quem naquela época. Durante o século XV ocorreu uma estratificação cada vez maior da sociedade com uma forte hierarquia, contudo a mortandade trazida pela peste e a fome ceifou a população européia, em decorrência abriu-se brechas na sociedade que deram oportunidades para uma escalada social de “oportunistas”, que não se envergonhavam em se enriquecer com a desgraça alheia. Foi assim com os Medici de Florença, que fizeram o poder de seu nome através da oferta de cuidados médicos durante a peste, a ponto de seus préstimos dar-lhes o nome de família, porquanto “medici” em latim quer dizer “medicinal, curativo, físico, médico”. Como vimos no capítulo anterior Lourenço de Medici (1449-1492) era o grande patrono das artes renascentista e da filosofia humanista, e não há competência intelectual daquele tempo que não tenha passado pelo Palácio Medici em Florença, de Leonardo Da Vinci, Michelangelo ao pensador político Maquiavel, todo inteligência brilhante ambicionava estar em algum momento teria por ambição estar presente na corte republicana de Florença, pois era lá que as coisas estavam acontecendo, tal como alguém ambiciona nos dias de hoje em vencer em New York. Além do mais, a casa bancária dos Medici tornara-se poderosa financiando a Igreja de Roma, e outros reinos europeus após a queda dos cavaleiros templários. Mas, o monopólio de cunhagem adquirido pelos Medici, então responsável pela respeitada moeda florentina, o “florim de ouro”, cunhado desde 1252, cujo prestígio foi adquirido em razão da constante manutenção de sua qualidade de seu peso de ouro puro de 3,5 gramas, fez do florim a moeda corrente na Europa ainda durante o século XV, que só veio a perder sua força monetária com a crise econômica européia de 1533. Todavia, o monopólio da moeda florentina começou a ser quebrado bem antes disso, quando na ânsia de formar um Estado independente econômica e financeiramente as chamadas Monarquias Nacionais passaram a se formar pela Europa e com o beneplácito de Roma puderam cunhar sua própria imitação do “florim florentino”, mas, ressalva seja feita com qualidade sempre inferior, dentre deles os mais usados foram os florins do reino de Aragão, os do Ducado de Borgonha, os do reino da Inglaterra e os do Sacro Império Romano-Germânico. 

A exemplo do ocorrido com os reis Católicos, o ducado de Portugalo também buscou seu estabelecimento como um Estado, na formação de um novo “reino” dotado de uma Monarquia Nacional. Assim, foi através de um aliança matrimonial com a casa real inglesa de Lencastre, pelo qual o ducado de Portugalo foi elevado à condição de reino, um êxito alcançado em razão do apoio militar inglês que impediu que o reino de Castela avançasse sobre o território portucalense. O então duque de Portugalo, Dom João, o de Boa Memória, selou a aliança com João de Gante, que, em 1378, tornou-se o primeiro duque de Lencastre, e era filho do rei da Inglaterra, Eduardo III Plantageneta (ramo da casa real francesa “de Anjou”), mais conhecido como Eduardo de Windsor. João de Gante era casado em segundas núpcias  desde 1371 com Constanza de Castela, neta de Maria de Portugal, e seu irmão Edmundo de Langley, foi o primeiro duque de York e era casado com a irmã de Constanza, Isabela de Castela. Assim, com os interesses de ambas as partes em boa ordem com as circunstâncias foi fundada a casa real portuguesa de Avis, e o antes duque virou o rei João I de Portugal e casou-se com Filipa (ou Philippa) de Lencastre, a filha primogênita de João de Gante. Estabelecendo a aliança luso-inglesa foram filhos do casal real, Dom Duarte I de Portugal (1391-1438), que viria a ser sucessor de Dom João I e que se casou com Leonor de Aragão (1402–1445) estabelecendo uma aliança com a casa real de Aragão, cuja filha Leonor (ou Eleanor) de Portugal (1434-1467) por sua vez casou-se Frederico III Habsburgo, imperador do Sacro Império Romano-Germânico (1452); e a única filha do casal, Isabel de Portugal (1397-1471) casou-se com Felipe, o Bom, duque de Borgonha, da casa real francesa dos Capetos. 



Nessa trama intrigante é preciso ser atento, porquanto esses casamentos ligando a coroa de Portugal à coroa Inglesa, à coroa ducal de Borgonha e à coroa Imperial do Sacro Império Romano serão de suma importância para o palco do contexto histórico que irá se desenrolar nos próximos séculos, fazendo ecoar sua influência até os dias atuais de tal maneira que não se pode e não se deve ignorar. Isso porque ocorrerá um crescente empoderamento das famílias reais em decorrência das alianças matrimoniais, alianças essas cujos contratos matrimoniais seriam capazes de prevalecer sobre as disputas militares constantes do período, tal como a afamada Guerra dos Cem Anos e a da disputa do trono inglês, chamada de Guerra das Duas Rosas. Assim é possível dizer que a História mais do que ser a narrativa de sucessivas guerras, o que é um conceito deveras superficial de quem pouco conhece a História por trás da História, a História é uma narrativa de intrigas sociais e de acordos de matrimônios, que justamente tinham o poder de arrefecer as disputas territoriais com guerras sangrentas, em razão do uso de “contratos de paz” tendo por moeda dotes milionários e garantias de futuras propriedades asseguradas aos “herdeiros” ainda nem existentes. Salienta-se a importância crescente a partir de então do exercício do “Direito”, na prática contratual, geralmente exercida por chanceleres e embaixadores capazes de com o uso de uma notável diplomacia jurídica assegurar vantagens econômicas, financeira e comerciais para os senhores que representavam.



Nesse sentido, foi do bom uso do Direito Contratual que observa-se a notável atuação do duque Felipe III de Borgonha, também alcunhado de Filipe, o Bom (1396-1467), que veio a ser uma grande figura de proa de seu tempo. Foi a partir de 1430, após seu terceiro casamento, desta feita com Isabel de Portugal, única filha de de Dom João I de Portugal e Filipa de Lencastre, que por acréscimo de sucessivas heranças foi crescente a expansão do território e do poder de seu ducado, que com Flandres, Namur, Luxemburgo e Holanda passaram a formar a partir de 1433 os Países-Baixos borgonheses, de modo que em 1453, Filipe III de Borgonha, dito o Bom, pode se tornar o maior mecenas da época encorajando não apenas escultores e pintores, mas arquitetos, engenheiros, matemáticos e filósofos a viverem na sua corte, de certa maneira foi esta sofisticação da corte de Filipe, o Bom, a qual se sobrepunha até a corte da França, que certamente veio a servir de inspiração para aquele que também o primeiro mecenas sem dignidade real, o tão famoso Lourenço de Medici (1449-1492), o soberano da república de Florença, dito “o Magnífico”.

Em 10 de novembro de 1433, nasceu o desejado herdeiro de Filipe de seu casamento com Isabel de Portugal, ele foi chamado de Carlos Martin, que seria alcunhado de o Audaz (ou o Temerário) pelos amigos e o Terrível, por seus inimigos. Carlos foi criado com a melhor educação de seu tempo, tendo acesso aos melhores mestres e a uma riqueza indizível de conhecimento, além do que a corte de seu pai era a mais extravagante da Europa, sendo não só um centro de artes, mas sobretudo de  comércio com as prósperas cidades de Dijon, Burges e Antuérpia. Ao longo de sua juventude, Carlos acompanhou os esforços do pai para unificar os seus domínios em crescente expansão de forma a poder transformá-lo num Estado único e para um dia estabelecer um “reino” independente de vassalagem, pois como herdeiro da coroa da França da casa real dos Capetos, o ducado de Borgonha era subserviente às regras legais da coroa francesa. Por sua vez, Carlos estava obrigado a casar-se dentro da linhagem direta da coroa da França, foi por isso que com apenas sete anos, no ano de 1440, casou-se contratualmente com Catarina de Valois, filha do rei da França, Carlos VII, da casa real de Valois, a qual tinha na época apenas cinco anos a mais que Carlos, mas, quis o destino que ela viesse a falecer aos dezoito anos. Em 1454, Carlos viúvo e com 21  anos tinha por desejo casar-se com a menina de oito anos Margarida de York, filha do terceiro Duque de York, irmã do futuros reis ingleses Eduardo IV e de Ricardo III. Carlos tinha por desejo estabelecer uma aliança frutífera com a Inglaterra, considerando o largo histórico comercial da Inglaterra com o Ducado de Borgonha, mas esse desejo seria adiado devido às suas obrigações com a casa real francesa, assim Carlos casou-se novamente com sua prima-irmã Isabel de Bourbon, prima do rei da França, Carlos VII. O casamento ocorreu em 1454 e em 1457 nasceu ao casal uma filha, que foi chamada de Maria. Todavia, Carlos ficou viúvo novamente em 1465.  

Por ocasião da nova viuvez de Carlos, o Audaz, então conde de Charolais, Margarida de York contava com 20 anos e continuava solteira. Por sua vez a situação de Carlos tinha mudado, ele passara a ser muito respeitado pelo pai, que o encarregara a governar a Borgonha, e ainda tinha aquele seu desejo intimo de realizar um casamento inglês para estabelecer uma forte aliança contra a coroa da França. Entrementes a disputa entre as casas reais de York e a de Lencastre, remanescentes da casa real Plantageneta, se consolidou a partir de 1455 na chamada Guerra das Rosas (rosas branca e vermelha respectivamente) e só veio a se encerrar em 1485, quando um candidato da casa de Lencastre, Henrique Tudor derrotou o último rei de York, Ricardo III, e casou-se com a filha de Eduardo IV, para selar a paz e unificar as casas reais, subindo ao trono da Inglaterra como Henrique VII.
Em 1460, o pai de Margarida de York faleceu em desgraça, derrotado pela facção Lencastre, mas o trono seria recuperado com seu irmão Eduardo IV, o que tornou Margarida de York mais valiosa como irmã do rei, e logo Carlos, o Audaz, enviou seu assessor mais próximo para negociar os termos do matrimônio com Eduardo IV da Inglaterra. Contudo, o rei inglês demonstrou maior interesse pelas ofertas da coroa da França, que havia apoiado sua chegada ao trono, e oferecera a Margarida de York um casamento com o Duque de Savoy (ou Saboya), cunhado de Carlos VII, rei da França. Assim, Carlos, o Audaz, com os seus brios ofendidos acabou colocando uma série de empecilhos nas relações comerciais anglo-borgonhesas. Todavia, em 1466, na berlinda dos casamentos, Margarida de York foi prometida a Pedro de Coimbra, Condestável de Portugal, sobrinho de Isabel de Portugal, mãe de Carlos, o Audaz. Mas, por dessas coisas do destino o noivo português de Margarida morreu subitamente ao meio daquele mesmo ano e Margarida ficou disponível outra vez.
Em 1467, Filipe, o Bom, faleceu. Carlos, o Audaz, tornou-se o novo duque de Borgonha. Por sua vez na Inglaterra, Eduardo IV estava enfrentando novas conspirações da casa de Lencastre, e mais do que nunca o apoio de Carlos de Borgonha, seria bem-vindo e mais do que necessário para o sustento do trono, de modo que em outubro daquele ano foi acordado o casamento e  teve início as negociações do casamento entre a duquesa Isabel, mãe de Carlos e o rei da Inglaterra que procederam de dezembro de 1467 a junho de 1468. A demora se deveu às investidas do novo rei da França, Luís XI (1423-1483), que sucedera ao pai em 1461, e, seguindo a política contra a independência do ducado de Borgonha fazia de tudo para impedir o casamento de Carlos com Margarida. Luís XI chegou ao ponto de fazer pressão sobre o Papa para que ele desse a recusa à dispensa para o casamento, alegando que eram primos em quarto grau. Uma bobagem, pois Carlos até com uma prima de primeiro grau já tinha se casado, a própria irmã de Luís XI e depois com a prima-irmã Isabel de Bourbon!  Não conseguindo sucesso, o rei francês investiu em comprometer o crédito de Eduardo IV com os banqueiros internacionais, para impedir o pagamento do dote de Margarida. Luís também incentivou os ataques da casa de Lencastre, mas não obteve sucesso. Então, ele não teve nenhum escrúpulo e  partiu para a calúnia, alegando que Margarida não era virgem e que tinha um filho bastardo. Os ataques de Luís XI foram ignorados. A “dispensa” papal foi assegurada com o pagamento de um alto suborno pago pelo ducado de Borgonha aos cofres do papa.
Como se fosse cena de um romance de capa e espada, no dia 23 de junho de 1468, Margarida de York deixou a Inglaterra sob forte escolta, pois o rei francês Luís XI tinha ordenado a seus navios para capturar a noiva durante a travessia, mas a comitiva de Margarida chegou em segurança ao continente, sendo recebida por suas futuras sogra Isabel e sua enteada Maria na noite do dia 25, mas ela só veria seu noivo pela primeira vez depois. No dia 27, Carlos ver-se-ia frente a frente com a noiva, e a visão de Margarida o encantou, com sua aparência de traços finos, sua bela altura e bela postura reta. Foi impossível ficar indiferente àqueles olhos travessos e um sorriso que demonstrava inteligência, humor e generosidade. Já, ele, Carlos, era uma figura truculenta, sem muita estatura - mais baixo do que ela -, e arrogante, mas, quem diria , conta-se que encheu-se de doçura em vista de Margarida. O casamento realizou-se em 3 de julho, não num palácio ou casa real como poderia ser esperado, mas, de maneira espantosa na casa de um rico mercador burguês de Damme. Em seguida o casal partiu para a cidade de conto de fadas de Bruges (Bélgica), onde foi reservada uma entrada triunfal a Margarida ao lado do marido, encantando a todos. A organização do banquete e da festa popular foi tão extravagante, requintada e suntuosa que foi considerado o casamento do século. 


Margarida teria importante papel político nas questões da Inglaterra, induzindo seu poderoso marido a intervir nas disputas familiares, tal como em 1469, quando o seu irmão Duque de Clarence conspirou com a poderosa  associação dos comerciantes de Londres (Mercer’s Company) para depor seu irmão o rei Eduardo IV, o obrigando a fugir com seu outro irmão, Duque de Gloucester, e a pedir refúgio ao Duque de Borgonha. A traição do Duque de Clarence, apoiada pelo padrasto Conde de Warwick, abriu a oportunidade para que a casa de Lencastre com o apoio dos franceses retomasse o trono. Nesse ponto, Carlos não precisou se sentir obrigado a interceder pelo cunhado, porquanto ele jamais pensaria em deixar o trono da Inglaterra cair nas garras do rei da França. Carlos usou de todo o seu poder e astúcia para obrigar a associação dos comerciantes de Londres (Mercer’s Company) a jurar lealdade à Eduardo, sob a ameaça da perda dos direitos de negociação com seus domínios, que diga-se de passagem,  eram os maiores entrepostos comerciais do norte europeu. Foi assim, que em janeiro de 1471, Eduardo VI foi restabelecido no trono inglês e seus traidores foram devidamente mortos, inclusive Eduardo de Westminster, filho de Henrique VI e o próprio morreram, colocando-se um fim na linha direta da casa de Lencastre.
Mas, o que não foi dito e que realmente importava a Carlos, o Audaz, era o seguinte. Sua mãe, a duquesa Isabel, veio a falecer em julho de 1471, recordemos que Isabel era filha de João I de Portugal e de Filipa de Lencastre, o que fazia dela membro graduado da casa de Lancastre. Ora, com o fim da linhagem direta da Casa de Lencastre. Como herdeiro de sua mãe, Carlos passou a ter o direito a reclamar o trono da Inglaterra pela linhagem indireta, o que ele fez oficialmente ao final daquele ano. Contudo, Carlos optou com sua visão de águia por não pressionar o cunhado, vendo mais vantagem para seus  negócios naquele momento manter o apoio a Eduardo IV como rei da Inglaterra.

Porém, foi exatamente dada a essa ambição de Carlos ao trono inglês que a aliança com Eduardo IV viria a ficar fragilizada. Aproveitando-se da situação, o mais fiel adversário de Carlos, o rei da França, Luís XI, fez uso de uma estratégia magistral para solapar o poder do rebelde ducado de Borgonha, que resistia a aceitar os ditames da coroa real da França. Na sua campanha para deteriorar a reputação de Carlos para obter crédito junto a casa bancária dos Médici, responsável sem rivalidade pelo sistema financeiro europeu da época, Luís XI buscava impedir que qualquer carta de crédito fosse negociada por Carlos para o seu ducado. Luís XI também lançou mão de embargos de mercadorias como o a venda de pão e vinho à Borgonha, duas mercadoria básicas fundamentais para a sobrevivência dos borgonheses, pois, naquela época a única bebida conhecida livre de causar doenças era o vinho ou a cerveja, pois beber água era um risco à vida, e o processo de fervura da água para eliminação de bactérias ainda não era conhecido . Tendo em vista tais represálias e desejoso montar um poderoso reino que estendesse seus domínios do Mar do Norte ao Mar Mediterrâneo, Carlos lançou seus olhos de águia para os domínios do seu contra-parente Frederico III (1415-1493), Imperador do Sacro Império Romano, porquanto Frederico fora casado com Leonor de Portugal (1434-1467), que diga-se de passagem era filha do irmão da mãe de Carlos, o rei Dom Duarte de Portugal com Leonor de Aragão, logo, visto que, a falecida esposa de Frederico, também era membro graduado da linhagem indireta da casa de Lencastre, os interesses convergiam. Mas, em matéria de interesses havia muito mais interesse em jogo ao ver de Carlos, o Audaz. 


É nesse momento histórico que os ventos prósperos da fortuna começam a soprar a favor da família Fugger a fim de dar as circunstâncias favoráveis para o destino do seus membro mais proeminente: Jacob Fugger.

Conta a história da cidade germânica de Augsburg, que era por volta de 15 a.C. , quando dois generais romanos acamparam com suas legiões na convergência dos rios Lech e Wertach, ao sul da região aprazível da Baviera aos pés da imponência das montanhas alpinas. Eram os generais Drusus e Tiberius, este último enteado do que seria o todo-poderoso César romano de todos os tempos Octávio Augusto (27 a.C. - 14 d. C.), então em homenagem ao padrasto que o tornaria seu sucessor, Tibério, o Germânico, deu o nome ao local de “Augusta Vindelincorum” que em latim significa “Augusta dos Vindélicos”. Vindélicos era o nome do povo que vivia na região da Récia, cuja capital era Vindelícia, e que fora submetido a Roma pelos dois generais. Por sua localização estratégica, logo o vilarejo viria a se tornar parada obrigatória para os viajantes antes de atravessavam os Alpes. Com a predominância dos germânicos na região, e depois dos romanos-germânicos quando a cidadania de Roma foi estendida a todos os habitantes do império, logo o nome latino da vila adquiriu característica da língua de seus habitantes e passou a se chamar Augsburg. Na Idade Média a vila se tornou um dos mais importantes entrepostos comerciais, sendo passagem obrigatória das principais rotas de comércio entre as feiras de mercadores, que tinham lugar por regiões produtivas da Europa. Em razão de sua importância comercial, ao tempo em que a Ordem dos Cavaleiros Templários dominavam o comércio europeu e seu processo financeiro, no ano de 1276, Augsburg alcançou o importante status de Cidade Imperial Livre do Sacro Império Romano Germânico. Ora, este status dava aos seus habitantes o status de “homens-livres”, ou seja, que não estavam obrigados ao regime de servidão, podendo agirem com seus próprios negócios comerciais e financeiros, além disso a cidade passou a ter seu próprio governo exercido por um príncipe-bispo eleito, porquanto no tempo em que o Império Romano transformou-se numa teocracia cristã após o século V da nossa era, as mais importantes cidades imperiais foram elevadas à condição de “bispados”, e eram governadas por um “príncipe-bispo” (arcebispos, em titulo monástico comum clerical) que exercia todos os poderes da representação imperial, exercendo o poder episcopal assim como um papel político e civil sobre a sua “diocese”, local em que tinha sua residência e regiões adjacentes subordinadas ao seu poder de influência. E essa elevação como cidade imperial-livre asseguraria seu destino  de crescente importância e prosperidade.


Era o ano de 1452 quando um comerciante de metais e tecidos de nome Lucas Fugger, filho de Andreas Fugger (irmão mais velho de Jacob Fugger, o mais velho) foi agraciado por seus serviços prestados em março daquele ano a Frederico Habsburgo por ocasião de seu casamento com Leonor de Portugal em Roma, seguido à coroação como novos Imperadores do Sacro Império Romano-Germânico, com uma lisonja real que permitia o uso de um brasão de armas, que elevava a ele e sua família da condição da mera situação comum de burguês para a condição de uma aristocracia burguesa, tal como na antiga Roma quando um plebeu passava a ser um nobre patrício, assim mudavam-se os tempos, mas os modos permaneciam os mesmos. Em razão do brasão ter a cabeça de um cervo sobre fundo azul esse ramo da família Fugger foi alcunhado de “Fugger do Cervo”. Essa diferenciação foi necessária porque passado os tempos outro ramo da família Fugger tomaria a frente dos negócios. Foi no ano de 1469, quando os prósperos negócios da família passaram para os primos-irmãos de Lucas Fugger, filhos de Jacob, o mais velho. Ulrich Fugger (1441-1510), o mais velho dos filhos de Jacob Fugger, o mais velho, tomou à frente dos negócios. Todavia, o uso do brasão de armas Fugger não era extensivo à linha indireta, favorecendo a ele e seus irmãos. Assim sendo, Ulrich negociou um proposta com o imperador Frederico III para ter um brasão de armas, e dispondo que a casa Fugger passasse a atuar como firma bancária da casa imperial dos Habsburgo, com o lastro já da enorme riqueza familiar Fugger, formada com grandes recursos comerciais e industriais. Essa aliança com os Habsburgo era mais que necessária, porquanto Ulrich estava interessado na exploração de minas de prata no Tirol e de cobre na Hungria, já que começava a fortalecer-se a idéia econômica do “metalismo” de que seria tanto mais rico, quanto fosse a quantidade de metais preciosos (ouro, prata e cobre) que se possuísse, além de que seus negócios com especiarias, lã e seda poderiam se estender por toda a Europa. O acerto da sociedade entre a casa imperial Habsburg e a casa comercial burguesa comercial Fugger teve sucesso. Com elevação da casa Fugger como companhia bancária a serviço dos Habsburg foi selado também a permissão real do desejado uso de um brasão de armas: o “von der Lilie” (do Lírio), com fundo dourado e azul, com um lírio azul e dourado sobre cada respectiva banda, assim esse ramos da família passou a ser alcunhada de “Fugger do Lírio” e foi o ramo da família que prosperou. Qual foi o preço dessa lisonja? Um vultuoso empréstimo a fundo perdido que a família Fugger faria para as pompas e circunstâncias do encontro do Imperador Frederico III e seu filho o Arquiduque Maximiliano com o tão afamado Duque de Borgonha, Carlos, o Audaz, para a tratativa dos termos do noivado do filho do imperador, Maximiliano de Habsburg com sua única filha do seu casamento com Isabel de Bourbon, a jovem Maria de Borgonha (1477-1482). Portanto, quando Frederico III Habsburgo iniciou a tratativa para a negociação matrimonial tinha algo a mais a lhe dar segurança, Frederico tinha o seu próprio banqueiro e não dependia mais dos humores papal e muito menos da prática dos poderosos banqueiros florentinos da família Medici. 
Desde o último rompimento com o rei da França, Luís XI, em 1471, que Carlos, o Audaz, dava persistentes passos largos para tornar o Ducado da Borgonha inteiramente independente de fato da França, expandindo seu território, investindo na compra de direitos hereditários de seus vizinhos, tal como comprara do Arquiduque da Austria o condado de Ferrete, e outras terras e cidades na Alsácia. Quando o marquês Nicolas de Lorraine-Anjou, da casa real francesa, tornou-se duque de Lorraine, logo herdeiro dos tronos de Bar, Anjou, Maine, Provence, Nápoles e Sicília, com a morte de seu pai em 1470, sendo soberano de um Estado encravado dentro das possessões borgonhesas e tendo em vista o crescente empoderamento de Carlos, o Audaz, viu por bem o jovem duque Nicolas romper seu compromisso de casar-se com Ana da França, filha de Luís XI, e aceitar a oferta do Duque de Borgonha para casar-se com sua filha única, Maria, que passou a ser prometida de Nicolas em 1472, que participou com Carlos da invasão da Picardia e do cerco de Beauvais. Em 1473, no intuito de reforçar a presença nos seus Estados, Nicolas tentou conquistar a florescente cidade de Metz para fazer dela a capital do ducado. Os burgueses da cidade repeliram seu avanço militar com sucesso, e Nicolas de Lorraine morreu subitamente em 27 de julho de 1473, aos 25 anos. Morto Nicolas de Anjou, Duque de Lorraine, rapidamente Luís XI agiu para tomar suas possessões para a sua irmã Yolanda de Anjou (Ana da França), cunhada do grande amigo de Carlos, Jacques de Savoy, a quem fizera governador da Borgonha. Yolanda de Anjou de imediato passou a hereditariedade do ducado de Lorraine e todos seus direitos para seu filho René II, garantido que o novo duque de Lorraine fosse mais próximo do rei da França do que do Duque de Borgonha.  
Pois, então, desfeito subitamente o noivado de sua filha Maria com a morte de Nicolas, e temendo que o novo duque de Lorraine rompesse o acordo entre os ducados, Carlos enviou seu representante para conversar com Frederico III, sugerindo o casamento de sua única filha Maria com Maximiliano, o único filho do imperador com Leonor de Portugal, reavivando a antigo compromisso de proposta nupcial de quando ela tinha seis anos e Maximiliano 6 anos. Nesse momento na cabeça de Carlos uma coroa real imaginária o fazia sonhar alto e muito. 
Carlos não se contentava mais em ser o “Grande Duque” da Europa. Ele concebia um projeto muito mais grandioso, o de formar um reino de Borgonha, tendo ele mesmo como um soberano independente e queria de toda forma convencer o Imperador do Sacro Império de colocar uma coroa de rei na cabeça dele, para que o ato fosse “legal” perante a Igreja de Roma. Mais do que interessado no que parecia ser uma proposta vantajosa para ambos os lados, Frederico aceitou se encontrar em Trier, cidade germânica no vale de Mossele e fronteiriça com a cidade borgonhesa de Luxemburgo. De certo Frederico III não fazia a menor idéia do palco histórico para uma gigantesca exibição pública de riqueza e esplendor magnificente de Borgonha que Carlos organizara com absoluto requinte e extravagância. Basta dizer que durante os preparativos para o encontro, o Duque de Borgonha ficou indignado quando seu pedido foi negado pela diocese administrativa da cidade de Trier de fornecer à sua comitiva metade da cidade, totalmente sem a presença de nenhum germânico. Indignado, Carlos, o Audaz, concordou em ficar com sua comitiva com seis a sete mil cavalos fora dos muros da cidade. Contudo, o resto da organização do banquete e a hospedagem do Imperador foi feita com um luxo e suntuosidade jamais antes visto. Em verdade o encontro de Trier que recebeu inúmeras crônicas a seu tempo foram grosseiramente exageradas, porquanto não se imaginava nem por um instante o trágico futuro que esperava o Duque de Borgonha, e como sabido o lado com mais poder e vitorioso sempre redige a história a seu próprio bel-prazer. O encontro de Trier entre esses dois poderosos lançou uma luz sobre os contrastes cultural e econômico entre a riqueza da Cristandade Latina do Oeste de herança franca, carolíngea, e a sua mais pobre do Leste dos germanos. Chegado o dia 30 de setembro o encontro que se deu fora dos muro de Trier foi de um contraste desconcertante. Conta-se que o cortejo do imperador Frederico III do Sacro Império Romano-Germânico e de seu filho o Arquiduque Maximiliano patrocinado pelos Fugger contava com apenas 2.500 cavalos. Seus cavaleiros de cabelos longos portavam pesadas armaduras e armas, com equipamentos tão pobres que deixaram os borgonheses boquiabertos com tal despojamento para uma comitiva “imperial”. Por sua vez, os germânicos tiveram inúmero motivos para se deslumbrarem com os borgonheses. O Duque de Borgonha apareceu com uma capa dourada que, segundo o  rumor, custara uma fortuna, sendo seguido por 3.000 cavaleiros de cavalaria pesada com armaduras, 5.000 cavaleiros de cavalaria ligeira, 6.000 soldados de infantaria e de artilharia. Como se não bastasse presentes estavam também a nata da nobreza borgonhesa, seus bispos e uma tremenda coleção de tesouros e relíquia. Enquanto o Duque de Borgonha exibia toda a sua magnificência durante os dias que se seguiram com banquetes e solenidades, o Imperador do Sacro Império Romanos era um exemplo cristão de parcimônia. Frederico III trouxera a bolsa com o florins de ouro fornecido pela casa Fugger para as negociações matrimonias e a investidura pedida por Carlos de um título tal dentro do Sacro Império, incluindo qualquer território que ele quisesse, semelhante ao modo que a Boêmia já tinha se tornado uma corrente possessão. Uma proposta fora enviada aos príncipes-eleitores germânicos informando que não só as possessões do Duque poderia fazer parte do reino, assim como também o Ducado de Savoy, o Ducado de Lorraine, Clèves, os cantões suíços e o bispado de Liège, Utrecht, Toul e Verdun, e uma cerimônia de coroação estava sendo efetivamente preparada. Esse era o  valor do dote esperado pelo imperador, e que estava disposto a pagar, mas o duque de Borgonha pediu um preço enorme logo após o primeiro banquete: queria ser nomeado herdeiro aparente do Sacro Império Romano, incluindo o titulo de “Rei de Roma”, título este reservado ao seu filho Maximiliano, Arquiduque da Áustria.
Frederico III muito queria uma aliança com o Duque de Borgonha, mas não estava disposto a ir tão longe. Assim, adiava um novo encontro com Carlos, o Audaz, para fechar o acordo, dizendo que esperava a resposta dos príncipes eleitores. Afora isso, havia também uma pequena questão de bons modos que causou disputas sobre protocólos de honra, tal como o duque que se recusara a sentar à direita do imperador, sendo ele abaixo em grau de nobreza em relação ao imperador do Sacro Império Romano-Germânico. Outro caso de desconsideração foi numa visita de Carlos à residência ocupada pelo imperador em Trier, em que Frederico insistiu em encontrar com Carlos em baixo na escadaria e fora do prédio, mas Carlos não queria ouvir sobre isso, ele subiu os degraus e esperou mais de hora para ser introduzido na residência. Em resumo, após esse episódio no dia 2 de outubro, um sábado, desagradado com a atitude do duque, na calada da noite Frederico III partiu de Trier sem dizer adeus acompanhado de sua comitiva, levando consigo o dinheiro da investidura e da negociação matrimonial, deixando para trás um homem abatido e frustrado, que chegara ao encontro como duque e desejara sair como rei. Ao ver do imperador, Carlos poderia até ter tido uma coroa de rei na cabeça, desde que não quisesse ter justo a coroa do seu próprio filho Maximiliano e esse foi seu vacilo. Apesar de toda frustração causada por Frederico III, ao final daquele ano de 1473, o Ducado de Borgonha atingiu a fronteira com a França e expandiu seu domínios  para os Países Baixos, o que tornou Carlos, o Audaz, um dos nobres mais ricos e poderosos da Europa, chegando a sua fortuna a rivalizar com a do Rei da França e humilharia muitas das famílias reais. Contava Carlos, então, com 50 anos e era o duque mais poderoso da Europa.

O orgulho do Duque de Borgonha pode-se acreditar fora mortalmente ferido por Frederico III no malfadado encontro de Trier. Todavia, Carlos não perdera de vista seu sonho de um grandioso reino da Lotaríngia, que fosse do Mar do Norte ao Mar Mediterrâneo e separasse as fronteiras da França e do Sacro Império Germânico Romano, cortando a Europa ao meio. Agora, cego por seu orgulho ferido, ele estaria disposto a guerrear com quem que que fosse que se antepusesse entre o seu sonho de grandeza e a sua realização.  Carlos, o Audaz, nascido a 10 de novembro de 1433,  incorporava todos os atributos de um típico filho do signo astrológico de Escorpião. O seu comportamento aparentemente tirânico, insensato era de uma racionalidade gélida e uma persistência que beirava a teimosia. Carlos era focado apenas na realização da própria vontade e de suas ambições. Portanto, considerando o que os mais antigos astrólogos babilônicos diziam de que “os astros sugerem, mas não determinam”, é possível dizer que o Duque de Borgonha foi tomado pelo seu caráter natural, imbuído de toda uma paixão por sua ambição expansionista e usou de toda a sua frieza racional para enfrentar os desafios à sua realização. Mas, o que Carlos não contava em razão de sua auto-estima exacerbada que o cegava é que uma trama sórdida fosse conspirada por seus rivais contra ele.


Contudo, há de se contrariar seu detratores que insistem em suas crônicas históricas em dizer que Carlos buscou sua própria desgraça e que ele deu início às chamadas “Guerras da Borgonha” (1474-1477). Não foi bem assim. Após o fracasso do encontro de Trier, Carlos que antes angariara aliados para a formação de um novo “reino” poderoso, passou a ser traído por cada um deles. Primeiro foi o Arquiduque Sigismundo Habsburg da Áustria (sobrinho de Frederico III), que pediu a restauração das suas antigas possessões na Alsácia, renegando o acordo que fizera o duque de Borgonha seu herdeiro em 1469, pelo qual Carlos tinha pago uma vultuosa soma de dinheiro. Naturalmente que Carlos não iria romper tal acordo, pois, em verdade, Sigismundo só o fizera acordo com o Duque de Borgonha por covardia, por conta do avanço dos temíveis mercenários suíços sobre o seu território. Ora, naquele início do ano de 1474, depois que os suíços tinham se organizado numa Confederação, unindo os seus cantões, Sigismundo da Áustria acabara por assinar um acordo de paz com os suíços, o que justamente veio a lhe dar uma inusitada coragem e o levou a fazer a proposta para recompra de seus territórios e dos direitos hereditários vendidos ao Duque de Borgonha. Frente a natural recusa de Carlos de revender-lhe o acordo do tratado de Saint-Ormer, o Arquiduque Sigismundo formou uma “liga anti-borgonhesa” com a Confederação Suíça para recuperar seus antigos domínios. O clima de conspiração teve assim seu início no Alto Reno para vir a ser o estopim de uma tão desejada guerra contra os borgonheses. 
Após a compra das possessões na Alsácia em 1469, o Duque de Borgonha colocou no governo da região do Alto Reno seu fiel general Pedro von Hagenbach, de família da pequena nobreza alsaciana e que possuía na Alsácia seu próprio castelo. Hagenbach comandava a nona companhia das tropas borgonhesas. Seus detratores descreviam Hagenbach como um homem brutal cruel, mas em verdade ele era sempre comprometido e fiel aos interesses de seu senhor o duque de Borgonha Carlos, o Audaz. Na região ainda permaneciam soldados zuavos do Sacro Império Romano-Germânico que antes representavam a oposição aos mercenários suíços, mas com o novo acordo de paz assinado entre Sigismundo Habsburgo, Arquiduque da Áustria, e a Confederação Suíça, suavos e suíços tornaram-se aliados. Não foi de espantar que logo começaram a ocorrer várias rebeliões nas cidades do Alto Reno contra a “tirania” de Hagenbach. O fiel general de Carlos acabou sendo feito prisioneiro durante a ocupação dos suavos da cidade de Breisach, onde foi formado um tribunal inusitado do Sacro Império Romano-Germânico apenas com o fim de julgar Hagenbach, acusado de crimes de guerra praticados durante a ocupação da cidade de Breisach, onde considerou-se que sendo ele um cavaleiro teria o dever de prevenir atrocidades em respeito a uma suposta lei de obrigação, nunca antes posta em exercício de juízo, de que os comandantes tinham a obrigação de agir conforme a legalidade vigente. Hagenbach defendeu-se alegando que só cumprira as ordens do Duque de Borgonha, a quem o Santo Império Romano Germânico em seu acordo assinado pelo Arquiduque Sigismundo da Áustria tinha dado Breisach. Apesar de estar dentro da lei do uso explicito da “Doutrina de Mando”, Hagenbach foi julgado culpado e pela primeira vez se deu uma sentença com um veredicto contrariando a “Doutrina de Mando”, alegando-se “crime de guerra” não respeitar leis vigentes locais. Esse julgamento foi dado como que o “primeiro reconhecido internacionalmente”, condição essa posta ao relato feito pelos inimigos de Carlos, o Audaz, do julgamento para justificarem a decapitação do governante do Alto Reno, o general Pedro von Hagenbach, em 9 de maio de 1474, como mero intuito de preservar atos rebeldes futuros de deposição de autoridades dentro do próprio Império Romano Germânico de deposição de autoridades. Em desfio ofensivo à Carlos, o Audaz, Duque de Borgonha, a cabeça de seu leal general foi espetada num pau, depois mumificada e guardada junto com a espada de seu verdugo, ainda hoje sendo exibida no Museo de Unterlinden, na cidade de Colmar, na Alsácia francesa. Apesar de tal afronta Charles não entrou em guerra para retomar Breisach.

Mas, a trama seria urdida em mais uma armadilha. Em dezembro de 1473, ocorrera que a cidade de Colônia, no Reno do Norte, Westfália, cidade-membro membro importante da Liga Hanseática (Hanse) de comércio, na pessoa do seu arcebispo Rupretch do Palatinate, entrou em desacordo com Roma, por não ter pago a requerida contribuição de sua diocese para com Roma, e foi excomungado em 1472 pelo papa. Desejoso de conter os crescentes privilégios da cidade que desconsiderava os tributos devidos à diocese e pleiteava se tornar uma cidade-livre, o arcebispo pediu para o Conde de Borgonha o apoio caso necessário, por razões dos vínculos comerciais de seu ducado com Colônia. Assim, Carlos, o Audaz, a declarou-se Protetor de Colônia. Uma tentativa de mediação de Frederico III com Roma, não resultou em nenhum acordo.
É natural que estranhe-se o fato de Carlos, o Audaz, ter se envolvido nessa querela do arcebispo de Colônia que tinha granjeado contra si uma rebelião aberta em Colônia, a ponto de se unirem seus desafetos para proclamarem um outro administrador e protetor da sua própria arquidiocese a sua revelia, o sacerdote Hermann de Hesse, que em em 1473 fora nomeado administrador da catedral de Colônia, dentre as suas funções estava ser administrador do arquivo de Colônia. Ora, Colônia era uma cidades estratégica para a rota comercial que saia do principal entreposto mercantil do Mar do Norte, a cidade de Bruges no Ducado de Borgonha, passava por Antuérpia ainda dentro do ducado, e chegava a Colônia na Alta Alsácia, território germânico, ponto em que confluía a rota Hanseática vinda de de seu principal entreposto na cidade de Lubeck a oeste, de Colônia a rota seguia até Frankfurt onde duas rotas podiam ser tomadas uma que atravessaria os Alpes e levaria a Veneza e outra que passando pela cidade de Augsburg do Sacro Império Romano Germânico, atravessava os Alpes e passava por Milão, na Itália, e chegava ao porto italiano de Genova no Mar Mediterrâneo. Ora, há que se recordar que em 1453 os turcos islâmicos tomaram Constantinopla numa onda de terror  impiedosa que colocou um fim no Império Romano do Oriente, cuja as consequências ecoariam até o Mar Adriático e arruinaria os prósperos negócios dos venezianos que agiriam como piratas para que sua atividade comercial pudesse sobreviver em um tempo tão difícil. Portanto, a rota antes tão procurada de travessia dos Alpes que levava à Veneza, tornara-se bastante perigosa e essa circunstância indiscutivelmente favoreceu a passagem via a cidade de Augsburg do Sacro Império Romano-Germânico. Os interesses comerciais em Colônia eram tão grandiosos, que o tratado com Rupretch estipulou que Carlos submeteria os rebeldes e serviria como protetor por toda vida e por essa proteção teria em retorno o pagamento de 200.000 florins por ano. Para poder sair em defesa armada de Colônia, Carlos chegou até a concluir um tratado com o rei da França Luís XI, para manter assegurada a fronteira de seu ducado a oeste o território francês, só após assinar o tratado com Luís XI é que Carlos preparou as suas tropas para marcharem no vale do Reno. Analistas contemporâneos suspeitam que a motivação mais provável para essa decisão teria sido uma eventual reconquista de toda a Alsácia, mas a mais forte probabilidade mesmo é que tenha sido a preocupação de ter a passagem por Colônia comprometida e interrompida, o que seria  um desastre grandioso para todos participantes da Revolução Comercial que estava em pleno andamento de forte recuperação. Naturalmente, que os detratores de Carlos, o Audaz, seu “inimigos” ferrenhos tinham por interesse denegrir sua reputação. Mas, a paciência e persistência demonstradas por Carlos para esperar e realizar o seu casamento com Margarida de York, demonstrou que ele não era dado tanto assim a uma impetuosidade impensada, antes planejava suas ações com uma longa consideração fria e racional, pesando as consequências dos seus atos. Um homem conduzido por paixões, absolutamente, Carlos era antes de tudo apenas um homem obstinado. Quando nós temos uma visão ampla dos acontecimentos daquele momento e os colocamos sobre a mesa para uma clara análise, é mais plausível  chegar-se a conclusão que tudo se tratou de uma estratégia conspirada pelo imperador Frederico III, para assim colocar Carlos numa ratoeira dentro de seu próprio território, tanto o é que a decisão de partir em guerra contra Carlos foi tomada justamente na cidade-livre de Augsburg, onde todo o império foi conclamado a pegar nas armas contra o Duque de Borgonha. Ora, para tomar essa decisão dispendiosa contava o imperador com o apoio financeiro da casa bancária Fugger, que tudo teria a ganhar com a beligerância da situação, pois uma das grandes formas de se ganhar fortunas extraordinárias é justamente com o patrocínio de guerras, o que ainda é uma prática usada nos dias de hoje. 

Ora, a idéia de uma armação para que Carlos caísse numa armadilha se apresenta pela controvérsia das narrativas históricas que tentam encobrir que Carlos estava sendo vítima de um embuste, o que pode ser corroborado com a apresentação de provas e fatos. Em 9 de julho de 1474, um tratado secreto foi assinado entre a Confederação Suíça e o imperador Frederico III do Sacro Império Romano, o rei Luís XI da França, o rei Eduardo IV (cunhado de Carlos, Audaz) e o duque René II de Lorraine contra  Carlos, o Audaz, Duque de Borgonha. Documento esse que comprova que as “Guerras de Borgonha” foram uma sórdida conspiração ardilosa para destituir Carlos, o Audaz, de todo o seu poder.

No caminho para Colônia está a cidade de Neuss, onde a maior parte dos rebeldes de Colônia e entre eles o próprio Herman de Hesse tinham tomado como “refúgio”, mais certo seria ter-se dito que eles estavam ali de tocaia a espera de Carlos e suas tropas, pois o próprio Hermann depois de vangloriar-se de sua estratégia, segundo a versão francesa da história, de ter organizado “pessoalmente” a defesa de Neuss, estando pronto para resistir por um ano caso se fizesse necessário. Carlos chegou com suas tropas borgonhesas a Neuss a 29 de julho de 1474, foi atraído a fazer o cerco à Neuss, tendo em vista em obter o controle da passagem ao longo do rio Reno, de forma a ter não só o controle do abastecimento de água como impedir o reabastecimento da cidade. Ao meio de agosto os borgonheses conquistaram as duas ilhas fluviais e tomaram controle das pontes sobre o rio Reno, mas logo sofreram severas perdas, com o colapso de uma das pontes que levou vários soldados mercenários italianos que acompanhavam Carlos a se afogarem, pois os camponeses germânicos da região não escondiam a hostilidade que sentiam com a presença dos borgonheses em suas terras. Em setembro, os arqueiros  mercenários italianos e do exército inglês de seu cunhado Eduardo IV, que estavam com Carlos lançaram um forte ataque a uma das pontes de Neuss, mas foram repelidos. Na noite seguinte germânicos de uma cidade vizinha flutuaram um barco com fogo para que a corrente o levasse a destruir as pontes dos pontões, mas a frota borgonhesa resistiu sem perdas e eliminou com sucesso o perigo. Pouco tempo depois os arqueiros ingleses começaram a reclamar de falta de pagamento, mas Carlos conseguiu acalmá-los, passado o incidente correu o boato no campo que os ingleses tinham matado Carlos, mesmo ele estando desarmado, e os borgonheses atacaram os ingleses os massacrando, e só quando Carlos se apresentou entre eles ordenando que parassem a situação se acalmou. Durante todo o cerco, Carlos trabalhou arduamente e sem descanso para manter o moral das suas tropas e prosseguir no cerco, conta-se que até durante as poucas horas que dormia por noite ele usava sua armadura completa. Era comum os germânicos se disfarçarem como italianos e se introduzirem entre as tropas borgonhesas para obter informações e espalhar boatos entre os soldados. Numa vez, os homens de Carlos capturaram um germânico tentando atravessar o rio Reno com uma mensagem que declarava que o imperador estava se aproximando com um imenso exército, fazendo com que Carlos redobrasse os seus esforços, mas foi em vão. Passou o Natal, e os rebelde de Colônia comandados por Hermann de Hesse mantinham firme resistência, enquanto isso Carlos tinha que lutar para quebrar o cerco à cidade e defender-se dos ataques de surpresa dos germânicos às suas tropas, a luta em dois flancos obrigava os borgonheses a estarem constantemente atentos o que era extenuante e desgastante. 

Em maio de 1475, o exército imperial de Frederico III estava realmente em movimento, conta-se que seu exército movia-se lentamente por causa das brigas dos soldados bêbados de diferentes partes do império, e pela necessidade de recuperar cidades que estavam ainda em poder dos borgonheses na Alsácia. Uma desculpa muito conveniente, pois quando Frederico III chegou com seu exército ao final de maio, ele encontrou Carlos, o Audaz, exausto daquela luta sem glória, inocente sem saber que estava sendo manipulado e traído por quem menos esperava, mais desejoso de sair daquele maldito lugar com suas tropas do que qualquer outra coisa, maldizendo a necessidade de atender o chamado para proteger o arcebispo de Colônia. Depois de assinar um tratado provisório de armistício com o imperador Frederico III, o Duque de Borgonha ordenou que o cerco começasse a ser desmontado. A princípio houve até uma confraternização entre os borgonheses, os imperiais e os germânicos de Colônia e Neuss, mas inesperadamente os germânicos atacaram os navios borgonheses roubando seus canhões, precipitando um violento assalto de germânicos insuspeitos e por um mês a luta continuou de explodindo de maneira esporádica atos belicosos de ambas as partes. Então, para colocar um fim no que parecia ser uma disputa de egos entre os dois soberanos para que ambos não tivesse que justificar um passo atrás, surgiu um representante papal e num jogo de cena fez uma ameaça vazia de uma excomunhão papal para ambos se não parassem com aquela luta. Cada um com sua honra intacta concordou com o fim definitivo do cerco em 27 de junho de 1475. 

É incrível quanta bobagem os historiadores podem escrever para acobertar as duvidosas negociações que elevaram os Habsburg como a família mais poderosa de toda Europa por séculos. Os Habsburg foram responsáveis de causar com sua arrogância lamentáveis acontecimentos históricos. Pois bem, a verdade é que após ter caído na armadilha do cerco de Neuss, Carlos não tinha como enfrentar novos confrontos bélicos sem um maior aporte financeiro do ducado e seria sem dúvida menos custoso reconhecer o seu insucesso e aceitar a imposição de um acordo forçado para o matrimônio de sua filha Maria com Maximiliano, filho de Frederico III. Mas, não foi absolutamente apenas esse acordo matrimonial o preço a se pagar pela paz. Não esqueçamos que os Fugger tinham “bancado” toda essa história de Frederico III e esperavam o seu “ganho” como forma de pagamento de favores, então, Frederico III exigiu também o direito de “cunhagem” das moedas usadas no Ducado de Borgonha. Sabem o significa isso? É ter domínio sobre os “ativos” financeiros da região mais próspera da Europa naqueles tempos e ganhar altas porcentagens por isso, além da abertura de todas as portas das associações comerciais, poderosas sociedades fechadíssimas de mercadores regionais como de Bruges e Londres que tinham o poder de comandar todo o comércio da Europa. E quem esperava lucrar mundos e fundos com esse acordo? Ninguém mais que a Fugger Companhia, logicamente. 

O girar da roda da fortuna traria novos prejuízos ao Duque de Borgonha, que em julho de 1475 teve recusado seu pedido de ajuda financeira pelos Países-Baixos borgonheses para rearmar seu exército para nova expedição contra a França em apoio a seu cunhado Eduardo IV, rei da Inglaterra que desembarcara em junho de 1475 em Calais com suas tropas para retomada dos territórios ingleses perdidos por Henrique VI para a coroa francesa, mas tendo sido também prejudicado com o cerco de Neuss pelo apoio dado ao Duque de Borgonha, de modo que em agosto Eduardo IV aceitou a oferta de paz do rei da França Luiz XI e por um bom punhado de ouro e a promessa de receber outro tanto milionário como pensão anual, assim como o compromisso de proteção militar mútua e o retorno à França da rainha Margarida de Anjou, viúva de Henrique VI que estava sob custódia  da coroa inglesa e, também, a promessa de casamento de sua filha Isabel de York com o filho de Luís XI, o delfim Carlos, quando tivesse idade adequada, mais um acordo de matrimonio regado a muitas moedas de ouro. Após ter assinado formalmente o Tratado de Picquigny, Eduardo IV reuniu suas tropas e embarcou para o território inglês, deixando para trás o dito por nunca antes dito, desfazendo seus vínculos com aquele que antes o apoiara na retomada do trono. Carlos, o Audaz, se quedou perplexo com a traição de seu cunhado, que parecia esquecido que fora ele, Carlos, o responsável um dia por ter colocado a coroa real inglesa na cabeça Eduardo IV.

Honrando o acordo secreto assinado e usando do momento decadente borgonhês daquele outono de 1475, René, o duque de Lorraine, aproveitou a oportunidade da derrocada de Carlos, o Audaz, e denunciou a aliança de seu ducado com o ducado de Borgonha, rompendo a aliança, provocando outra situação de armadilha ardilosa para o duque de Borgonha. Quando chegou outubro de 1475, e os exércitos dos antes mercenários suíços, agora legalizados com o empoderamento da união com novos cantões à Confederação Suíça desde abril daquele ano, entraram em conspiração contra Jacques de Savoy, conde de Romond, cunhado de Yolanda de Savoy, irmã de Luís XI, rei da França. Ora, Jacques de Savoy era grande amigo de Carlos, o Audaz, e desde 1473, ele se tornara Governador de Borgonha, Grande Marechal e supremo comandante do terceiro exército borgonhês. Jacques tinha feito da cidade de Berna protetora de seus territórios en Vaud durante sua ausência. Mas, Berna uniu-se à confederação original dos oito cantões aliando-se também ao rei Luiz XI, que estava a reunir forças contra o Duque de Borgonha. Jacques não tinha como retornar a tempo de defender seu território dos suíços, que tomaram Grandson e outras regiões importantes, com horríveis massacres em algumas cidades. Genève e Lausanne, cidades bispados, foram fortemente saqueadas, ao final 16 cidades foram tomadas e 43 castelos invadidos sendo submetidos aos novos senhores suíços. Em 14 de outubro Berna declarou guerra contra Jacques de Savoy tendo como pretexto a hostilidade da população, que as autoridade de Berna tinham aterrorizado com o apoio dos suíços. Tropas suíças aliadas aos rebeldes de Berna entraram em Vaud e massacraram os resistentes feridos. Sem socorro que chegasse, outras vilas do condado de Jacques de Savoy renderam-se antes de serem atacadas. Enquanto isso Jacques de Savoy como um dos principais generais de Carlos, o Audaz, marchava com os exércitos borgonheses para a tomada de Nancy, capital do ducado de Lorraine, e a ocupação de Nancy se deu a 24 de novembro de 1475, e o duque René de Lorraine se refugiou em Joinville, e em futuro próximo as forças suíças chegariam para combater ao lado dele em ocasião estratégica. 

Carlos avançou com seus exércitos para retomar os territórios de Jacques de Savoy tomados pelas forças da Confederação Suíça. Carlos, o Audaz, e Jacques de Savoy chegaram a Grandson em fevereiro de 1476, e colocaram em cerco o castelo de Grandson, localizado no lago de Neuchâtel. Carlos trazia com ele um largo número de tropas mercenárias e pesados canhões, e a guarnição suíça logo ficou temerosa, ao ver a demonstração de poder destruição efetivo que podia causar o bombardeio dos canhões, consideraram que todos poderiam ser mortos se a disputa belicosa continuasse. Os suíços por forte pressão dos rebelde de Berna, organizaram um exército para  dar um alivio à guarnição do castelo. Um bote aproximou-se do castelo para avisar que o socorro estava vindo, mas o bote não tinha como se aproximar muito do castelo porque poderia ser afundado por um tiro de canhão dos borgonheses. O homem no bote gesticulou desesperadamente querendo ser entendido, mas seus gestos foram mal interpretados e a guarnição decidiu se render. Fontes suíças afirmam categoricamente que a guarnição só se rendeu quando Carlos, o Audaz, assegurou que todas as vidas seriam poupadas, enquanto o historiador Panigarola, que acompanhava Carlos, afirmou que guarnição pediu clemência ajoelhada ao Duque de Borgonha, segundo ele, ainda, Carlos não teve misericórdia e ordenou que todos os 412 homens da guarnição fossem enforcados em árvores ou jogados ao lago para se afogarem no dia 28 de fevereiro de 1476, numa cena que o próprio Panigarola descreveu como “chocante e horrível”, em quatro horas todos condenados estariam mortos. Alguns dias depois, no dia 2 de de março, as forças da Confederação Suíça armaram um estratégico ataque aos exércitos borgonheses nas proximidades do vilarejo de Concise, dando lugar ao que se chamou a Batalha de Grandson, onde os exércitos borgonheses sofreram uma vergonhosa derrota, e os soldados foram obrigados a fugir deixando tudo que impedisse de salvar a própria pele. As descrições da batalha exaltam a esperteza tática e estratégica dos confederados suíços e a falta de preparo das tropas de Carlos, o Audaz, para ataques camuflados e inesperados capazes de solaparem todo um exército com cavalaria e a mais bem equipado em sua artilharia, apenas tirando proveito da falta de mobilidade e flexibilidade, assim como fazer uso da capacidade de iludir e levar o oponente a tomar decisões que só irão contribuir para a sua derrota. 


Entretanto, apesar das derrotas nos campos de batalha, aconteceu que Yolanda de Anjou (ou da França) que conspirara contra Jacques de Savoy e contra o próprio Carlos, com seu irmão Luís XI, rei da França, para armar todos os campos de batalha para derrotar o poder do Duque de Borgonha, caiu ela própria nas mãos de Carlos, o Audaz. O que obrigou a Luís XI a intervir a favor da irmã e forçar os suíços a aceitarem o armistício. Em 14 de abril de 1476 a Confederação Suíça e o conde de Jacques de Savoy  concluíram e assinaram um tratado de paz sob o patrocínio do rei da França. O tratado de Fribourg estipulou que os suíços deveriam ser pagos para retornar os territórios de Savoy. Mas, como a casa de Savoy não tinha como pagar o resgate, o território permaneceu nas mãos de Berna, pelo tratado Jacques de Savoy perdeu os seus direitos ao título e aos seus territórios.
Pouco tempo depois, Carlos conseguiu ainda reunir um novo exército de 30.000 homens, chegando a cidade de Murat, a beira do lago Murten, em 11 de junho de 1476, a batalha veio acontecer em 22 de junho, mas ele foi derrotado pelo exército suíço, assistido pela cavalaria de René II, duque de Lorraine. Nesta ocasião as perdas não foram tão vergonhosas como as da Batalha de Grandson, mas certamente um terço de suas tropas morreu à beira do lago enquanto os seus homens eram mortos ao tentar alcançar a segurança na margem oposta. Os  ricos despojos borgonheses dessas guerras estão até hoje bem guardados e expostos nos museus suíços celebrando a grandiosa vitória de seus piqueiros sobre a poderosa cavalaria do exército do Duque de Borgonha.  


No dia 6 de outubro, o Duque de Lorraine recuperou Nancy com o auxílio das forças suíças. Num último esforço, numa tentativa suicida, Carlos, o Audaz, reuniu um novo exército e com todo o orgulho que ainda lhe resta ele se pôs em marcha para Lorraine ao final daquele outono. O sopro de um mortal inverno que logo chegou lhe levou metade dos homens com ele acampados aos muros de Nancy. Quando Carlos, o Audaz, encontrou-se para combater com os exércitos suíço e do duque de Lorraine, o seu próprio exército não constava de mais de algumas centenas de homens que lhe eram leais, entre eles Jacques de Savoy. A Batalha de Nancy ocorreu no dia 5 de janeiro de 1477, e nesse dia tenebroso as últimas forças borgonhesas foram impiedosamente massacradas por seus inimigos. Carlos, o Audaz, lutou até o seu último suspiro e morreu como viveu, com uma coragem destemida inacreditável própria da grandeza de um verdadeiro rei. Mesmo que não usasse uma coroa, Carlos sempre foi o maior rei do seu tempo, por isso seus inimigos o quiseram morto exemplarmente em razão de seu desejo de ser rei, visto por seus pares como uma “afronta” ao status quo hierárquico dos poderes políticos estabelecidos naquela época.  


O corpo de Carlos da Borgonha foi encontrado despido e despojado de toda sua nobreza dias depois, congelado próximo ao rio. Sua cabeça tinha sido partida ao meio pelo golpe de uma alabarda suíça (uma espécie de lança com uma larga foice muito afiada na ponta), seu dorso e estômago estavam transpassados por lanças, seu rosto estava de tal forma mutilado pelas mordidas de animais selvagens e vermes que não poderia ser identificado. Se não fosse seu físico particular (médico) reconhecer as longas unhas de seus dedos das mãos e as cicatrizes de antigos ferimentos de batalha de seu corpo, ninguém teria reconhecido no cadáver daquele pobre coitado o homem mais poderoso entre todos os homens de seu tempo, que de tão ameaçador que todos seus desafetos uniram-se para o matar.  Não foi permitido que o corpo de Carlos voltasse ao Ducado de Borgonha. A proibição teve como intuito impedir uma comoção revoltosa entre os borgonheses. O corpo de Carlos foi enterrado na igreja do ducado de Lorraine pelo próprio René. Somente, em 1550, seu neto Carlos V de Habsburgo, então imperador do Sacro Império Romano Germânico, transportaria seus restos mortais para a Igreja de Nossa Senhora, em Bruges, tendo seu túmulo definitivo ao lado de sua filha Maria. Contudo, escavações de 1979 identificaram os restos mortais de Maria, mas de Carlos nada foi encontrado, possivelmente seus restos viraram pó. Quanto a René, o duque de Lorraine, esse viria a ser prejudicado por disposições desfavoráveis do seu acordo com o rei da França, Luís XI tomou-lhe a maior parte da sua herança. 
Carlos de Borgonha foi descrito pelos cronistas de sua época e posteriores como um personagem com forte personalidade, austero, virtuoso e impiedoso, que incitou a muitos atribuírem o cognome de “Temerário”, “Terrível” ou “Insolente” porque esses termos podem ser encontrado em crônicas de 1484, eu particularmente usei o termo “Audaz”, porque para mim Carlos de Borgonha tinha uma audácia corajosa invejável, não apenas no que diz respeito ao seu modo de fazer guerra, mas também quanto a sua coragem na busca do seu progresso e daqueles que o apoiavam. Seus contemporâneos que conviveram com ele o descreveram como um homem direito, franco, piedoso, generoso em suas caridades e um esposo fiel, familiar e alegre com os seus, evitando sempre de ser grosseiro com quem quer que fosse, em tudo um cavaleiro e bem educado. Exatamente por isso que se fez um homem de coragem excepcional. Era um homem muito instruído para o seu tempo, dotado de uma grande responsabilidade e disposição de trabalho. Tocava harpa, compunha canções e melodias, e foi protetor da Escola dos Compositores de Borgonha, agrupando aqueles que viriam a constituir o corpo da famosa escola franco-flamenga. A experiência da vida tirou-lhe a ingenuidade quanto a existência de uma natureza humana benigna pregada pela filosofia humanista do renascimento, e o fez ter mão forte na condução de seus interesses, sendo considerado por isso impiedoso e tirânico. Para ele, a guerra passou a ser o único modo de obter o que queria, já que estava engessado em suas ambições por tradições políticas eclesiásticas de Roma de um lado e de outro por tradições e protocolos de uma sociedade estratificada e hierárquica em que a posição social de um indivíduo era estabelecida por Deus em seu nascimento, e só Roma teria o direito divino de elevar alguém de sua posição original. Se os burgueses como os Fugger tudo faziam para alcançar um status ínfima nobreza, quanto mais o faria um grande nobre como Carlos de Borgonha para elevar seu ducado ao status de reino independente tornar-se um Estado, uma monarquia nacional. Na prática o Ducado de Borgonha já era o Estado mais importante e rico que muitos reinos de seu tempo, e é isso que ele tenta demonstrar e expor claramente aos olhos de todos e da própria história no encontro de Trier. Séculos mais tarde Napoleão ao derrubar o circulo de ferro dos Habsburgo faria o que Carlos de Borgonha não ousou fazer e colocou uma coroa imperial na própria cabeça sem as bênçãos de nenhum papa de Roma. 
Os cronistas defensores de Luís XI, rei da França, acusam Carlos de Borgonha de recorrer à força para obrigar voluntários a integrarem seus exércitos a fim de obter aquilo que desejava e de fazer a guerra porque amava guerrear por guerrear, pelo prazer da competição apenas, em contraposição à atitude do rei da França, para quem a guerra era uma atividade prosaica desprovida  de valor intrínseco e destinada a servir a ambições políticas daqueles que a preferem a fazer uso da diplomacia. Para Carlos de Borgonha, ainda dizem eles, a guerra tinha um caráter sacro, enriquecido de todos os mitos colecionados pela civilização que animaram as almas de grandes guerreiros como Alexandre, O Grande, e igualmente os cruzados, para os quais o campo de batalha é um espaço privilegiado da proeza individual de transcender e aprender ao preço do sofrimento psíquico e moral, com o martírio de seu corpo e espírito. O historiador Philippe de Commynes assegura que o duque de Borgonha, a partir de 1472 deu testemunhos de uma ferocidade que não lhe fora comum até aquele tempo. Segundo sua esposa na época, Margarida de York, o falecimento da duquesa Isabel de Borgonha (Isabel de Portugal) sua mãe, em 1471, foi por demais sentida por Carlos, e internalizando seus sentimentos, isso modificou sua maneira de ser radicalmente. Há quem acuse Carlos de Borgonha de ter sido tomado de grande orgulho e arrogância ao se ver com todas as rédeas do poder de Borgonha nas mãos. De fato o que realmente transparece é um temperamento empreendedor e um desejo crescente de progresso, o desejo de restaurar o reino de Borgonha, em sua extensão territorial no século XII. Em novembro de 1471, Carlos de Borgonha se declarou independente da suserania do rei da França. Dessa vontade de não ser mais vassalo nem em teoria de dois sobramos europeus, fosse o rei da França, fosse do imperador do Sacro Império Romano Germânico, Carlos dava andamento ao projeto de seu pai de uma coroa real para Borgonha. Quando Carlos passa a defender a recuperação de um reino de Borgonha, também se habilita à recuperação do território desse reino pelo acordo de tripartite com a França.
A verdade é absurda, quando Carlos da Borgonha falava a respeito de sua idéia de um reino carolíngeo da Lotaríngia, Carlos falava de diferentes reinos da Borgonha do passado: dos burgundios, dos merovingeos, dos benvinidos e dos weffs. Sim, existira um reino da Lotaríngia entre 855 e 900, mas que passados 500 anos já fora inteiramente esquecido, apesar de haver souvenirs dos diferentes reinos da Borgonha, era preciso recordar por seu título principal dos Estados Borgonheses. De modo que pelo acordado para o encontro de Trier, realizado de 30 de setembro à 25 de novembro de 1473, Frederico III que tinha decidido durante as negociações prévias aceitar a  independência da suserania do Sacro Império Romano-Germânico do ducado de Lorraine, do  ducado de Savoy (que incluía o Piemonte, Bresse e Bugey, e a oeste a atual Suíça com Genève e Lausanne), o ducado de Clèves, com Utrecht, Liège, Toul e Verdun, que se tornariam Estados vassalos do novo Reino da Borgonha, porquanto esses territórios fizeram parte do antigo reino da Borgonha até o século XII. O problema foi Carlos de Borgonha querer para si o titulo de “Rei dos Romanos”, um título que caberia ao herdeiro de Frederico III, seu filho Maximiliano de Habsburg, o Arquiduque da Áustria, o qual, se tal acordo tivesse sido aceito, pelo casamento com Maria, filha de Carlos, seria preterido e só após a morte de Carlos teria direito à coroa imperial. Essa parte, não fora acordada anteriormente e quando colocada na mesa de negociações por Carlos de Borgonha veio a ferir de morte os brios germânicos de Frederico III, e essa foi a causa real das “Guerras de Borgonha”, não outra:  pois tudo era passível de ser negociado, menos a coroa imperial. Mais inacreditável ainda é pensar que esse projeto de Carlos de Borgonha serviu para os planos de desmantelar a França feitos por Hitler e Himmler durante a Secunda Guerra Mundial no século XX: um Estado da Borgonha aliado à Alemanha nacional-socialista, que foi até criado e confiados Léon Degrelle, que foi chanceler da Borgonha, e isso mais de quatrocentos e tantos anos depois da morte de Carlos da Borgonha. Tal fato só evidencia que tem que certos sonhos que parecem que nunca morrem. 
Se Carlos da Borgonha ambicionou e empreendeu em direção ao objetivo da reconstrução de um reino da Borgonha, mesmo que ninguém mais soubesse ou se recordasse de que em algum tempo tivesse ele existido, ele não pode ser condenado por seu empreendedorismo, mesmo que naquele tempo tal atitude não fosse compreendida, e nem se falasse em tubarões do capitalismo, mas é preciso lembrar que o Ducado de Borgonha era uma espécie de Estados Unidos da sua época, uma verdadeira terra de oportunidades para quem quisesse se aventurar e tornar-se rico por seus próprios esforços e meios. Que o testemunhem os mercadores portugueses que tinham em Bruges a mais importante associação comercial daqueles tempos, com uma influência política incomum para época. Diga-se de passagem que tal situação de grandiosa importância comercial do Ducado de Borgonha era deveras do conhecimento da Casa Fugger, que ambicionava ter uma posição tão privilegiada ou maior que a dos Medici no tabuleiro de xadrez europeu.
Falecido Carlos de Borgonha, em 5 de janeiro de 1477, a cerimônia de funeral sem corpo presente do duque teve lugar no dia 25 de janeiro, na Igreja de Saint-Jean de Gand, onde povo acorreu em grande número para a cerimônia. Logo passado esse dia de luto os problemas começaram a aparecer, cabendo à duquesa-viúva Margarida (de York) ser a protetora de sua enteada Maria de Borgonha, então com 19 anos, filha de Carlos da Borgonha com Isabel de Bourbon, pois sendo ela mesma estéril não concebera nenhum filho de Carlos. De sorte que Margarida pode contar com os préstimos de Jacques de Savoy, fiel general e amigo de Carlos, que perdera todas as suas posses durante o malfadado episódio das “Guerras da Borgonha”, arquitetadas para destruir as ambições de Carlos da Borgonha. Naquele momento após quatro anos de batalhas perdidas, os vastos territórios do Ducado de Borgonha passam por sérias dificuldades econômicas, principalmente devido ao bloqueio comercial imposto pela França. Além do mais, Luís XI, o rei da França que achava que “a guerra era uma atividade prosaica desprovida de valor intrínseco e destinada a servir a ambições políticas daqueles que a preferem a fazer uso da diplomacia”, desembaraçado de seu poderoso rival Carlos, o último membro da casa real francesa Valois e Duque de Borgonha, prontamente ordenou aos seus exércitos para se moverem para as fronteiras com o Ducado de Borgonha de maneira ameaçadora, para intimidar os borgonheses. Em 15 de janeiro de 1477 as tropas francesas fizeram cerco a Dijon, e atacaram os condados da Picardia e de Artois. Com a perigosa situação, e antevendo que o ducado sozinho não teria como defender-se da investida francesa, os Países-Baixos borgonheses foram os primeiros a se rebelarem e contestam o poder centralizador econômico e político que mantinha unido o Ducado de Borgonha outros Estados vassalos. Foi nessa situação acuada, que Maria de Borgonha, aconselhada por sua madrasta, convocou a reunião dos Estados Gerais e em 11 de fevereiro de 1477, onde assinou o termo do Grande  Privilégio, uma carta de direitos e numerosas concessões, notadamente o retorno a autonomia das cidades e províncias, o restabelecimento de direitos, privilégios, liberdade e costumes existentes antes da vassalagem ao Ducado de Borgonha e particularmente o uso do idioma francês, que não era mais obrigatório nos atos administrativos. Maria foi obrigada a se desfazer de seu poder em muitas das grandes cidades para manter sua autoridade e sua herança. 

Luis XI, ao mesmo tempo que intimidava com suas ações militares a jovem duquesa de borgonha, também tomava uma série de procedimentos jurídicos, para justificar as conquistas recentes e que ele esperava maximizar. Uma das principais artimanhas jurídicas foi um processo póstumo de “Lesa-majestade” contra o Carlos de Borgonha, que lhe permitiria tomar todos bens de direito do ducado sem ter que dar nenhum direito de retorno a Maria, considerando que sendo o Ducado de Borgonha por direito subordinado à coroa da França estaria este também subordinado às suas leis e, nesse caso, a hereditariedade direta feminina simplesmente não era reconhecida, cabendo apenas o direito de hereditariedade a linhagem masculina, e não havendo herdeiros homens, o ducado por direito retornaria à coroa da França.

Ora, essa intensa pressão do rei da França sobre a jovem duquesa de Borgonha, não passou desapercebida ao imperador Frederico III, que não retardou em tomar uma posição protetora em relação a Maria de Borgonha. Com o total apoio da duquesa-viúva Margarida de Borgonha (de York), Maria de Borgonha esposou por procuração a 21 de abril de 1477, o futuro imperador do Sacro Império Romano Germânico, Maximiliano de Habsburg, então com 18 anos. Maximiliano chegou ao ducado de Borgonha em 5 de agosto e em 17 de agosto  finalmente chegou ao Castelo de Ten Waele, em Gante, onde conheceu Maria e teria dito que ela estava “pálida como a morte”, mas mesmo assim caíram ambos ao gosto mútuo e logo se dando aos sutis prazeres do cortejo do amor cortês. No dia seguinte, 18 de agosto de 1477, foi celebrado o casamento. Assim concretizando a aliança negociada desde 1473 com um rio de sangue, mas que deu origem a um dito sobre os Habsburgo: “Deixem os outros travarem guerras, mas você, feliz Áustria, se casará.” O dito logo se fez lema da dinastia. Mas, aqui nesse breve relato, foi bem explicado o motivo real desse irônico apanágio dos Habsburg. 


De maneira nenhuma o rei da França Luís XI estava de acordo com o casamento de Maximiliano Habsburgo com Maria de Borgonha, e insistia em sua campanha contra o Ducado de Borgonha, o reclamando para a coroa francesa, porquanto, como mencionado anteriormente, pela “Lei Sálica” de sucessão do trono da França, as mulheres eram “excluídas” de “direitos hereditário”, recordando que o ducado no passado fora estabelecido em decorrência de um membro da casa real francesa de Valois. Em 22 de julho de 1478, Maria deu à luz a um herdeiro, que recebeu o nome de Felipe, o Belo. O rei Luís XI da França lançou rumores de que a criança era na verdade uma menina. A madrasta de Maria, Margarida de York, como madrinha da criança, desmentiu o boato de maneira irrefutável, produzindo um fato que não admitia contestação: no dia do batizado, ela despiu a criança para que toda a multidão visse a prova física de masculinidade e não pairasse mais dúvida de ser um menino. Naquele ano também, em reconhecimento à sua lealdade Jacques de Savoy foi honrado com a ordem de cavalaria borgonhesa do Tosão de Ouro, fundada por Felipe III, o Bom, em 1430 e ele continuou servindo à Maria de Borgonha e a seu marido Maximiliano de Habsburg. Em 7 de agosto de 1479, Jacques de Savoy participaria corajosamente da batalha de Guinegatte,  no condado de Artois, onde foi ferido ajudando a combater o exército de Luís XI da França e manter o condado de Flanders para Maria de Borgonha. Na batalha de Guinegatte o Arquiduque da Áustria, Maximiliano de Habsburg fez uso pela primeira vez de uma formação oficial de piqueiros suíços do exército da Confederação Suíça. Devido ao seu testemunho do fracasso da Batalha de Nancy, de onde saíra ferido e que resultara na morte de Carlos de Borgonha, Jacques de Savoy recomendou ao Arquiduque que empregasse em seus onze mil homens das tropas à pé o método da tática de combate usada pelos suíços e formasse esquadrões de piqueiros que eram capazes de derrubar a melhor das cavalarias com seus lanceiros. O Arquiduque formou dois grandes quadrados de infantaria, uma delas foi comandada pelo conde Engelbert de Nassau, que também lutara com Carlos de Borgonha em Nancy. O outro foi comandado pelo, então, Conde de Romont, Jacques de Savoy. Por sua vez o arquiduque Maximiliano em vez de seguir o costume da época e comandar a cavalaria, juntou-se a um esquadrão de infantaria formado com 200 dos seus nobres, e não eram eles apenas da pequena nobreza, ao contrário, pertenciam ao quadro dos mais proeminentes, e esses nobres foram posicionados junto com Maximiliano nas primeiras fileiras dos esquadrões, algo que nunca antes se viu fazer. Os tempos mudavam, até no modo de se fazer a guerra, dando a ela um novo contexto de honra e glória. Com a nova estratégia, os exércitos de Luís XI da França sucumbiram ao ataques combinados do Arquiduque Maximiliano da Áustria, que conseguiu assegurar por mais algum tempo os territórios do ducado de Borgonha de sua esposa.  
Em 10 de janeiro de 1480, um segundo filho nasceu a Maximiliano e Maria, sendo uma menina recebeu como homenagem o nome da madrasta de Maria e madrinha também desta criança: Margarida. No verão daquele ano, vendo a instabilidade do Ducado de Borgonha, Margarida embarcou para Londres, onde ao fixar sua residência na corte inglesa tinha por objetivo garantir o apoio militar de seu irmão, o rei Eduardo IV da Inglaterra. O rei inglês apesar de seu acordo secreto anterior de 1473 contra o duque Carlos de Borgonha com Luís XI da França, estando agora o duque morto e sua filha casada com o filho do Imperador Frederico III do Sacro Império Romano Germânico, considerando os sérios interesses da associação comercial de Londres, a poderosa Mercer’s Company, em seus negócios com o Ducado de Borgonha, enviou apoio armado suficiente para que Maria e Maximiliano resistissem aos avanços franceses. Luís XI reconheceu o perigo que Margarida de York representava aos seus interesses, então tentou comprá-la com uma generosa pensão da coroa francesa e uma promessa de protegê-la pessoalmente. Em vez disso, Margarida recusou a oferta e negociou uma aliança anglo-borgonhesa e a renovação do comércio entre Londres e Bruges. 
Mas, a fatalidade não tira férias. Era um dia lindo de março, quando a duquesa Maria de Borgonha, mesmo estando grávida de seu terceiro filho, não resistiu à sua paixão de cavalgar para caçar com falcões ao lado de seu marido, nos campos e bosques nas proximidades da cidade de Bruges, foi vitimada por um acidente. Por algum motivo o cavalo de Maria se assustou, refugou, empinou e desequilibrado foi ao chão, vindo a cair sobre ela. Maria quebrou a espinha e agonizou por dias até que veio a falecer em 27 de março de 1482. Durante o período de sua agonia, a duquesa de Borgonha teve tempo de fazer um testamento detalhado. O contrato de matrimônio do casal estabelecia que apenas os filhos deles teriam direito de herança, com a exclusão da parte do casal sobrevivente. Maria em busca de desconsiderar essa cláusula, buscou transferir os territórios do ducado como “doação” em vida ao seu marido em caso de seu falecimento. Mas, a expressão de sua vontade no leito de morte foi contrariada. Maria de Borgonha faleceu com apenas 25 anos e foi sepultada na Igreja de Nossa Senhora de Bruges. 

A morte de Maria foi um duro golpe para o ducado de Borgonha, enfraquecendo o Estado ainda mais. As províncias dos Países-Baixos (Holanda e Bélgica) foram hostis à regência de Maximiliano em nome do seu filho, então com 4 anos. de idade.  Os três estados dos Países-Baixos acordavam com Luís XI da França, com o objetivo de forçar Maximiliano a desistir do Franco-Condado (região da cidade de Besançon) e de Artois para França. A rebeldia flamenga levou Maximiliano a negociar um tratado de paz com Luís XI da França, no qual conseguiu reverter a situação na crise de sucessão levantada pelos Países-Baixos. No dia 23 de dezembro de 1482, foi assinado o Tratado de Arras, onde foi acordado que sua filha a Arquiduquesa Margarida da Áustria e condessa de do Franco-Condado e Artois, então com quase três anos, casar-se-ia com o Carlos, o Delfim da França (futuro Carlos VIII), trazendo como seu dote o Franco-Condado e Artois para a coroa da França, que permitiu reter a maior parte dos territórios borgonheses exceto o condado de Flanders que passou para Maximiliano, o que originaria uma nova rebelião em 1492, em razão do desejo de recuperar a liberdade que tiveram no tempo de Maria de Borgonha. Dessa feita, o imperador Frederico III do Sacro Império Romano Germânico interviu e Maximiliano continuou a governar o ducado de Borgonha em nome de seu filho Felipe, o Belo. A regência foi um período difícil para Maximiliano. 

Após completar 3 anos, em 10 de janeiro de 1483, a pequena Margarida da Áustria foi conduzida para ser elevada como “filha da França”, sob os cuidados da filha de Luís XI, Ana da França, vindo a receber uma cuidadosa educação vivendo no Loire.  Ela logo se afeiçoou por seu noivo, então com quase treze anos, que também se apegou de muito ternura pela pequenina Margarida, com quem conviveria por oito anos intimamente. E, assim, através de um novo acordo matrimonial a paz teve seu lugar. Mas, em 30 de agosto de 1483, o grande inimigo do Ducado de Borgonha, Luís XI da França, faleceu em sua cama vítima de um derrame cerebral enquanto dormia. Seu filho, Carlos, dito o Afável, que acabara de completar 13 anos, sucedeu ao seu pai como Carlos VIII, tendo como regente até seus 21 anos, sua irmã mais velha Ana da França e seu marido Pedro II de Bourbon. 

Por iniciativa de seu pai Frederico III, Maximiliano fora eleito Rei dos Romanos em 16 de fevereiro de 1486 em Frankfurt e foi coroado em seguida a 9 de abril. Ocorreu que algum tempo depois, Francisco II, Duque da Bretanha faleceu e foi sua herdeira Ana da Bretanha, que no intuito de proteger o seu ducado do avanço da coroa da França, em troca de proteção casou-se por procuração com então viúvo Maximiliano I, no ano de 1490, sem pedir autorização à coroa da França de quem o ducado era vassalo nos mesmo moldes que o Ducado de Borgonha. Carlos VIII, ao completar seus 21 anos, temendo ter seu território cercado pelo poderosos Habsburgo investiu com seu exército contra a Bretanha e após a tomada de Nantes e o sítio de Rennes, Ana percebeu que não poderia contar com a proteção de Maximiliano, naquele momento envolvido em batalhas para a retomada dos territórios da Áustria das mãos dos turcos que avançaram pela Hungria e conquistaram Viena. Tendo em vista a perda iminente da vassalagem do Ducado da Bretanha, em 1491, Carlos VIII reenviou Margarida, menina-moça em seus onze anos de volta para o Ducado de Borgonha, para poder se casar por interesses políticos com Ana da Bretanha. Sentindo-se preterida e desprezada, Margarida da Áustria tomou profundo rancor em relação à França. O casamento por procuração com Maximiliano I foi repudiado por Ana da Bretanha, que aceitou casar-se com Carlos VIII da França, a cerimonia teve lugar em 6 de dezembro de 1491, a noiva tinha apenas 14 anos e o noivo 21 anos. Com o repúdio do compromisso de matrimônio selado por Luís XI e Maximiliano I pelo tratado de Arras, também o dote de Margarida da Áustria foi renunciado por Carlos VIII. Apesar de receber de volta os territórios borgonheses do dote da filha, Maximiliano tomou-se de brios contra Carlos VIII, e passou a conspirar contra o jovem rei da França. Com a morte de Frederico III, em 19 de agosto de 1493, aos 77 anos, Maximiliano tornou-se o novo imperador do Sacro Império Romano Germânico.

Carlos VIII da França, imbuído de sonhos de cavalaria de conquistas e glórias se empenhou numa empreitada duvidosa de reconquistar o reino de Nápoles, antes pertencente à Casa de Anjou da França e que fora tomado pela coroa de Aragão, e obteve sucesso na empreitada em 22 de fevereiro de 1495, mas desguarnecidas de proteção as fronteiras francesas e seus territórios ficaram vulneráveis aos inimigos, o que obrigou Carlos VIII retornar prematuramente com suas tropas, levando consigo um vasto carregamento de obras italianas, que seriam responsáveis por introduzir a influência da corrente do Renascimento nas artes francesas. Apesar de sonhar com um retorno militar para conquistas na Itália, quis o destino de outra maneira. A fatalidade bateu à porta de Carlos VIII, no dia 7 de abril de 1498, quando desfrutava dos prazeres de sua residência favorita, o castelo de Amboise, quando ele estava  se entretendo em jogar “jeu de paume” (que originou o atual jogo de tênis com raquetes e bola), por distração o rei bateu violentamente a testa no umbral pedra, tombou, e morreu instantaneamente com uma fratura no crânio.. Porém, é difícil saber se morreu antes ou depois de bater a testa, pois suspeita-se que seu sucessor Luís d’Orleans o tivesse envenenado, certo é que o rei caiu morto, assim sem mais nem menos, aos 27 anos, colocando um fim na Dinastia dos Valois e deixando vago o trono da França. Os seis filhos que tivera de Ana da Bretanha todos tinham falecido prematuramente, e pelo acordo de casamento caso viesse a falecer sem herdeiros varões, Ana da Bretanha estaria obrigada a casar-se com o herdeiro da coroa da França. Três dias após a morte de seu marido, os termos do contrato de seu contrato de casamento entraram em vigor. Contudo o novo pretendente da coroa da França, Luís d’Orleans, era casado com Joana de Valois, Duquesa de Berry,  irmã de Carlos VIII, com a qual Luis XI obrigou ele a casar-se, sendo ela deformada e manca,  sendo que o único intuito de Lu’s XI na obrigatoriedade desse casamento tinha sido o de colocar um fim a casa real d’Orleans. Negociando a doação de um ducado a favor de César Borgia, filho do papa Alexandre VI, Luís d’Orleans obteve o divórcio e assim casou-se com Ana da Bretanha em 8 de janeiro de 1499, e o casamento gerou duas filhas: Claudia da França e Renata da França. Sem herdeiros homens, Luís XII foi o único rei da casa real Valois-Orleans. 

Os ventos da mudança também sopraram em Londres, onde adoentado o rei Eduardo IV veio a falecer em 1483, para que finalmente seu irmão mais moço subisse ao trono como Ricardo III, que veio a morrer na Batalha de Bosworth, última batalha da Guerra das Duas Rosas, onde a vitória foi de Henrique Tudor, Conde de Richmond, primo e sobrinho de Henrique VI, dando a vitória assim à casa de Lencastre, com isso a casa real de York chegou ao seu termo. Henrique Tudor, casou-se com a filha de Eduardo IV, Isabel de York, fundando a casa real Tudor, e sentou-se no trono inglês como Henrique VII. 


Em 1493, o Ducado de Borgonha recuperava-se do mau período sofrido após a morte de Carlos de Borgonha, em 1477, sua viúva Margarida de York, então protegida de Maximiliano contribuía muito para que a paz reinasse e para aliviar as obrigações familiares sendo praticamente a tutora dos herdeiros do ducado. Assim, Margarida recebeu com muito carinho o retorno da pequena Margarida da Áustria após ter sido repudiada por Carlos VIII da França. Em 19 de agosto de 1493, com a morte de seu pai Frederico III, Maximiliano se tornou o novo imperador do Sacro Império Romano Germânico. No ano seguinte, seu filho o jovem Felipe, o Belo estabeleceu-se como Duque de Borgonha aos 16 anos, o que trouxe a desejada estabilidade ao ducado. Ao final do ano de1496, realizou-se um duplo casamento dos filhos de Maximiliano negociando com os Reis Católicos Dona Isabel de Castela e Rei Dom Fernando II de Aragão, unindo assim casa imperial dos Habsburgo com a casa real espanhola de Castela e Aragão. Margarida da Áustria casou-se com João, príncipe das Astúrias, herdeiro do trono de Castela e Aragão, enquanto Felipe casou-se com a irmã de João, Joana I de Castela, que mais tarde seria mais conhecida como “Joana, a Louca”, devido a seu amor insano pelo esposo.
Apesar da súbita paixonite que o herdeiro da coroa de Castela e Aragão foi tomado pela bela jovem noiva Margarida, a lua de mel duraria apenas seis meses, logo a saúde frágil de João o levou desse mundo, deixando sua esposa grávida em 4 de outubro de 1497. Poucos meses depois em 8 de dezembro a pobre Margarida deu à luz a uma menina natimorta. Ela permaneceu ainda dois anos na Espanha e só retornaria ao Ducado de Borgonha aos vinte anos, em 1500, para assistir o batismo de seu sobrinho e afilhado, Carlos da Áustria. 


O casamento de Felipe, o Belo, com Joana, também não foi muito feliz, vindo a ser marcado pela infidelidade do Duque e a o ciúme apaixonado de sua esposa. Em 1498, Joana teve uma filha Leonor. Em 1500, ela deu à luz a um filho, que recebeu o nome de Carlos em homenagem ao seu bisavô, Carlos, o Audaz. No ano seguinte de 1501, ela deu à luz a mais uma filha, que foi chamada de Isabel. Quando em 1502, o duque e a duquesa de Borgonha foram para Castela, para a proclamação como herdeiros da coroa de Castela e Aragão, eles deixaram os filhos com a duquesa-viúva Margarida (de York), que sem dúvida teve uma grande responsabilidade e influência na criação das crianças. Segundo relatos, as histórias narradas por ela ao jovem Carlos sobre a Guerra das Duas Rosas, foi a razão de sua inspiração de um “cavalheirismo romântico” e ideais missionários borgonheses. Todavia,  a duquesa-viúva Margarida (de York) veio a falecer logo após o retorno do jovem casal real, trazendo o recém-nascido Fernando, à Borgonha, em 23 de novembro de 1503, com a idade de 57 ano, sendo poupada do sofrimento de ver seu afilhado Felipe, o Belo, falecer prematuramente de febre tifóide em 1506. Antes de sua morte Felipe ainda gerou mais duas herdeiras com a rainha Joana: Maria (1505) e Catarina (1507). 
Em 1494, quando Carlos VIII tinha investido na sua expedição armada na reconquista do reino de Nápoles, ele teve a principio como aliado o governante de Milão, Ludovico Sforza, ele permitiu que as tropas francesas passassem através de Milão para que pudessem atacar Nápoles. Mas, como logo ficou evidente, Carlos VIII não se satisfaria apenas com Nápoles, e logo estava a reclamar Milão para a coroa da França também. Então foi nesse momento que Ludovico formou uma aliança com o Imperador Maximiliano I e ofereceu em casamento sua sobrinha Bianca Sforza em troca de receber a investidura imperial de “Duque” e juntando-se a liga imperial contra a França. Ora, Ludovico era casado com Beatrice I d’Este, filha do Duque de Ferrara, sitio próximo a Florença, e tivera seu casamento orquestrado por ninguém mais que Leonardo Da Vinci! Beatrice foi responsável por transformar a corte de Milão em uma das mais sofisticadas da Europa e foi patrona das artes e filosofia renascentista. Uma influência que Bianca como nova imperatriz do Sacro Império Romano levaria também como dote, embelezando em muito a corte imperial de Maximiliano.

Maximiliano mais uma vez teve de sofrer com mais uma fatalidade trazida pelo destino: a morte de seu herdeiro, o rei Felipe I, rei de Castela e Duque de Borgonha, obrigou Maximiliano a agir prontamente em defesa das conquistas feitas pela casa imperial dos Habsburgo, porque o também viúvo Fernando de Aragão, que se casara com uma sobrinha do novo rei da França, Luís XII (Luís d’Orleans) em 1505, estabelecera com seu novo casamento uma aliança entre os reinos de Aragão e da França. A morte de Felipe I, filho de Maximiliano, deixara a filha de Fernando de Aragão, que tão inteiramente fora de si passou a ser chamada de Joana, a Louca. Com a demência da filha, Fernando de Aragão reclamou para si a tutela de seu neto Carlos, o novo Duque de Borgonha e herdeiro direto da coroa de Castela, a tutela caso obtida daria ao rei católico poderes de regência sobre os amplos domínios que seriam herdados pelo seu neto, o jovem Carlos de Habsburgo. Para enfrentar os avanços do ambicioso rei católico, Maximiliano chamou às pressas o auxílio de sua filha Margarida Habsburg da Áustria (Duquesa-viúva de Savoy) para tomar controle da situação no ameaçado Ducado da Borgonha.

Em 1489, Henrique VII da Inglaterra se esforçou para firmar a sua casa real de Tudor no recém-conquistado trono inglês, para tanto ele precisava contar com apoio de algum reino Estado formal, para não ter seu direito contestado. Pois a contestação de seu direito ao trono poderia vir tanto da parte do ducado de Borgonha e do Sacro Império Romano, porquanto a duquesa-viuva Margarida (de York) ainda estava viva, como da França estava sempre a pretender o trono inglês. Por conta desta situação delicada é que negociou um tratado com os Reis Católicos, que indiretamente acertaram também um acordo com Maximiliano I, por serem aparentados com o casamento dos filhos. Por sua vez, em 1492, a França acordou de abrir mão de suas pretensões ao trono da Inglaterra. Com as novas circunstâncias favoráveis as negociações prosseguiram. Os Reis Católicos exigiram de Henrique VII todas as garantias necessárias para a estabilidade do trono Tudor e foram generosos no dote  de casamento de sua filha mais nova Catarina com o primogênito do rei Henrique VII com Isabel de York, o jovem Arthur. Assim, pelo tratado de Medina del Campo, Arthur casou-se com Catarina de Aragão por procuração em maio de 1499, e os nubentes mantiveram  constante correspondência em latim enquanto aguardavam que Arthur tivesse quinze anos, idade adequada para o casamento de fato. É preciso não esquecer que Catarina era irmã de Joana a Louca e tia dos filhos dela com de Felipe, duque de Borgonha, e essa informação será fundamental para os futuros acontecimentos que viriam a se desenrolar em relação aos rumos do trono inglês. Foi a partir do acordo matrimonial de Arthur Tudor com Catarina de Aragão que a Inglaterra passou a cunhar pela primeira vez a sua própria moeda: o “soberano” de ouro com 0,7317 g. de ouro,  com o intuito de fortalecer a casa Tudor no trono inglês, e ingressar a Inglaterra no novo status político europeu em voga de uma Monarquia Nacionalista. Em 1501, Arthur Tudor (1486-1502), príncipe de Gales e duque da Cornualha, então com 15 anos, casou-se em 14 de novembro de 1501 com Catarina de Aragão (1485-1536), com 16 anos, na antiga catedral de Saint Paul em Londres. Mas, não antes do zeloso rei Henrique VII conferir que Catarina não tinha nenhuma má formação física, e surpreender-se com a beleza e graça da princesa espanhola. O jovem casal foi passar sua lua de mel no Castelo de Ludlow, que se tornara a capital do principado de Gales. O frio e a melancolia do castelo não convidavam a alegria aos nubentes, não precisou tardar que o clima lúgubre do local levou o jovem Arthur a falecer de uma doença indeterminada em 2 de abril de 1502, doença essa que afetou Catarina também, mas ela sobreviveu. A morte do primogênito abateu o rei Henrique VII e sua esposa Isabel de York, tanto que ambos não conseguiram comparecer às cerimônias de funeral e a jovem Catarina foi obrigada a tomar sozinha todas as providências. Arthur foi sepultado na Catedral de Worcester, e como era de costume Catarina foi isolada para guardar seu luto e viuvez. Isabel de York se esforçaria em consolar Henrique VII da perda de Arthur e seu esforço levou a uma nova gravidez, a qual deu a luz à Catarina Tudor, que morreu logo após nascer em 2 de fevereiro de 1503, nove dias depois no dia de seu aniversário e Isabel de York seguiria no mesmo destino vitimada de uma infecção.  


Se para alguns a morte fecha uma porta para outros ela abre janelas. Para um analista de personalidade Henrique Tudor (1491- 1547), o duque de York, teria sem dúvida um caráter mais robusto com as qualidades de firmar a casa Tudor no trono inglês do que o seu frágil irmão Arthur. Henrique era mais bem talhado em seu caráter à função, e pelo visto o destino também assim o julgou. 
Após a morte de seu filho primogênito, Arthur, em 1502, Henrique VII não tinha o menor interesse em perder o rico dote trazido por Catarina de Aragão à coroa inglesa Tudor e menos ainda a aliança com o reino de Castela e Aragão, então intimamente ligado com o Sacro Império Romano pelo casamento de Felipe, o Belo, duque de Borgonha com Joana de Aragão, irmã de Catarina, e futuros reis de Castela, e herdeiros da coroa de Aragão. Assim Henrique VII entrou em negociação com o papa Julio II, para que  a sua nora, estando viúva, pudesse casar-se novamente com seu filho menor, Henrique, na época do falecimento do irmão com apenas 10 anos. A idéia germinou imediatamente e um acordo de casamento foi assinado em 23 de junho de 1503. As leis religiosas de Roma interditavam o casamento entre membros da mesma família, de modo que a dispensa papal se fazia necessária, e foi pedida e devidamente encaminhada por Henrique VII e o embaixador dos reinos de Castela e de Aragão. Em dezembro de 1503, Julio II assinou a desejada dispensa de casamento, levando em consideração que Catarina estivera apenas casada por seis meses, permanecendo “virgem e o casamento não fora consumado”. Julio II, conhecido como o papa-imperador, que confrontou-se com os aragoneses  Borgia, tornou-se famoso como mecenas das artes, responsável por destruiu e dar inicio a reconstrução da Basílica de São Pedro, a qual faria nome de arquitetos, escultores e pintores do Renascimento italiano. Julio II tinha pois todo o maior interesse financeiro nos assuntos ligados às Grandes Navegações, e as fortunas advindas da descobertas de portugueses e espanhóis, assim como não iria contrariar bons aliados como o imperador Maximiliano I do Sacro Império Romano Germânico, que proveria para sua guarda pessoal, a famosa Guarda Suíça de bravos piqueiros. Em 1503, o papa Julio II pediu à Confederação Suíça, para providenciar para ele corpo de 200 piqueiros suíços. Seu desejo foi financiado por ninguém mais que Ulrich Fugger, da próspera companhia bancária de Augsburg, na Bavária, que financiava a casa de Habsburg. Os Fugger tinham investido no papa e viam como um investimento próprio a “proteção” do papado. Em setembro de 1505, o primeiro contigente de piqueiros suíços formado de 150 homens marchou para Roma, entrando em atividade a 22 de janeiro de 1506, sendo essa a data oficial da fundação da Pontifícia Guarda Suíça, até os nossos dias. Ora, indiretamente o atendimento desse desejo papal por Maximiliano fazia parte do acordo da dispensa papal para o casamento de Henrique Tudor com Catarina de Aragão, irmã de sua nora. O papa Julio II em 1505 deu a dispensa papal para o casamento de Henrique Tudor, duque de York, com a viúva de seu irmão Catarina de Aragão. Henrique VII veio a falecer em 21 de abril de 1509, e o Henrique ascendeu ao trono como Henrique VIII, e após as cerimônias fúnebres do seu pai, anunciou seu vindouro casamento com sua noiva Catarina de Aragão, que desde a sua viuvez em 1504 vivera uma vida miserável e aprisionada tendo até que vender seus pertences para se sustentar, tudo aceitando por sua devoção, acreditando que seu destino era da vontade de Deus. Em 23 de junho de 1509 uma cerimonia privada de casamento se deu na Torre de Londres, no dia seguinte os nubentes seguiram em uma procissão até a Abadia de Westminster sendo aclamados por populares no caminho coberto por finas tapeçarias durante o trajeto, após as pompas e circunstâncias da cerimônia de coroação seguiu-se um extravagante banquete no Palácio de Westminster e outros tantos dias de festejos. Henrique tinha quase 18 anos e Catarina 23 anos.


A morte da rainha Isabel I a Católica, em 1504, trouxera novas circunstâncias, como a passagem da coroa de Castela para Felipe, o Belo, e Joana. Contudo, a coroa de Aragão permanecera com Fernando II, que em 1503 também conquistara para si a coroa de Nápoles após um vacilo de Luís XII ao suceder Carlos VIII como novo rei da França. Estando viúvo, Fernando tenta se casar com a viúva de de Alfonso de Portugal (primo irmão de Carlos Audaz de Borgonha), Joana I, a legitima herdeira das coroas de Leão e Castela, que fora desterrada pelos Reis Católicos, que lançaram sobre ela a acusação de ser “bastarda” para retirar-lhe o direito à coroa de Castela, direito esse que Fernando II de Aragão tenta retomar para si, a fim de impedir que sua filha Joana e e seu marido Felipe (filho de Maximiliano) assumam o trono de Castela.  Naturalmente, Joana, rainha consorte de Portugal, jamais aceitaria tal pretensão daquele que fora seu inimigo. Diante dessa circunstância adversa, Fernando se move na direção de uma princesa francesa, Germaine de Foix, sobrinha do novo rei francês Luís XII (Luís d’Orleans), filha de sua irmã. O casamento se deu em 19 de outubro de 1505, Germaine com 18 anos e Fernando II com 53 anos, e nem mesmo completara uma ano de sua viuvez de Isabel, a Católica. Conforme o acordo matrimonial assinado por Luís XII da França e Fernando II de Aragão no tratado do castelo de Blois, o rei da França cedeu à sobrinha os direitos dinásticos do reino de Nápoles e concedeu a Fernando o título de rei de Jerusalém, direitos esse que deveriam retornar à França caso o matrimônio ficasse sem descendentes. Em troca o Rei Católico deveria se empenhar em produzir um descendente masculino, o qual deveria ser seu herdeiro. A celebração das núpcias provocou a cólera dos nobres de Castela, que viram como uma manobra de Fernando II de Aragão de impedir que sua própria filha Joana e Felipe, o Belo, filho de Maximiliano herdasse a coroa de Aragão. Em 3 de maio de 1509 nasceu o primeiro filho, João, cujo nascimento se supunha que causaria a separação dos reinos de Castela e de Aragão, mas a criança morreu com poucas horas de vida.
O casamento de Fernando II com a sobrinha de Luís XII da França, causou um verdadeiro tumulto no tabuleiro de xadrez de Maximiliano I, e também de Henrique VII da Inglaterra, que não queria a França como sócia de seus negócios, muito menos como herdeira de suas coroas. Assim, em 1507 Maximiliano tornou sua filha Margarida de Borgonha oficialmente regente do ducado de Borgonha com plenos poderes para tutelar seu sobrinho Carlos, então com 6 anos à frente de uma fabulosa herança: Países-Baixos, Espanha, Áustria, Itália, Alemanha entre outros territórios. Ela também serie responsável pela educação de suas sobrinhas: Eleonora, Maria, Isabela e Catarina, assim como do pequeno Fernando, pois a rainha Joana I de Castela, que vivera um casamento  de paixão desenfreada por seu marido Felipe, o Belo, se recusava a autorizar o enterro do corpo de seu esposo e mesmo de se separar de seus despojos. Essa paixão cega de Joana por Felipe era condenável em uma mulher num tempo de severa educação cristã, que não permitia às mulher exteriorizar seus sentimentos amorosos e desejos sexuais, nem se dar a cenas de ciúmes, um tempo em que as mulheres da nobreza eram vistas como um “objeto” negociável e com a função de produzirem herdeiros, de preferência do sexo masculino, e nunca, jamais como pessoas e indivíduos com qualquer aspiração pessoal. Foi por esse motivo, que  a rainha Joana de Castela foi alcunhada  de a Louca, louca de paixão.
Margarida da Áustria que ficara viúva após seu malfadado casamento com João de Castela e Aragão, se casara novamente em 1501 com Felisberto II, dito o Belo (1480-1504), duque de Savoy. Com o novo marido Margarida descobriria todo um mundo novo da caça às questões políticas. Dessa forma o Ducado de Savoy deixou a orbita francesa para entrar na órbita da casa de Habsburg. Porém, infelizmente um acidente de caça levou a vida de seu marido em seus 24 anos, em 10 de setembro de 1504. Margarida, aos 24 anos tornou-se novamente viúva e sem filhos. Como Duquesa-viúva de Savoy ela permaneceu nos seus domínios até que com a morte de seu irmão (1506), quando os rogos de seu pai foi chamada à responsabilidade de retornar para o Ducado de Borgonha para envolver-se nos cuidados de seus sobrinhos. Todavia, mesmo assim, seu pai Maximiliano tentaria um novo casamento para ela. Uma oportunidade mais concreta se apresentou na corte da Inglaterra. Mas, Margarita enfrentou o Imperador e se recusara a casar-se com Henrique VII Tudor que tinha ficado viúvo de Isabel de York em 1503. Margarida, aos 25 anos, assim colou um ponto final nas tentativas de seu pai fazer dela uma moeda de troca para promover as ambições imperiais da casa de Habsburg. A tão desejada aliança entre a Inglaterra e o Sacro Império Romano viria a se a se dar, mas não em razão direta de um matrimônio arranjado, mas de maneira indireta e formal por meio de um tratado. 


Margarida da Áustria tornou-se assim  por força do destino a dirigente de uma das regiões mais importantes dentro do cenário político internacional europeu da época, em que todos buscavam o respeito e uma aliança. Margarida praticou uma política tipicamente borgonhesa, sempre em guarda contra a França e estabelecendo negociações quando necessários, mas sendo claramente um partido de oposição à coroa da França, usava de mão firme para dirigir as províncias do Norte da Europa, ricas mas turbulentas. Margarida da Áustria que não se prestara aos jogos matrimoniais de seus pai para estabelecer uma ligação dos Habsburgo com a Inglaterra, seria suficientemente habilidosa e diplomática para firmar um dos acordos comerciais  mais frutíferos para ambas as partes. 
Ocorrera que em 1488, Maximiliano I tinha concedido aos mercadores estrangeiros amplos privilégios para se estabelecerem em Antuérpia, para que assim permanecessem fiéis ao ducados de Borgonha caso por ventura a cidade de Bruges, principal centro econômico do ducado caísse em mãos francesas. Assim mais de dez anos depois a feitoria comercial portuguesa estava estabelecida na cidade de Antuérpia. Será, pois, durante o tempo da regência de Margarida da Áustria do ducado de Borgonha, que em 1508, seria fundada pela Feitoria de Flandres a Feitoria Portuguesa da Antuérpia, como principal ponto do império comercial, a Casa da Guiné, originária da Casa da Índia de 1503, principal entreposto das rotas comerciais das colônias do Brasil, da África e das Índias Orientais. Com as constantes ameaças das tropas francesas à Bruges, principal cidade do Ducado de Borgonha, a casas comerciais dos mercadores se transferiram ao final do século XV de Bruges para Antuérpia. Em pouco tempo a Antuérpia firmou-se como um dos maiores centros comerciais do mundo mercantilista. Em 1510 a comunidade portuguesa foi agraciada com o estatuto da nação mais favorecida, obtendo privilégios em que o feitor real português em Antuérpia, era ao mesmo tempo um diplomata e um agente econômico, podendo servindo até como embaixador, passando também a manter uma estreita ligação com a poderosa associação comercial londrina, a Mercer’s Company, que desde 1508 passara a ter o já renomado advogado Thomas More (1478-1535) como um dos seus membros, o qual seria o primeiro leigo a ocupar o cargo de Lord Chancellor, em 1518, por indicação do rei Henrique VIII da Inglaterra. Assim, no ano de 1510 um acordo comercial foi finalmente assinado entre o Ducado de Borgonha com a Inglaterra, pela regente ducal Margarida da Áustria e o novo rei inglês Henrique VIII - que subira recentemente ao trono em abril de 1509 e finalmente se casara com Catarina de Aragão, a qual voltara a ser rainha consorte da Inglaterra. Com o novo acordo Londres teve acesso aos negócios crescentes e lucrativos de Antuérpia, que tornou-se nesse período a capital de açúcar da Europa, importando grandes quantidades dessa mercadoria das plantações portuguesas e espanholas no Novo Mundo, entre tantos e lucrativos negócios ligados ao período chamado das Grandes Navegações. 
Não só os negócio voltaram a florescer no ducado de Borgonha sob o governo das firmes e suaves mãos de Margarida da Áustria, mas também a arte e a cultura retomaram o antigo esplendor borgonhês dos tempos do duque Felipe III de Borgonha, o Bom. No passado, ao ficar viúva de Carlos de Borgonha, a inglesa Margarida de York optara por viver na cidade de Malinas, a qual estava encravada entre o ducado de Savoy e os Países-Baixos, e ali estabeleceu uma corte com grande atividade cultural e cientifica enquanto tecia as relações com a Inglaterra. Ali ela apoiou a nascente imprensa e promoveu a publicação de livros e folhetos, enquanto cercou de cuidados primeiro Maria de Borgonha que logo se casaria com Maximiliano de Habsburg, e depois com amor e dedicação tomou os cuidados dos dois filhos do casal e seus afilhados: Felipe e Margarida. Ao final da vida ainda teve a alegria de olhar pelos filhos de Felipe, e foi abençoada em partir desse mundo antes dele que tanto amava. Portanto, não é de causar espanto que a Arquiduquesa da Áustria, Margarida de Habsburg, viuva do Duque de Savoy, tenha estabelecido sua corte também no palácio real de Malinas, local das lembranças de sua mais tenra infância, fazendo da cidade sede do ducado de Borgonha. Na corte de Margarida da Áustria prosperaram as artes e as ciências. E o movimento da Renascença encontrou ali uma campo fértil tanto na expressão das artes como para dar vazão à filosofia do pensamento humanista que nascia. No palácio residiram grandes artistas e filósofos. A maior paixão de Margarida era a música polifônica, cantos de corais com sobreposições de vozes em diferentes tons. Seu cantoral, que ainda se conserva no arquivo municipal da Malinas, é um dos livros mais preciosos de Flandres. Margarida da Áustria foi a primeira mulher a ter as rédeas de um governo na Europa cristã, sua corte foi extremamente refinada e serviu de grandiosa inspiração para as mulheres de sua época e para  os tempos vindouros, sua independência feminina foi aplaudida e causa de constante admiração para todas as jovens tiveram o privilégio de conviverem em sua corte, uma influência notável que despertava paixões entre seus admiradores e admiradoras. O eco de suas atitudes modernas e emancipadas Margarida da Áustria chegariam até a mulher mais importante daqueles tempos, a notável Elizabeth I, rainha da Inglaterra, cuja mãe Ana Bolena fora uma das damas de companhia de Margarida no Palácio de Malinas, bem antes da relação tumultuada com Henrique VIII da Inglaterra. 

O glamour dos Habsburgo assim brilharia cada vez mais em seu encanto, que fascinava e atraia os olhares de todos. Uma voz inaudível aos ouvidos humanos gritava “Cuidado!!!” Sim, há que se ter cautela, pois a exemplo do que se observa no reino animal, a beleza e a sedução são características  próprias de vorazes predadores. 

Os Fugger vieram a desempenhar papel proeminente junto aos Habsburg, apesar das mais altas famílias de banqueiros alemãs como os Baumgarten (Jörn Baumgarten serviu como conselheiro financeiro de Maximiliano) e os Welser. Os historiadores são injustos aos desconsiderarem o grandioso papel de Ulrich Fugger von der Lilie (1441-1510) como o principal tecelão das relações que dariam o poder e a fama ao nome Fugger por toda Europa. Foi ele o fundador da Ulrich Fugger & Companhia,  que foi a primeira sociedade em nome coletivo, também chamada de sociedade geral, onde todos os sócios respondem pelas dívidas forma ilimitada, por isso dita sociedade de responsabilidade ilimitada ou sociedade solidária ilimitada. O nome empresarial sempre tem o nome de um dos sócios e a expressão “e Companhia” (& Cia). E, sempre também sendo constituída por pessoas físicas e nunca de sócios com caráter jurídico. Logo, quando o segundo irmão mais novo Georg Fugger von der Lilie (1453-1506) entrou também para a sociedade o nome foi mudado em 1494 para “Ulrich Fugger und Gebrüder von Augsburg” (Ulrich Fugger e Irmão de Augsburg). Até então Jacob Fugger (1459-1525), o mais novo dos irmãos ainda não fazia parte da Companhia, mas trabalhava para ela. Adquirira larga experiência no período que vivera em Veneza aprendendo o ofício de mercador na Fondaco dei Tedeschi, que ao exemplo da Mercers’ Company de Londres e das Feitorias Portuguesas de Bruges e Antuérpia, era também uma associação comercial em atuação desde 1304 que dava suporte aos mercadores germânicos em Veneza. Pois foi justamente em razão dessa experiência que Jacob Fugger agindo em nome da companhia familiar Ulrich Fugger e Irmão de Augsburg negociou os interesses em minas e mineração de ouro, prata e ferro em troca de empréstimos colaterais feitos aos Habsburgo (Frederico III, Maximiliano I e Sigismund) e ao rei da Hungria, no acordo no qual ele condicionou o empréstimo ao direito aos lucros das minas no Tirol, assim como que os direitos de mineração na Alta Hungria fossem dados à ele. Nessa negociação Jacob Fugger contou com a parceria do nobre austro-húngaro de Cracóvia, Hans Thurzó. A família Thurzó foi responsável por transformar a cidade de Cracóvia em um importante centro do Renascimento com seu poder e dinheiro, originado de seus negócios com a Igreja de Roma e por sua atividade comercial. Através de negócios como esses, onde verifica-se o “pulo do gato” que levou a Jacob Fugger a estabelecer o monopólio de minério na Europa Central. Nesse primeiro negócio,  Jacob Fugger garantiu a entrada dele na Companhia dos irmãos em pé de igualdade na sociedade. Porquanto, a obediência a um senso de “hierarquia” também existia entre os novos-ricos comerciantes burgueses. A primogenitura era extremamente respeitada, e para ascender a uma posição de prestígio era preciso esperar sua vez ou fazer valer sua posição por inegáveis e indiscutíveis méritos próprios, que incluíam o poder econômico e financeiro para adquirir tal posição de influência. Foi assim, que ainda em 1495 a firma mudou novamente de nome para Ulrich Fugger Irmãos & Cia, e, também, naquele ano Jacob Fugger e Hans Thurzó estabeleceram a “Thurzó-Fugger & Companhia”, a qual algumas vezes é considerada a primeira companhia capitalista na Europa. Em 1494 a firma teve um lucro de mais de 54,000 guilders (Florins Germânicos de ouro) e os três irmãos também fundaram a Fuggerei, um projeto de assistência social de residências para pessoas pobres de Augsburg, sendo este também o mais antigo projeto filantrópico no mundo. 


Aderindo a idéia econômica crescente do “metalismo” de que o aumento da riqueza dependia do acumulo de metais preciosos, a Companhia Fugger necessitava também de um enorme capital para tocar seus projetos de mineração na Hungria, capital este que não era possível levantar facilmente. Foi assim que o Cardeal Melchior von Meckau se tornou o principal patrocinador dos negócios Fugger no ano de 1496, quando Meckau sendo príncipe-bispo da cidade de Brixen, ao sul do Tirol, secretamente e sem conhecimento da sua Igreja investiu 150.000 guilders (florins germânicos de ouro) na Companhia Fugger a troco de juros. O detalhe é que naquela época era “proibido” religiosamente emprestar dinheiro à juros, ou seja, obter lucros com o empréstimo de dinheiro, mas esse tal “detalhe” ético, moral e religioso foi inteiramente desconsiderado por ambas as partes. No entanto tal descaso teria futuras consequências. 
Com o crescente apoio dos Habsburg, a Companhia Fugger consolidou seus negócios com a Igreja de Roma, cujos primeiros negócios se deram ao tempo clerical de Markus Fugger, partir de 1473. As boas relações entre os Fugger e o papado se consolidaram em 1477 quando os Fugger foram eleitos os responsáveis pela transferência das receitas da Igreja da Suécia para Roma. A família Fugger foi a primeira de origem germânica a manter negócios com a cúria romana. Ora, no ano de 1492 fora eleito papa Roderic Borgia, o Arcebispo de Valência, cidade proeminente do reino de Aragão, adotando o nome de Alexandre VI. Durante o seu período de papado até 1503, Alexandre VI, mais conhecido como o papa Borgia, desacreditou a Igreja de Roma como nunca antes alguém tivera poder de o fazer, sua notória amoralidade é uma mancha indelével na história da igreja cristã, se um papa pode ser o “anticristo” em pessoa, esse sem dúvida foi Roderic Borgia, chamado Alexandre VI. Não se desconsidere que como aragonense suas ligações com o rei de Aragão, Fernando I, a qual  é raramente mencionada nos anais históricos, mas um papa tão ligado aos Reis Católicos de Castela e Aragão certamente favoreceu imensamente os grandiosos interesses dos reis católicos e indiretamente os interesses dos Habsburgo, que como visto antes eram ligados tanto à coroa de Portugal como a coroa da Espanha, e, logo, consequentemente favoreceu também aos interesses dos Fugger. A presença de um aragonense no trono de Pedro também explica algumas decisões mais favoráveis à Espanha que à Portugal. No despertar da descoberta do Novo Mundo pelo genovês Critovão Colombo, cuja expedição marítima fora patrocinada pelos reis católicos, foi pedido pelas coroas de Castela e Aragão ao papa Alexandre VI para confirmar a propriedade das novas terras encontradas. As bulas papais “Eximae devotions”, de 4 de maio de 1493, e “Dudum Siquidem”, de 23 de setembro de 1493, garantiram os direitos aos Reis Católicos com respeito às novas terras descobertas nas “Américas”, similares aos dados anteriormente pelo papa Nicolas V à coroa de Portugal em 1452 e 1455. 
Apesar do papa Eugenio IV, em 1435 ter feito severo ataque à escravidão em sua bula “Sicut Dudum” - que incluía a excomunhão de todos aqueles que fizessem comércio de escravos, permitindo apenas os contratos de “servidão” dos camponeses em razão dos deveres desses com seus senhores-, ocorreu que quando no início de 1452 o Imperador bizantino Constantino XI escreveu ao então papa Nicolas V pedindo para o socorrer quanto ao cerco do sultão otomano Mehmed II, o papa assinou então uma nova bula em junho de 1452, que autorizou o rei Afonso V de Portugal a “atacar, conquistar e subjugar os sarracenos, pagãos e outros inimigos de Cristo onde quer que eles fossem encontrados”. Apesar da queda de Constantinopla em 1453 nas mãos islâmicas dos turcos-otomanos a bula serviu para iniciar outra cruzada contra o Império Otomano. Com o início das navegações além mar promovidas pelos reinos ibéricos, a propriedade de novos territórios era designada pela Igreja de Roma. A propriedade das ilhas Canárias fonte de disputa entre espanhóis e portugueses, foi a primeira a ser decidida pelo papa Nicolas V e  favoreceu aos portugueses. Os portugueses reclamavam o direito aos territórios ao longo da costa africana do mar Mediterrâneo e do Oceano Atlântico em virtude do tempo investido e dos tesouros descobertos, enquanto os castelhanos reclamavam com base ao direito de herança de seus ancestrais visigodos. Em 1455, Nicolas V assinou a bula “Romanus Pontifex”, endossando o direito dos portugueses à possessão de Ceuta, e exclusivos direitos de comércio, navegação e pescaria em novas terras recobertas e reafirmando a posse à coroa portuguesa, também sancionou o direito de compra de escravos negros dos “infiéis muçulmanos”, os quais eram tomados a força, caçados pelos sarracenos na costa africana, assim como conclamava os conquistadores à prática da conversão para a fé Católica, “para que com a divina misericórdia, as pessoas nativas fossem convertidas e suas almas fossem ganhas para Cristo”. A bula dava exclusividade à atividade comercial portuguesa entre o Marrocos e as Índias, assim como o direito de conquista de territórios e conversão dos habitantes nativos, direitos que vieram a ser estendidos no futuro. Assim, não é de admirar que os Reis Católicos estivessem ávidos por obter não só a titularidade sobre novas terras recobertas assim como os mesmos direitos dados aos navegadores portugueses, fato e razão pela qual haviam patrocinado e contribuído vultuosamente para a chegada de Roderic Borgia ao papado, o pagamento da conta veio na assinatura bula “Inter Caetera”, em 4 de maio de 1493, que dividiu a titularidade entre as coroas de Aragão e Castela e a coroa de Portugal das terras recentemente recobertas do Novo Mundo ao longo de uma linha imaginária de demarcação, essa foi a base do Tratado das Tordesilhas, o qual foi ratificado pela Espanha em 2 de julho de 1494 e por Portugal em 5 de setembro de 1494, esta e outras bulas relativas ao assunto das descobertas das navegações ficaram conhecidas coletivamente como “Bulas de Doação”. 

Assim, foi só após a morte do papa Borgia Alexandre VI, que as oportunidades voltaram a se abrir para os interesses dos Fugger no Vaticano. Esse favorecimento logo começou com o papa Julius II (1453 - 1513) - o cardeal Giuliano della Rovera nascido na República de Genova, importante porto italiano e sobrinho do papa Sixtus IV -, ele se negou a viver nos mesmos recintos que o seu predecessor  e mandou lacrar os quartos, os quais permaneceram nesse estado até o século XIX. Seu primeiro ato foi justamente dar a dispensa papal para que Henrique VIII, rei da Inglaterra, pudesse que se casar com Catarina de Aragão, filha dos reis católicos Fernando I de Aragão e Isabel de Castela.

Foi num clima mais favorável, após a descoberta do navegador português Vasco da Gama da rota para a Índia e o estabelecimento do monopólio português de especiarias, que Jacob Fugger tomou parte no comércio de especiarias e em 1503 abriu uma manufatureira em Lisboa, no reino de Portugal. Ele recebeu permissão de negociar com pimenta e outras especiarias, com mercadorias de luxo como pérolas e pedras preciosas para toda Europa através de Lisboa. Ao lado dos mercadores da Alemanha e da Itália ele contribuiu para uma expedição de 22 naus portuguesas liderada por Francisco de Almeida para a Índia, que partiu de Portugal em 1505 e retornou em 1506. Ainda que um terço da importação dos produtos fossem cedidos à coroa portuguesa a operação tivera lucros significantes. Infelizmente, logo depois o rei português ávido por mais ganhos declarou que o comércio de especiarias era monopólio da coroa de forma a assegurar seus rendimentos excluir os mercadores estrangeiros de participarem no negócio, sem dúvida a decisão da coroa estava respaldada pela associação dos comerciantes portugueses, não nos esqueçamos que eram as Feitorias Portuguesas que detinham em suas mãos todo o poder comercial.  Contudo, os portugueses eram dependentes do cobre fornecido pela Companhia Fugger, e o cobre era essencial nas negociações de produtos exportados por Portugal em seus negócios com a Índia. Diferente dos banqueiros alemães Welser que investiram pesadamente nas navegações e receberam até a região da Venezuela como pagamento de seus patrocínios, Jacob Fugger sempre teve uma participação conservadora e cautelosa nos negócios de além mar, porquanto considerava esse um investimento de fundo perdido e sem garantias de resultados certos, e se havia uma coisa que Jacob Fugger apreciava era o “lucro certo”, um ganho menor certo para ele valia muito mais do que aventurar-se num lucro muito maior sem nenhuma garantia. Desse modo, para Jacob Fugger fornecer o financiamento do recrutamento da “Guarda Suíça” para o papa em dezembro de 1505, com efeito a partir de 1506 (existente até os dias de hoje) a pedido do Imperador Maximiliano I , tal como visto anteriormente, parecia a Jacob Fugger sem a menor sombra de dúvida um investimento muito mais vantajoso. 

Aconteceu que o destino tem seus próprios caprichos e na maioria das vezes isso faz com que as circunstâncias comandem os caminhos tal como as águas de um rio que correm para o mar e que desconhecem os acidentes do terreno pelo qual passarão, no curso das águas do destino não é possível alguém dizer para parar que se quer descer. Entre o final dos anos de 1470 e o início de 1480, o então Arquiduque da Áustria, Sigismund Von Habsburg era o senhor do Tirol (aquele mesmo que Carlos da Borgonha salvara da falência e depois por ele fora traído), viúvo em 1480 de Eleanor Stuart, filha de Jaime I rei da Escócia, decretou uma reforma radical na cunhagem das moedas do seu território, com a criação da primeira linha de cunhagem de larga escala de moedas de prata, chamadas de “guildengroshen”, que viria a ser mais tarde o “thaler” moeda desenvolvida pelos Habsburg da Boêmia. Esta moeda foi a ancestral da maioria das moedas da Europa e mais tarde do dólar norte-americano. Usando novos métodos de mineração nas minas do Tirol atrelado ao novo processo mais rápido de cunhagem as novas moedas de prata passaram a ser de uso corrente para o comércio na Europa, todavia a explosão da prata por causa das minas espanholas nas Américas viriam a ser causa mais tarde do naufrágio da economia européia. Por conta de suas moedas de prata, Sigismund acabou ganhando a alcunha de “rico em moedas”. Todavia, as coisas não iam lá muito bem politicamente para o ambicioso Arquiduque da Áustria, apesar de ser o único dono dos direitos de propriedade e da permissão para as operações de mineração para investidores privados, que garantiam alta lucratividade a Sigismundo, seu estilo de vida luxuoso, seus numerosos filhos ilegítimos para sustentar e seus projetos megalomaníacos de construção faziam com que o Arquiduque precisasse constantemente de dinheiro, e precisasse recorrer a financiadores. Foi assim que Jacob Fugger, por intermédio do Cardeal Melchior com Meckau, desde 1481 chanceler de Sigismund, Arquiduque da Áustria, acabou por financiar suas ambições a partir de 1488. Ora, Jacob Fugger por conta disso veio a ter a sua própria introdução pela primeira vez junto a Maximiliano em 1489, que governava conjuntamente o Sacro Império Romano Germânico com seu pai Frederico III desde 1483, em Frankfurt, por ocasião justamente da negociação de um ducado independente do Tirol, cuja população se rebelara contra o Arquiduque Sigismund. Com uma dívida de 150.000 guilders (florins germânicos de ouro), Sigismund se viu compelido a passar os Estados do Tirol para Maximiliano, então rei de Roma, e devido a sua má administração resignar aos seus direitos ao Tirol em 16 de março de 1490. Nessa ocasião, Maximiliano assumiu a promessa de pagamento da dívida do Arquiduque junto ao credor Jacob Fugger. Logo depois em 1493 com o falecimento de seu pai Frederico III, Maximiliano foi eleito o novo imperador do Sacro Império Romano Germânico.  Em 19 de agosto de 1493, Maximiliano tornou-se o novo Arquiduque da Áustria. Em 1496, Sigismundo Habsburg faleceu sem deixar herdeiros. E foi também justamente no ano de 1496, que o Cardeal Meckau se tornou o maior patrocinador em segredo dos negócios de Jacob Fugger, investindo 150.000 guilders (florins germânicos de ouro), em retorno de “juros”. Em 16 de dezembro de 1506, Maximiliano, pretenso Imperador do Sacro Império Romano Germânico nomeou o Cardeal Meckau como seu “embaixador” para os arranjos diplomáticos necessários para a sua coroação em Roma. O Cardeal Meckau visitou o papa Julius II, e a 15 de dezembro de 1506 foi à República de Veneza negociar a passagem da comitiva imperial pela região, porquanto Veneza fechara a passagem do Sacro-Império para a Itália em razão das disputas com as guerras de reconquista dos Estados Pontifícios promovidas pelo papa Julio II. Em face da circunstância adversa, em fevereiro de 1507, Maximiliano declarou-se a si mesmo Imperador do Sacro-Império, embora não tivesse sido coroado em Roma e só pode fazer isso porque o papa Julio II fora  devidamente “convencido” da necessidade de dar o seu acordo a essa decisão, em troca do apoio militar e financeiro de Maximiliano I patrocinado através de Jacob Fugger, naturalmente. Em 15 de julho de 1507, o imperador Maximiliano I “vendeu” a Jacob Fugger terras de grande valor na região de Baden-Würtemberg, região agraciada com as belezas naturais da Floresta Negra e do Lago Constance, das possessões dos Habsburg, pago por Jacob Fugger em 1508 com valor atestado de 50.000 guilders (florins germânicos de ouro), uma pechincha. Em 1508, Maximiliano I corou a si mesmo como Imperador do Sacro Império com o consentimento do papa Julio II, tomando o título de “Imperador Romano Eleito”, colocando assim um fim na tradição de séculos de que o Imperador Sacro-Romano tinha que ser coroado pelo papa. Assim, aquilo que Carlos da Bretanha não tivera coragem de fazer, Maximiliano Habsburg fez, mas com consentimento papal e  haveria de vir quem o fizesse sem esse consentimento nos anos vindouros.

Foi então que o inesperado aconteceu, o artífice dos bastidores dessas estranhas negociações, o patrocinador secreto dos interesses de Jacob Fugger, o eminente Cardeal Meckau faleceu em Roma em 3 de março de 1509. E a situação para Jacob Fugger ficou muito, mas muito delicada mesmo. O investimento do Cardeal de 150.000 guilders (florins germânicos de ouro) feito em 1496 foi descoberto. O papa, o bispado de Brixen (ou Bressanone) e a família Meckau todos reclamaram o direito à herança e o pagamento imediato do investimento, que caso tivesse efeito teria como resultado a insolvência de Jacob Fugger e sua consequente falência. A situação ficou tão periclitante que o próprio imperador Maximiliano I foi obrigado a dar um passo firme para assistir o seu banqueiro. O imperador Habsburg prometeu ao papa Julio II, apoiá-lo na guerra contra a República de Veneza  e o reconheceu como o herdeiro verdadeiro do Cardeal Meckau, em detrimento dos outros reclamantes. A herança pode então ser negociada com o pagamento de débitos por Jacob Fugger devidamente amortizados, assim como ele também teve que oferecer graciosamente jóias ao papa como compensação. Porém, em troca de seu apoio Maximiliano I exigiu de Jacob Fugger um contínuo suporte para suas campanhas políticas e militares. Ora, apesar desse “contratempo” Jacob Fugger estabeleceu ligações sólidas com o papado, de modo que de 1508 a 1524 a Fugger & Cia foi responsável pela Casa da Moeda Pontifícia, manufaturando 66 tipos de moedas de diferentes papas e tornou-se até a única manufatureira com representação em Roma.

Por sua vez no seio da família Fugger o destino também batia à porta. Em 1506, aos 56 anos, George Fugger faleceu. Logo depois em 1510, aos 61 anos, também faleceu Ulrich Fugger devido a uma operação mal sucedida para remover pedras do rim. Foi assim que aos 51 anos, Jacob Fugger tornou-se o único sócio-executivo da Companhia Fugger & Irmãos, passando a ser conhecido por toda a Europa e Américas como “Fugger, o Banqueiro dos Habsburg”, e esse título iria valer seu peso em ouro na medida que o poder dos Habsburg brilhava com glamour iluminando um império onde o sol nunca se poria. Mas, Jacob Fugger  em consequência de seu incrível sucesso financeiro e econômico sem precedentes para um “burguês” e em razão de suas ligações com reis e papas algo se daria por ser o homem mais rico e poderoso sem-nobreza na face da terra: ele seria o pomo de uma discórdia que causaria a primeira das revoluções burguesas, aquela que foi destinada a derrubar tanto o poder da Igreja de Roma como o dos Habsburg. Contudo ambos perseveraram, mas a fortuna da Companhia Fugger acumulada por Jacob Fugger sofreria danos irreparáveis ao perder o apoio institucional da qual verdadeiramente dependia seu poder, porquanto, em verdade, Jacob Fugger pessoalmente não detivera poder algum que lhe fosse inerente, ele era apenas um satélite em órbita em torno de instituições poderosas, apenas isso. Pode-se dizer que  nos termos de hoje Jacob Fugger foi tão apenas o “testa-de-ferro” dos Habsburg.

Contudo, a vida ensina que as aparências quase sempre podem ser enganosas. O imperador Maximiliano I que estava sempre com problemas financeiros de curto prazo: seus rendimentos nunca pareciam ser suficientes para sustentar a larga escalada de seus objetivos e políticas. Por causa desta delicada circunstância ele era forçado a tomar créditos substanciais. Ao termo do seu tempo de governo Maximiliano I acumulou débitos de 6 milhões de guilders (florins germânicos de ouro), sendo que a Companhia Fugger & Irmãos era a maior credora desse valor. Depois de ficar evidente que a guerra contra Veneza fora um fracasso e depois também que a república veneziana reconquistou o último pedaço de seu território em 1517 das garras de Maximiliano, o imperador começou a focar inteiramente na questão de sua sucessão. Seu objetivo era assegurar seu trono para um membro da casa de Habsburg, de modo a impedir que o novo rei da França, Francisco I ganhasse o trono. Nesse intuito a resultante “campanha de eleição” era um ato sem precedente, e seria necessário um uso de massivos subornos. A Companhia Fugger representada então por Jacob Fugger forneceu a Maximiliano I o crédito de 1 milhão de guilders (florins germânicos de ouro), que foram usados para subornar os príncipes-eleitores. A princípio, a política parecia ter sucesso, e Maximiliano lidou bem para conseguir os votos de Mainz, Cologne, Brandenburg e Boêmia para seu neto Carlos. Mas, o imperador Maximiliano I que sofria de estranha morbidez e desde 1514 e carregava sempre seu caixão com ele para onde quer que fosse, finalmente no dia 12 de janeiro de 1519 teve a oportunidade de usá-lo ao falecer em Wels, na Alta Áustria, ele tinha então 59 anos e vivera sua vida intensamente. A dívida fabulosa deixada pelo Imperador Maximiliano levaria até o final do século XVI para ser paga integralmente à Companhia Fugger, mas será tal pagamento na realidade apenas um “acerto de contas entre cavalheiros”. 


Através de guerras e casamentos os Habsburg estenderiam sua influência em todas as direções; para a Holanda, a Espanha, Boêmia, Hungria, Polônia e Itália na Europa, além das novas terras do além mar, com possessões na Índia, África e Américas. Sua influência duraria por séculos e moldou grande parte da História européia e do Novo Mundo. O glamour do poder imperial da casa dos Habsburg provocará numerosas guerras com a casa real da França, até o estabelecimento da aliança de 1756 que finalmente unirá as duas casas com a concretização do casamento do futuro Luís XVI da França e da Arquiduquesa da Áustria, Maria Antonieta de Habsburg, produzindo finalmente “herdeiros” da coroa da França com sangue dos Habsburg. E desse congraçamento entre a casa real da França e a casa imperial dos Habsburg resultará na mais sangrenta das revoluções burguesas. A ela de seguirá ainda outras revoluções, mais duas guerras mundiais até que a face do mundo seja inteiramente mudada, mas não tão mudada assim, que o simples sussurrar do nome Habsburg não cause ainda hoje um profundo impacto a quem o ouça.