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quarta-feira, 25 de julho de 2012

XVI – O APOCALIPSE DE UMA ERA


Nos anos que antecederam o ano 1000 da nossa era, os europeus cristãos viviam assombrados com a previsões tenebrosas do Apocalipse e ao mesmo tempo aguardavam o prometido retorno de Jesus. O ano 1000 passou, e nada aconteceu de tão espantoso ou tenebroso. Contudo, pode-se até dizer que a contagem do tempo de Deus não era – e não é, absolutamente – , o mesmo que o do ser humano.

A partir do século XIII as campanhas bélicas dos mongóis e dos turcos transfigurariam o mundo: de 1206 a 1240  conquistaram o norte da China, a Pérsia, a Coréia e a Rússia, depois de 1237 a 1242 invadiram a Hungria, a Polônia e parte da Alemanha e em 1281 os turcos otomanos deram início à formação do Império Otomano que reuniria sob sua tutela todo o Islão. Em 1.365 se deu a ocupação da Mesopotâmia e da Índia ocidental. Até que em 1.453 o impensável aconteceu, Constantinopla caiu no poder dos turcos e marcou o início do Império Otomano, que viria a durar até 1924.

Mosqueteiros Chineses
As conquistas mongóis e turcas não foram possíveis apenas por causa de uma cavalaria audaciosa, ou por causa de seus arcos curvos de flechas duplas, ou mesmo por causa de suas estratégias e táticas de guerra. Em verdade eles tinham um poder bélico superior dado pelo uso de armas de fogo, dos canhões manuais às suas poderosas catapultas com bombas inflamáveis, mais tarde com os mosquetes e os canhões de longa distância. Ao contrário do que sempre foi dito pela maior parte dos historiadores ocidentais, que os chineses usavam a pólvora apenas para “fogos de artifício” e desconheciam seu uso para armas de fogo, sabe-se hoje que o uso bélico da pólvora já se dava desde a dinastia Han – bombas explosivas e canhão manual (1121) – , e que a dinastia Yuan (mongol) (1271-1368) implementou amplamente o uso em armas de fogo durante seu período de conquistas. Os mongóis usaram seus canhões contra os hungaros em 1241 e a queda de Constantinopla só foi possível porque o engenheiro hungaro Orban (ou Urban) ofereceu o protótipo do seu canhão para Constantino XI, imperador do Império do Oriente (Bizantino), e esse não se interessou, Orban então ofereceu seu engenho para o sultão Moamé II, que prontamente investiu no projeto do canhão que era capaz de lançar sua potente bala a uma milha de distância.



Canhão Manual 1400
Uma primeira descrição com alguma fidelidade histórica da queda de Constantinopla foi feita pelo historiador inglês Edward Gibbon (1737-1794) no capítulo LXVIII de seu livro “Declínio e Queda do Império Romano” (1776-1788): “…Nos primeiros dias do cerco, os soldados gregos desceram para o fosso ou fizeram surtidas em campo aberto; não tardaram porém a descobrir que, proporcionalmente ao seu número um cristão tinha mais valor do que vinte turcos; depois desses prelúdios audazes, contentaram-se em prudentemente manter o reparo com suas armas mísseis. A nação era de fato pusilânime e desfibrada, mas o último Constantino merece o título de herói; seu nobre bando de voluntários estava inspirado de valor romano e as tropas , auxiliares estrangeiras amparavam a honra da cavalaria ocidental. As incessantes rajadas de lanças e setas eram acompanhadas da fumaça, do ruído e do fogo dos mosquetes e canhões. Suas armas de fogo portáteis descarregavam ao mesmo tempo de cinco a dez balas de chumbo do tamanho de uma noz, e segundo a proximidade das fileiras e a força da pólvora, várias couraças e corpos transpassados pelo mesmo tiro. (…) O material bélico de que dispunham (os cristãos) não era numeroso nem potente, e se possuiam alguns canhões pesados, temiam assentá-los na muralha cuja idosa estrutura poderia ser abalada pela explosão e desabar. (…) O grande canhão de Maomé chamara a atenção por si só, objeto importante e visível na história da época; todavia, esse engenho enorme era flanqueado por dois companheiros de quase igual tamanho. A longa linha de artilharia turca estava apontada contra as muralhas; catorze baterias estrondavam ao mesmo tempo nos lugares mais acessíveis; e de uma delas diz-se ambiguamente que se compunha de cento e trinta canhões ou que descarregava cento e trinta balas. Entretanto no poderio da atividade do sultão podemos enxergar a infância de uma nova ciência. Sob o comando de um oficial que contava os instantes, o grande canhão podia ser carregado e disparado não mais do que sete vezes por dia. O metal aquecido infelizmente estourou; vários artífices morreram na explosão, e suscitou admiração a perícia de um deles que teve a idéia de evitar o perigo e o acidente derramando óleo, depois de cada tiro, dentro da boca do canhão. (…) Uma circunstância que distingue o sítio de Constantinopla é a reunião da artilharia antiga com a moderna. O canhão se misturava a engenhos mecânicos que lançavam pedras e dardos; tanto a bala quanto o ariete se voltavam contra as mesmas muralhas; tampouco havia a descoberta da pólvora eliminado o uso do fogo líquido e inextinguível.


Canhão Manual Mongol
A bem da verdade não se tem dados confiáveis sobre a conquista de Constantinopla, o bom senso na análise de dados mostra que o exército de Constantinopla não deveria ter nem canhões e muito menos mosquetes, pois sabidamente os mongóis e os turcos foram os primeiros a usarem estas armas de fogo em 1241. Os otomanos, por sua vez criaram a primeira força especial de artilharia: os Janizaros, cujos membros eram crianças capturadas durante as batalhas e especialmente treinadas no uso de armas de fogo, os mosquetos,  para compor uma guarda especial sob a orientação do próprio sultão, cuja participação na conquista de Constantinopla foi determinante, porquanto além dos mosquetes os Janizeros eram os reponsáveis pelo manuseio dos canhões e bombas incendiárias, inclusive a bordo de navios. Logo, a informação de Gibbon de que Constantino contava com armas de fogo parece um pouco longe da realidade. 


Maomé II e seu canhão Bombarda
O acesso recente  aos textos turcos revelou um possível exagero no contingente das tropas do sultão Maomé II, pois se assim o fosse o cerco não teria demorado tanto, de 6 de abril a 29 de maio, 53 dias, e Constantinopla teria sido conquistada mais facilmente. Consta que o exército de Constantino XI era constituído de 5 mil homens, sendo destes 2 mil estrangeiros, sua flotilha tinha 26 navios e 50 mil pessoas estavam abrigadas dentro das muralhas da cidade. Já as forças de Moamé II eram cosntituídas de 80 mil otomanos e de 150 a 200 mil sérvios, com uma flotilha de 126 navios. Mesmo assim o poder bélico turco se apresenta muitas vezes superior ao do poder cristão. A impressão que se tem é que Maomé II tinha como objetivo a “rendição” de Constantinopla, porém a palavra “rendição” não era uma opção para Constantino XI. Antes do início do cerco, Maomé II ofereceu a Constantino XI um acordo de “rendição”, mas o imperador não aceitou, possivelmente novas propostas foram oferecidas pelo sultão, mas o imperador cristão permaneceu irredutível, até que finalmente só restou mesmo a Maomé II derrubar a muralha e invadir a cidade. O resultado foi que Constantino XI Paleólogo acabou como simbolo heróico da resistência cristã contra os “infiéis” islâmicos, mas marcou o fim irremediável do antes todo-poderoso Império Romano.

Essa é a história tradicional da queda de Constantinopla e a derrocada final do Império do Oriente, porém os acontencimentos dramáticos do século XIV foram determinantes para que esse importante fato histórico, que mudaria toda geopolítica do mundo antigo e lançaria a os povos europeus numa jornada rumo ao desconhecido.  Desde os anos 1000 da nossa era a Europa começou a estabelecer novos reinos-estados. A ilha da Grã-Bretanha foi invadida pelos normandos e Canuto II, da Dinamarca, se fez rei da Inglaterra. O reino de Aragão foi formado na Espanha e depois a constituição do reino de Portugal, tendo início campanha de expulsão dos islâmicos do  sul da Península Ibérica e iniciou-se o período das Cruzadas (1095 – 1270) , visando a reconquista da Terra Santa, contudo o reino de Jerusalém logo cairia nas mãos do sultão Saladino do Egito (1170 –1193), e por conta do conflito entre os cristãos europeus e os islâmicos teve início a perseguição aos judeus. Assim em 1182, os judeus foram banidos do reino da França. Para combater as heresias promovidas pelos judeus, o Concílio de Verona em 1184, criou a Inquisição, e a sua primeira consequência foi o massacre dos judeus na coroação de Ricardo I Coração de Leão, da Inglaterra, 1189. No ano de 1233 o papa Gregório IX colocou em pleno vigor a Inquisição, quase em seguida a partir de 1237 os mongóis invadem a Rússia, a Polônia, a Hungria e parte da Alemanha. Paralelamente, durante o século XIII foram fundadas as primeiras Universidades européias: Siena e Vicenza (1203 – 1204), Salamanca (1217), Nápoles (1224), Montpellier  e de Lisboa (1289-1290). A criação da Universidades marca o início da busca dos cristãos europeus para adquirir um maior nível de conhecimento e sabedoria, e justo neste período se dá a contribuição fundamental do veneziano Marco Polo e sua família das informações obtidas com as viagens à China (1271 – 1295) durante a dinastia mongol.

Então teve início o século XIV, inaugurado com a nova expulsão dos judeus da França, em 1306, que foi seguida pelo começo da perseguição aos cavaleiros da Ordem dos Templários, em 1307, a qual acabaria extinta em 1314 com a morte de seu líder Jacques de Molay. Quando na primavera de 1315 chegou com frio e chuvas torrenciais por toda Europa, devastando todas plantações e matando os rebanhos e criações de aves de fome, dando início a chamada Grande Fome (1315 – 1317), muitos acreditaram que o cataclísma também era consequência da “maldição dos Templários”, que segundo constava for a a causa da morte do rei da França e do papa.  Assim, o novo papa João XXIII não pensou duas vezes para dar início a outra perseguição, desta feita aos praticantes de magia, grande parte adeptos do xamamismo celta – que ainda subsistia entre os europeus –, outros tantos poderiam ser chamados de alquimistas, e todos aquelas pessoas cujos padrões comportamentais não fossem adequados aos estabelecidos pela “moral cristã”  vigente na época. A partir de então a “morte na fogueira” virou um show nas praças públicas, e sem dúvida era bastante aterrorizante ao público presente dos vilarejos. No entanto, se aqueles que tinham conhecimentos de ervas e procedimentos curativos estavam sendo mortos indiscriminadamente, ao que parece o que ocorria dentro das Universidades cristãs não recebiam o mesmo tratamento, pois a dissecação de cadáver outrora feita na Alexandria, por volta dos anos 200 da nossa era, que cuja prática fora proíbida, retornara na Universidade de Bolonha em 1315, com a dissecação pública do cadáver de uma mulher que fora condenada à morte, considerando que isso só foi possível porque as mulheres segundo a “moral cristã” da época simplesmente não possuiam “alma” e eram equiparadas aos “animais”, contudo, a dissecação praticada por físico ‘clérico’ não viria a ser de nenhuma contribuição para a tremenda fatalidade que estava por cair sobre a Europa.

Era o ano de 1333, quando uma grande seca teve início na China, então governada pela dianastia mongol Yuan. Se na Europa as chuvas trouxeram a fome, na China foi a seca. Nesse periodo da dinastia Yuan, o povo han que sempre isolara-se do resto do mundo, passou a ter mais e mais contato com estrangeiros, que visitavam o país interessados nos negócios da rota da seda. Acredita-se que com toda essa movimentação de caravanas, tropas e missões missionárias e etc, também chegou ao Império Chinês uma invasão de ratos negros oriundos da região do Himaláia, os quais eram hospedeiros não só de pulgas mas também de um vírus mortal, o da peste bulbônica, mais conhecida como peste negra. Assim, esses três males: a seca, a fome e a peste negra mataram juntos 9 milhões de chineses de 1333 a 1347, de peste foram 5 milhões de mortos. A peste não fez um desastre ainda maior entre os chineses justamente devido aos conhecimentos que possuiam de medicina. Desde 160 a.C. os hospitais já existiam na China. No ano 300 d.C foram publicadas a coletâneas de receitas de tratamento médico de Ge Gong, entre elas uma que indicava o alho e o sal para infecções com pus, o compendio chamava-se “Receitas para casos urgentes ao alcance da mão” (Fu Weikang). Durante a dinastia Tang (618 – 907) foi fundado o Instituto de Medicina Imperial (Tai Yi Shu). Afora isso, os chineses com suas préticas xamantícas tinham um alto conhecimento dos benefícios à saúde de temperos como oregano, alho, cebola e gengibre, já usavam como desinfetantes o pinho e o eucalipto, usavam chás medicinais de boldo e camomila, e empregavam perfumes em banhos de hiegiene pessoal de rosa, jasmin e patchuli, inclusive escovavam os dentes com menta e hortelã. Tais conhecimentos eram inteiramente desconhecidos dos europeus, que primavam pela falta de qualquer tipo de higiene pessoal.

Rota da Seda

Pois bem, quando em 1346 os ratos negros chegaram com suas pulgas assassinas portadoras do vírus da peste bulbônica em Constantinopla, comodamente transportados nos navios mercantes venezianos, inicialmente ninguém se deu conta do perigo, e os emissários da morte como se fossem a primeira arma biológica utilizada no mundo começaram a fazer o seu serviço de devastação. A população européia já estava enfraquecida com a Grande Fome, que não só causara fome como também a pneumonia, a bronquite e a tuberculose devido a exposição a alta humidade em decorrência de dois anos sem que ocorresse o verão. No início da Grande Fome ocorriam 25 mortes por cada 100 habitantes, em 1317 esse número subiu para 40 mortes por cada 100 habitantes, o suprimento de alimento só foi parcialmente restabelecido em 1320, deixando milhões de mortos, principalmente entre a população mais pobre européia, ou seja, aquela responsável pela mão de obra nos campos de lavoura e criação. Em consequencia da Grande Fome teve início a Guerra dos Cem Anos entre a França e a Inglaterra em 1337, num tempo de luta pela sobrevivência o recrudescimento da belicosidade  e da violência entre os europeus  não é um fato de se admirar, portanto não foi só a fome e as doenças que elevaram o número de mortos a milhões.

Portanto,  a Europa em 1346 era um campo fértil para a disseminação da peste negra, com uma população subnutrida, com baixa resistência imunológica e, principalmente, desprovida de conhecimentos básicos de higiene e para completar sem pessoas aptas a prestar auxílio e socorro aos doentes, por conta da perseguição à magia e às práticas xamantícas, que poderiam ter sido de grande auxílio. A ignorância era tanta que no início da peste surgiram rumores de que havia uma conspiração de judeus associados com islâmicos que estavam usando de magia para destruir os reinos cristãos da Europa, e que todos poços de água estavam sendo envenenados, o que começou a causar um pânico generalizado na população. Em nenhum momento passou pela cabeça de ninguém, que a falta de higiene sanitária com dejetos humanos jogados nas ruas para servirem de alimento não só  aos porcos, mas, também, aos ratos negros do Himalaia seria razão de todo mal.  Contudo, só em 1347, os europeu se deram conta que a peste não era consequência nem de magia e nenhuma conspiração, e finalmente cairam em si que o problema vinha com os navios mercantes, e passaram a estabelecer um período de quarenta dias para que pudesse ocorrer o desembarque das tribulações e das mercadorias. A medida da quarentena foi útil para diminuir a proliferação dos ratos negros, e caça aos ratos virou uma medida emergencial, já que as populações de gatos e cachorros tinham sido reduzidas brutalmente com a grande fome, pois serviram de alimento. Infelizmente a falta de conhecimentos médicos, como o tratamento dos bulbões de pus da doença impedindo que eles estourassem no corpo levando a um processo de septicêmia mortal, tal como era do conhecimento dos chineses, foi um dos maiores motivos para que até 1350, a peste negra fizesse 75 milhões de mortos entre os europeus, matando 1/3 da população da Europa, um número quinze vezes maior que o número de mortos na China.

Se após as calamidades que afetaram a China a dinastia mongol Yuan foi deposta em 1368, nada muito diferente veio a acontecer na Europa. Após a Grande Fome e a Peste Negra as relações entre as elites feudais da nobresa e a massa campesina tornaram-se cada vez mais tensas. Em decorrência da grande mortandade causada pelos dois fenômenos a mão de obra se tornou mais escassa, crianças e jovens tinham morrido em massa, assim como mulheres e velhos, os homens que restaram ou exigiam altos salários ou preferiam ganhar a vida como mercenários. Ocorreu também que os campos foram abandonados, pois muitos buscaram os centros urbanos em busca de sobrevivência, ou fugiram da exploração nos campos dos senhores feudais. O clima social instável deu lugar a um crescente número de rebeliões, com milhares de camponeses desejosos de acabar com a servidão e as obrigações feudais. Castelos na França, na Inglaterra e na Alemanha foram derrubados, e grandes senhores feudais e suas famílias foram aniquilados. Mesmo que tais rebeliões tenham sido reprimidas fortementa, evidenciou-se que o regime de servidão e de obrigações feudais estaria com seus dias contados. Do mesmo modo no início do século XV as cidades também foram varridas por uma onda de revoltas do populacho contra as camadas dominantes, constitídas pelos elementos mais ricos, que controlavam as empresas comerciais e indústriais, as quais exploravam a força de trabalho da grande maioria da população. Mas, as classes mais abastadas mais bem organizadas conseguiram reprimir tais revoltas, contudo as relações entre os poderosos e os sem poder estariam fadadas a sofrem mudanças cada vez mais dramáticas.


Expansão Império Otomano até 1683
Assim a queda de Constantinopla em poder dos nascente império Otomano em 1453 foi uma “bomba atômica” para a geopolítica européia, foi um evento tão impactante quanto o ataque terrorista islâmico às Torres Gêmeas em 11 de setembro de 2001, na cidade de Nova Iorque (EUA). O impacto foi tão grande que a batalha de Castillon, em 17 de julho de 1453, acabou por ser o último suspiro da Guerra dos Cem Anos, uma vitória garantida aos franceses em razão do emprego de uma artilharia composta de mosqueteiros e 300 canhões, algo que os pobres ingleses simplesmente desconheciam até aquele dia, mas que os franceses em 1429 tinham importado a tecnologia dos canhões e dos mosquetes da China, e investiram no aprimoramento dessas novas armas de fogo, responsáveis por colocarem os ingleses para correr do continente europeu direto para a ilha deles, onde começaram uma guerra particular pela disputa do trono, a famosa Guerra das Duas Rosas. 


Abaco Romano
Se o aparecimento da artilharia pesada com armas de fogo mudou as regras das guerras, a tomada de conhecimentos mais sutis teria um impacto transformador muitíssimo maior para que viesse ocorrer a terceira metamorfose humana. Pode-se dizer que essa terceira metamorfose teve inicio quando um certo jovem mercador italiano da cidade de Pisa de 32 anos, chamado LEONARDO FIBONACCI (1170-1250) publicou o seu livro “Liber Abaci” ( Livro de Cálculo) , reunindo os conhecimentos matemáticos que adquiriu durante suas viagens ao Egito e Constantinopla. Em seu tempo os europeus usavam a numeração romana e grega, e para auxiliar nos cálculos usavam o “abaco”, uma espécie de calculadora utilizada desde os anos 2.000 a.C. na Mesopotâmia e que sofrera poucas modernizações. Em seu livro de 1202, Fabonacci apresentou os algarismos hindus-arábicos com a numeração com digitos 0 ­– 9 , um novo sistema numeral, a notação posicional e como estes eram aplicados à contabilidade comercial. Por incrível que pareça o livro não alcançou muito sucesso, e essa edição acabou sendo perdida. Em 1228, Fabonacci não se deu por vencido e reescreveu o seu “Liber Abaci”, e é essa edição que chegou aos nossos dias e encontra-se na Biblioteca de Florença. Certo é que alguns mercadores e comerciantes começaram a usar os novos algarismos e métodos contábeis propostos por Fabonacci, até que a justiça de Florença viesse a julgar condenável a prática do que consideraram uma “espécie de código cifrado” de métodos contábeis e simplesmente “proibiram” o uso dos algarismos hindu-arábicos no ano de 1280. Porém, isso não impediu que os algarismos e os cálculos propostos por Fabonacci viessem a ser usados “secretamente”, principalmente pelos cavaleiros templários na formação do primeiro sistema bancário e, posteriormente, pelos poderosos banqueiros de Florença, como os Medici.


Sutra do Diamante – 868 d.C.
Por ocasião em que os laços comerciais entre os venezianos e a dinastia chinesa mongol Yuan se estreitaram, os mercadores venezianos ficaram impressionados com o uso corrente que se fazia na China de um “papel moeda”, que valia tanto quanto as moedas de prata cunhadas utilizadas na Europa. O papel utilizado pelos chineses for a inventado em 105 d.C. por Cai Lun ( ou Ts’ai Lun) , durante a dinastia Han. O primeiro texto “impresso” também foi obra chinesa, com um método xilográfico, escavado num bloco de madeira, assim o primeiro texto impresso foi um texto budista, a Sutra do Diamante, em 868. Entre 1045 e 1058, o chinês Bi Sheng (ou Pi Sheng) inventou a primeira impressora com tipos móveis de porcelana. Essa impressora foi utilizada para imprimir a primeira moeda corrente da China, o Jiaozi, que passou a ser utilizada durante a dinastia Song (960 – 1279). Quando os mongóis conquistaram o norte da China e depois fundaram a dinastia Yuan ( 1271 – 1368) uma nova moeda corrente foi criada, o Chao, que inovava por não ter restrições quanto ao uso e duração, além de ter sua garantia dada pelo Estado e não por mercadores ou banqueiros privados. Por esta época os tipos móveis de porcelana, que se quebravam facilmente, foram substituídos pelos tipos móveis de madeira criados por Wang Zhen, em 1298, e matrizes em bronze passaram a servir para a impressão do Chao. Apesar de não haver uma comprovação histórica, é mais do que provável que os conhecimentos tecnológicos de impressão e cartografia dos coreanos tenham sido absorvidos e utilizados pelos mongóis, visto que em 1230, durante a dinastia Goryeo (918 – 1392), os coreanos inventaram a primeira impressora de tipos móveis de bronze, extremamente duráveis, uma adaptação do processo de cunhagem de moedas, em que o caráter era esculpido em madeira, depois envolvido com argila mole, deixando secar para formar o molde, onde o bronze derretido seria colocado, e após esfriado seria retirado do molde e polido.  Logo após essa invenção os mongóis invadiram a Coréia, em 1231, e tornaram o império coreano um estado tributário do império mongol até 1350. Porém, só em 1377, os coreanos imprimiriam o primeiro livro no sistema de tipos móveis de bronze, o “Jikji”.

Portanto, é mais do que evidente que esta questão tão interessante do “dinheiro de papel” empregado pelos chineses em suas atividades comerciais tenha sido naturalmente divulgado pelos mercadores venezianos entre os comerciantes e banqueiros europeus, e que logicamente, sendo os cavaleiros templários ao final do século XIII os donos e senhores das transações financeiras e comerciais européias, não é de causar o menor espanto que eles tenham colocado em prática a idéia com a criação de suas “cartas de crédito”, que passaram a valer em peso leve o peso pesado do transporte do dinheiro das mais diversas moedas européias de prata. Contudo, as consequência do uso desse método pelos cavaleiros templários, tal como já vimos anteriormente, foi uma das causas do início da campanha da supressão da Ordem do Templo a partir de1307.

Assim, os conhecimentos vindos do Oriente –  do papel, da impressão e dos cálculos matemáticos com algarismos hindú-arábico –  durmiram um longo sono secular até que, segundo a lenda, apareceram numa “idéia que veio como um raio” na cabeça do alemão JOHANNES GUTEMBERG (1398 – 1468), em meados do século XV.


Impressora (prensa de vinho)
JOAHANNES GUTEMBERG nasceu na cidade de Mainz, na margem esquerda do rio Reno, no território do Sacro Império Romano Germânico. Ele era filho de um rico comerciante que pertencia a aristocracia local e que veio a se tornar ourives da casa da moeda o arcebispo de Mainz e também praticava a fabricação e venda de relíquias cristãs. Por conta das constantes disputas políticas locais a família mudou-se para Strassburgo, onde permaneceu de 1434 a 1444, neste período o pai de  Gutemberg introduziu ele no conhecimento da ourivesaria. No ano de 1436 Gutemberg associou-se ao seu mestre lapidador de gemas preciosas, Andreas Dritzhen e ao fabricante de papel Andreas Heilmann, tendo como objetivo comum fazer um negócio de impressão, que ainda era bem incipiente na época com uso de matrizes escavadas em madeira, xilografia e xilogravura, e uma prensa inspirada na que era utilizada para espremer uvas na fabricação de vinho. Os registros de uma questão judicial surgida em 1439, apresentam um inventário dos materiais da oficina então usada por Gutemberg, consta da listagem a quantidade de metais existente e já os tipos móveis de metal. No ano seguinte de 1440, a idéia de Gutemberg de mecanizar a produção impressa toma forma de uma impressora com matrizes e tipos móveis de chumbo fundido, os quais podiam ser reutilizáveis. 


Códex da Bíblia
Paralelo a esse invento cujo processo guardave inteira semelhança ao idealizado pelos coreanos em 1230, Gutemberg também desenvolveu tipos de tintas para a impressora que pudessem ser usadas tanto nos costumeiros pergaminhos comuns da época, também chamados de velinos, feitos de pele de animais, comumente de ovinios, e , principalmente ao novo tipo de papel de celulose de tecnologia chinesa, que começava a ganhar o mercado europeu. Contribuiu imensamente para o sucesso do invento de Gutemberg seus preciosos conhecimentos do novo sistema de cálculo introduzido por Fibonacci, que aquela altura se tornara uma prática comum entre os comerciantes e banqueiros, que permitiu não só os cálculos de arquitetura engenharia da nova máquina impressora, mas principalmente desenvolver um cálculo para a diagramação de páginas para serem impressas, que pudessem vir a constituir um “livro”. A partir de 540, os antigos rolos de papiros e volumens passaram a dar lugar ao códex, um coleção de manuscritos em páginas de pergaminho que eram costurados juntos e encapados, tornando mais fácil o manuseio, a leitura da documentação e o seu transporte. Portando é a partir do códex que a idéia de um livro propriamente dito, tal o conhecemos irá surgir das mãos habilidosas de Johannes Gutemberg.


Tipos Móveis de Chumbo
Apesar da prensa de tipos móveis estar saindo da idelização para sua realização desde 1440, a falta de ativos financeiros levou Gutemberg à ruína. Todavia, apesar do desastre financeiro Gutemberg não desistiu e retornou para sua terra natal em 1448, e conseguiu tomar um emprétimo com seu cunhado, Arnold Gelthus, para montar uma nova oficina tipográfica em Mainz.  Quando ele precisou de mais dinheiro, Gutemberg entrou em contato com o poderoso banqueiro e financista Johann Fust (1400 – 1466), que interessando-se pela proposta de Gutemberg emprestou-lhe 800 florins iniciais em 1450 para realizar seu projeto de publicação de livros impressos, em troca da hipoteca da sua oficina e do compromisso de uma lucrativa porcentagem sobre as vendas dos livros impressos.  Para honrar o compromisso, Gutemberg considerou que o único livro possível de ser impresso e obter sucesso absoluto de vendas seria a Bíblia de São Jerônimo, a Vulgata, publicada em 400 d.C. e que reunia a tradução das escrituras do grego e do hebraico para o latim. Em 1451, Fust colocou seu escrivão  Peter Schöffer, que tinha estudado na Sorbonne de Paris e também era copista de manuscritos para aprender a arte da tipografia e da impressão com Gutemberg, tornando-se seu principal tipógrafo.


Detalhe Página da Bíblia de Gutemberg
De 1452 a 1455, Gutemberg imprimiu em sua oficina 180 cópias de sua Bíblia – 135 em papel e 45 em pergaminho (velino) –, a qual era constituída de 2 volumes, cada um com 1.282 páginas, sendo cada página impressa com duas colunas de 40 a 42 linhas, com o uso de tintas preta e vermelha e iluminadas à mão (destas só 48 chegaram aos nosso dias, e um exemplar é avaliado em torno de 25 a 30 milhões de dólares). No dia 23 de fevereiro de 1455 o projeto da Bíblia de Gutemberg estava finalizado e em março de 1455 recebeu a autorização papal para ser comerciada em Frankfurt. Foi um sucesso absoluto! Assim que a obra tornou-se de conhecimento público todos os monarcas e nobres poderosos da Europa queriam ter o seu exemplar, o mesmo se dava em relação aos mosteiros e congregações religiosas, logo a necessidade de novos exemplares serem impressos ficou mais do que clara.


Página Inicial da Bíblia de Gutemberg
Apesar do estrondoso sucesso Gutemberg acabou vítima de uma grande armadilha. Após o termino do projeto, Peter Schöffer – que se tornara braço direito de Gutemberg na oficina de tipografia, mas era funcionário de Johann Fust –  casou-se com a filha única do banqueiro, Cristina, tornando-se genro do financista. Em novembro de 1455, Johann Fust entrou com uma ação na justiça acusando Gutemberg de má  versação dos fundos do projeto e cobrando dele uma dívida de 2.100 florins e executando a hipoteca do contrato inicial. Peter Schöffer depôs a favor do sogro e logo Gutemberg foi à ruina absoluta. Em 1456, foi fundada a companhia tipográfica Fust & Schöffer, a qual deu continuidade ao processo de impressão da Bíblia de Gutemberg, naturalmente sem lhe dar nenhum crédito, e a companhia foi primeira a estampar o “direito de impressão” em seus livros a partir de 14 de agosto de 1457.


Exemplar da Bíblia de Gutemberg do Congresso dos EUA
Aos 59 anos, Johannes Gutemberg não ficou só completamente arruinado financeiramente como moralmente abalado após ver os 21 anos dedicação e trabalho árduo à realização de sua idealização lhe serem subtraídos ardilosamente e deixando-o na miséria. Sabe-se que com a ajuda de um bispo que o acolheu, em 1459, ele conseguiu trabalho numa oficina de tipografia em em Bamberg. Ele chegou a fazera uma edição de Bíblias, mas não datadas ou com seu nome. Ele retornou para Mainz e conseguiu montar um pequeno atelier tipográfico, mas, em 1461, quando a cidade foi tomada pela disputa pelo arcebispado, acabando incendiada e saqueada, Gutemberg se viu sem nada novamente e fugiu exilado. Contudo, em fevereiro de 1465, o arcebispo da cidade de Mainz, Adolfo II de Nassau, reconheceu o mérito de Gutemberg e o nomeou “cavalheiro da corte” (em alemão Hofmann), o título o beneficiou com uma pequena renda alimentar, capaz de garantir a sua mínima subsistência. Mal se passaram três anos, Gutemberg faleceu na miséria, aos 70 anos, no dia 3 de fevereiro de 1468, quando legou sua invenção para a humanidade. Gutemberg foi enterrado num mosteiro franciscano em Mainz, mas seu túmulo é dado como desaparecido.

A primeira cópia da máquina de impressão inventada por Gutemberg em Mainz, na Alemanha, foi instalada em Paris no ano de 1470. Uma década depois em 1480 haviam impressoras espalhadas por 110 lugares na Europa: Itália, França, Espanha, Holanda, Bégica, Suiça, Inglaterra, Boemia e Polônia. Ao final do século XV não eram menos que 270 espalhadas por toda Europa, e se pode dizer que o “livro impresso” já era de uso universal na Europa.

A Itália logo se tornou um dos primeiros centros de impressão por volta de 1500, com oficinas tipográficas estabelecidas em 77 cidades, e as impressoras já teriam produzido mais de vinte milhões de cópias, no século seguinte calcula-se que chegaram a 150 a 200 milhões de cópias. Ao final do século XVI a atividade de impressão era tão forte que calcula-se que existiam aproximadamente três mil oficinas impressoras em atividade, sendo que um terço de todas as publicações eram originárias de Veneza. Por volta do ano de 1600 as impressoras européias eram capazes de produzirem 3.600 cópias por dia. As publicações deixaram de ser feitas apenas em latim e adotaram as linguagens regionais, promovendo a alfabetização das massas e assim aumentando cada vez mais o número de leitores.

A vasta capacidade de impressão de obras de autores individuais podiam tornar-se verdadeiros bestsellers, por exemplo: o trabalho do humanista holandês Desiderius Erasmus (1469 – 1536)  teve 750 mil copias vendidas durante o período que ele viveu.  No início do período da Reforma, o potencial revolucionário da palavra impressa surpreendeu as cabeças coroadas da Europa e o papado. No período de 1518 a 1524 a publicação de livros no Sacro Império Romano Gemânico foi às alturas, de 1518 a 1520, o tratado de lutero foi distribuido com mais de 300 mil cópias impressas. Como bem veio a dizer o filósofo inglês Francis Bacon em 1620: “A impressão da palavra escrita mudou toda a face e o estado das coisas através do mundo.

Sem dúvida o poder da palavra impressa viria a se mostrar muito mais poderoso do que qualquer arma que o ser humano pudesse conceber e inventar. De fato, Gutemberg inventou uma máquina que instrumentou a terceira metamorfose humana, a ponto de nos levar a questionar se os seres humanos que passam a surgir na face da terra a partir do século XVI seriam realmentes descendentes de seus ancestrais, tal é a transformação mental que passam a manifestar na expressão intelectual e em suas realizações. Inquestionavelmente, foi neste ponto em que um mundo enfrentou um apocalipse de toda uma era e que a Humanidade começou uma nova trajetória rumo ao desconhecido de um novo mundo.