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terça-feira, 8 de novembro de 2011

V - A NATUREZA DAS SOCIEDADES SECRETAS



            A idéia de uma sociedade secreta, reunindo pessoas culturalmente avançadas, resultou do desejo dessas pessoas de proteger suas descobertas intelectuais contra os poderes organizados ou da curiosidade e da avidez alheias, se reservando o direito de utilizar tais conhecimentos no momento considerado mais oportuno, ou de os sepultar durante vários anos, ou ainda de colocar em circulação apenas uma ínfima parte[1].  Para fugir ao domínio intelectual da Igreja de Roma, as sociedades secretas passaram a combater de maneira estratégica a política papista do uso do cristianismo como um instrumento de repressão e de atraso do progresso europeu.

            As sociedades secretas que foram identificadas a partir da segunda metade do século XVI, comungam de uma mesma natureza misteriosa, ao possuírem um contexto ritualístico bem encenado, que é em verdade uma precaução sábia, pois constitui uma fachada a fim de impedir a descoberta da sua verdadeira natureza. Elas utilizavam um esplendido sistema de desinformação, precisamente calculado para desviar a atenção do que realmente é importante. É preciso familiaridade com a fatologia dos fatos, como escreveu o escritor norte-americano Norman Mailer: “É preciso distinguir os fatos essenciais dos periféricos. Dados históricos, afinal, não são factuais, e permitem revisão dos pesquisadores. Devem procurar por um começo, portanto, um fato que não possa ser dividido em partículas de fatos” [2].

            Para poder escrever algo coerente sobre estas sociedades me dediquei a ler, isenta de qualquer julgamento, as informações disponíveis. O material que encontrei foi deveras desapontador; milhares de factóides e informações em sua maioria permeadas de discriminações e superstições - como se o que estivesse mais em jogo fosse uma luta entre Deus e o Diabo -, a tal ponto que me senti transportada para o período da Inquisição. Então, seguindo o conselho de Norman Mailer, e considerando que a História é sempre escrita pelos vencedores do momento, dediquei-me a peneirar as informações de forma a obter os fatos essenciais, que permitissem traçar um perfil isento de tais organizações, as despojando das histórias fantasiosas, que afinal constituem uma bela fachada às suas reais atividades. Um mergulho nas profundezas do oceano dos fatos históricos então me revelou uma outra perspectiva dos acontecimentos: a história por trás da história oficial, da qual pincei os fatos mais reveladores.

            Durante o período das Cruzadas ocorreu também à abertura das rotas comerciais, sobretudo a da chamada Rota da Seda, muito utilizada pelas caravanas desde 3.000 a.C., e que sempre permitiram o comércio entre o Extremo Oriente, o Oriente Médio e a Europa. O movimento imigratório do leste para o oeste vindo da Ásia deixou a rota insegura e perigosa, e a partir do século X o Império Bizantino e o Islão se tornaram um obstáculo ao acesso dos europeus a ela.
             
Rota da Seda
            No mapa ao lado podemos observar a Rota da Seda, onde a parte escura representa o Império Mongol por volta de 1227.  O Império ainda viria a se expandir mais ao Sul chegando ao Vietnã, ao Norte ocupando parte da Rússia, a Leste chegaria ao Japão e a Oeste à Bagdá, e atingiria as fronteiras européias da Polônia e Alemanha.  Com a estabilidade política trazida pelo Império Mongol, a partir de 1215, a Rota da Seda retomou o seu fluxo, com as mercadorias seguindo nos lombos dos camelos, burros e cavalos. Contudo, poucas pessoas a cruzavam por inteiro, já que o transporte das mercadorias se dava em etapas e eram negociadas a cada troca de caravana. 

            No ano de 1255, os irmãos Nicolò e Maffeu Polo, originários da Croácia e estabelecidos como mercadores em Veneza, tomaram por destino a Rota da Seda. Eles seguiram os passos do franciscano Giovanni da Pian Del Carpine, que fora o primeiro cristão a percorrê-la, em 1245, com incumbência de levar uma carta do papa ao Cã mongol em Pequim, retornando de lá em 1247.  Já os irmãos Polo levaram dez anos para chegarem a Pequim, no retorno trouxeram uma carta do Kublai Cã, convidando os professores ocidentais a ensinarem em seu império e inteirar sua corte dos costumes ocidentais. Em 1971, Nicolò retornou à Pequim levando a resposta do papa e acompanhado de seu filho Marco, então com 17 anos. Marco caiu nas graças de Kublai Cã, que fez dele seu conselheiro e posteriormente seu emissário. Marco Polo só retornou a Veneza vinte e quatro anos depois, com a idade de 41 anos (1295). Todos ouviram seus relatos, suas histórias, muitos viram os tesouros que trouxe da China, mas poucos acreditaram que eram verdadeiras as suas aventuras nas terras distantes do Oriente.

            Durante uma das batalhas entre os venezianos e genoveses, Marco Paulo caiu prisioneiro (1298), e foi encarcerado em Genova. Foi na prisão que ele ditou a Rustichello da Pisa as suas aventuras. O livro veio a ser traduzido em várias línguas européias dividindo opiniões entre os céticos e crentes; para uns os relatos eram histórias que lhe foram contadas, para outros seus relatos eram verdadeiros. Aos setenta anos encontrou-se Marco Polo em seu leito de morte, e estando em seus últimos momentos um padre o incitou a dizer que havia mentido a respeito de seus relatos. A recusa de Marco Polo veio veemente e indignada: “Eu não contei nem metade do que vi!” [3]. 

            Os estudiosos de Marco Polo expressam controvérsias quanto aos seus relatos, alguns o acusam de não mencionar a caligrafia chinesa, os sapatos e amarrar e o chá, enquanto outros dizem ao seu favor que suas informações sobre o dinheiro em papel, o sistema de correio e a menção do Japão pelo nome chinês de “Zipang” estão corretas. De certo Marco Polo não poderia de nenhuma maneira ter relatado tudo que vira com perfeita fidelidade, pois o mundo europeu vivia debaixo da censura da Inquisição. A autocensura sensata deve ser a razão de muitas omissões importantes.  A ausência que se faz mais notável é a que diz respeito às características religiosas do Império Mongol, onde era permitida a livre expressão de fé, desde aquelas de origens nativas, Taoísmo e o Daoísmo, às de origem estrangeiras, tais como o Islamismo e o Budismo. A omissão se faz relevante considerando que Marco Polo inseriu em seus relatos a sua visita à Índia, onde havia a prática concomitante do islamismo, do hinduísmo e do budismo. De certo Marco Polo não fez nenhum relato oficial sobre as religiões orientais, mas é possível que tenha feito um relato sub rosa, um relato secreto, onde descreveu principalmente informações do Budismo.

Buda e seus Discípulos
            A história do príncipe hindu Siddartha Gautama, sem dúvida chegou ao conhecimento de Marco Polo e deve ter lhe chamado à atenção pelo fato de seus preceitos guardarem intima semelhança com os de Jesus, apesar de ter nascido, ao que consta, em 563 a.C., mais de cinco séculos antes do Sermão da Montanha.

             Siddartha aos 29 anos abandonou o luxo e as riquezas da casa de seu pai, por não se conformava tanto com a rigidez das castas do hinduísmo como a condenação do mundo ao sofrimento. Adotou uma vida de práticas ascéticas acompanhando os eremitas hindus, considerados homens purificados. Todavia, após seis anos refletiu que não havia alcançado o grande conhecimento que buscava. Então, decidiu-se a ficar sentado debaixo de uma grande figueira e jamais abandonar a mesma posição até encontrar a “verdade”. Tinha ele 35 anos, quando após permanecer imóvel por algumas dezenas de dias veio a alcançar a “Iluminação”. A partir de então, ele passou a ser conhecido como Buda, que quer dizer “o Sábio” ou “o iluminado”, ou ainda “o despertado”.

           
            Há uma passagem no Evangelho de São João que ao ler sempre me remete à lembrança de Buda. Ela descreve o encontro de Jesus com Natanael, que a princípio não acreditava que Jesus pudesse ser o messias. Natanael ao se aproximar de Jesus, este lhe diz: “Eis um verdadeiro israelita, no qual não há falsidade”. Espantado, Natanael perguntou a Jesus: “Donde me conheces?” Jesus lhe responde: “Antes que Filipe te chamasse, eu te vi, quando estavas sentado debaixo da figueira”. Natanael impressionado diz a Jesus: “Mestre, tu és o filho de Deus, tu és o rei de Israel!” Então Jesus replica lhe: “Porque eu te disse que te vi debaixo da figueira, crês! Em verdade, em verdade vos digo, vereis o céu aberto e os anjos de Deus subir e descer sobre o Filho do homem” [4]. A luz desta passagem está no conhecimento do significado da palavra israelita. O leitor tem que ter o conhecimento de uma passagem bíblica do Gênesis, onde Jacó encontra-se com um anjo, que ele considerou depois como se fosse Deus, ao dar ao local do encontro o nome de Fanuel (a face de Deus), porque acreditava que tinha visto Deus face a face e conservara a vida, contrariando a crença vigente da impossibilidade de ver a Deus sem ser fulminado por Ele. Jacó relata que passara a noite lutando com o anjo, e que depois disso o anjo lhe deu o nome de Israel (aquele que luta com Deus), porque lutaste com Deus e com os homens e venceste. Então, quando Jesus diz que Natanael é um perfeito israelita onde não se encontra dolo, se refere precisamente ao fato dele ser uma pessoa que persiste inabalável em busca da verdade, capaz de enfrentar as convenções humanas e até Deus por ela. Buda também lutou com Deus e com os homens quando estava debaixo da figueira, de certa forma pode-se considerar Buda um perfeito israelita como Natanael, o que aproxima a figura de Buda do cristianismo.

            Depois da iluminação, Buda tomou a decisão de ensinar o caminho da revelação àqueles que o seguiam. Ensinou que não havia intermediários entre o ser vivente e o nível divino, tal como Jesus. Buda disse que era preciso através da meditação conhecer a natureza da mente e que o choque desta revelação permitia que a ignorância fosse eliminada e Jesus disse: “... conhecereis a verdades e a verdade os libertará” [5]. Estabeleceu, também, o princípio da renúncia a si mesmo, como o único meio dos seres humanos se libertarem das suas paixões, Jesus também ao dizer: “Se alguém quiser vir comigo, renuncie-se a si mesmo, tome a sua cruz e siga-me. (...) Que servirá a um homem ganhar o mundo inteiro, se vem a prejudicar a sua vida? Ou o que dará o homem em troca de sua vida?...” [6] . Buda morreu com 70 anos, por volta do ano de 483 a.C. e o seu legado de sabedoria foi à base para o Budismo, o qual se propagou por toda a Ásia.

            Marco Polo viveu até 1324, o suficiente para testemunhar a grande fome (1315-1317) e as epidemias que passaram a assolar a Europa e que culminaria com a peste negra[7]. Viveu para ver só início do sofrimento que sobreveio naquele século, mais ainda estava por vir com a guerra dos 100 anos (1337-1453), que envolveria todos reinos europeus na disputa entre a França e a Inglaterra pela coroa francesa. A paz só retornou aos países europeus após a guerra das Duas Rosas (1455-1485), pela disputa do trono inglês, quando finalmente todos os tronos europeus ficariam ocupados por seus devidos reis. Passados os cataclismas e os infortúnios apocalípticos, das cinzas negras deixadas pela passagem da morte, qual Fênix ressurgirá a Europa, lavada nas lágrimas vertidas por seus filhos padecidos.

            Apesar das desventuras, da insegurança e da falta de meios, o conhecimento cientifico continuou o seu caminho em direção ao progresso da civilização ocidental. Os estudiosos não se davam descanso na busca do conhecimento, no desejo de encontrar o caminho para o fim da ignorância, motivo de todo o sofrimento. Encontraremos, assim, nos relatos históricos do século XV, a prova incontestável de que o conceito de “iluminação” budista chegou à Europa, seja pela mão de Marco Polo ou de qualquer outro explorador que tenha rondado o Oriente a partir de então. Momento este em que se passou a ser apresentada à designação illuminati, termo oriundo do italiano para significado de iluminados, sendo este adotado por entusiastas que anunciavam a próxima chegada de uma luz iluminadora, a qual não seria dada a conhecer por nenhuma autoridade, mas através de uma origem secreta vinda de dentro, que resultaria na exaltação da consciência[8].

            Outros grupos diziam possuir documentos secretos da Antiguidade, grande parte em latim, capazes de oferecer o caminho através dos sentidos para o conhecimento completo de Deus. Tais grupos gnósticos de forte influência italiana surgiram em Salamanca, entre 1492 e 1498, e se chamavam alumbrados ou aluminados, e suas idéias vicejavam ainda por lá ainda em 1527, quando Inácio de Loyola fazia seus estudos e teve simpatia pelos conceitos do grupo. Esta influência inegável pode ser comprovada na obra de Loyola, chamada Exercícios Espirituais, publicada em 1548, que inova com um misticismo contemplativo, introduzindo a meditação para a salvação da alma. A orientação da ordem religiosa por ele fundada em Paris, a Companhia de Jesus (jesuítas), que tinha como principal objetivo à conversão dos heréticos para levá-los a serviço da glória de Deus, refletiria também esta influência. A ordem se tornou em pouco tempo dedicada ao ensino do conhecimento, fosse por questões missionárias, fosse para institucionalizar o ensino e manter sobre ele rigoroso controle, segundo as normas da Igreja de Roma. Outros movimentos alcunhados de illuminati surgiram na França, a partir de 1529, mas o movimento mais forte se deu entre 1623 a 1635, oriundo da cidade espanhola de Sevilha. Contudo, todos eles sofreram rigorosa repressão da Inquisição.

            Um grupo originário das tradições da Ordem dos Templários começou a se formar em 1422, tornando-se conhecido como sociedade secreta em 1537, sob o nome de rozacruzes. Reza a tradição que a Ordem dos Rosacruzes foi fundada pelo alemão chamado Christian Rosenkreuz (1378-1484), que sendo peregrino na Terra Santa acabou como discípulo de vários mestres ocultistas. Ao retornar ao Sacro Império Romano Germânico, Rosenkreuz teria fundado a ordem e construído um templo chamado O Templo do Espírito Santo, apesar da dedicação da sociedade aos conhecimentos esotéricos, o que parece paradoxal[9], mas não o é.

            Este fato se explica considerando o que pode significar o nome Christian Rosenkreuz. Naqueles tempos os nomes e sobrenomes das pessoas comuns diferiam em muito dos nossos costumes atuais, assim John Fishmonger, por exemplo, queria dizer  "João O Peixeiro", porque exatamente essa era a sua atividade. Considerando este costume, o nome Christian Rosenkreuz, quer dizer o seguinte em alemão: Christian (corruptela de Christen) que quer dizer cristão; Rosen que quer dizer rosa e Kreuz que quer dizer cruz ou crucifixo. Caso fosse Rosenkrans, significaria rosário, porquanto se chama assim por simbolizar os mistérios secretos (ou sub rosa) da vida e morte de Jesus. Então, como sabemos que a rosa é o símbolo de um segredo guardado, estando ela antecedendo a palavra “crucifixo”, a idéia que é passada do nome de Cristian Rosenkreuz seria de “o cristão que sabe o segredo da cruz” ou “o cristão do segredo da morte de Jesus”.

            É imaginável que o contato de um europeu da Idade Média com a cultura egípcia foi de tremenda impressão e assombro, sobretudo ao tomar conhecimento do mito de Osíris, que representa o princípio divino do retorno, da morte e da ressurreição eterna. Sem dúvida os Mistérios Egípcios são até os dias de hoje motivo de investigações e debates científicos, anteriormente só eram revelados aos iniciados. O tema fundamental que os permeia consiste na permanência da vida, inclusive ante a morte inerente a todo ser vivo; a morte definitiva não existiria, mas só uma mudança de estado no transcurso de um processo genésico, que se renova constantemente, e que vai do ser inicial ao adulto, e deste a um novo ser, a exemplo da semente ao fruto e deste à semente novamente. Uma revelação que esta escrita nas paredes das tumbas egípcias, e que tem o nome de “Livro do Que está no Duat”. Duat seria o céu ao revés, o local onde se dá a transformação metamórfica, a qual ocorre no segredo da escuridão, lugar onde tudo termina e começa. Interpretado por alguns como o lugar em que Jesus teria se levantado dos mortos. Uma transformação explicada pelos estágios da metamorfose do escaravelho (larva, casulo e alado), representado na divindade de Khepri, que encarna o sol nascente, quando a escuridão se torna luz. Surpreenderá a qualquer um olhar um casulo aberto de um escaravelho e ver na pupa a surpreendente imagem da múmia real envolvida em tiras e linho [10]. Mais uma vez se poderá constatar os paralelos entre os ensinamentos de Jesus e a antiga religião egípcia, a ponto de abalar a confiança do mais vigoroso fiel.

            A partir disso, podemos especular que o conhecimento secreto adquirido por Christian Rosenkreuz estava ligado intimamente com o mistério da morte e ressurreição de Jesus. O que lhe permitiu fundamentar um estudo a respeito do desenvolvimento do poder do ser humano sobre a natureza e sobre si próprio. Um processo capaz de conduzir à imortalidade e a um estado de hiperconsciência sobre tudo o que se passa no Universo, a exemplo do sucedeu com os discípulos de Jesus, ao serem tomados pelo Espírito Santo.  Conta-se que Christian Rosenkreuz construí uma câmara mortuária para ele onde encerrou o “compêndio do Universo”, que se constituía de livros e objetos capazes de resumir o conhecimento universal, onde posteriormente foi enterrado em 1484, com a idade de 106 anos, o que era um feito fantástico para uma época em que a média de vida era de cinqüenta anos.

            No mesmo período em que viveu Rosenkreuz, um outro alemão chamado Joahannes Gensfleisch Gutenberg descobriu a tipografia (1440), com tipos móveis que permitia a impressão de textos longos, e em 1448 imprimiu pela primeira vez a célebre Bíblia de quarenta e oito linhas. De certo que Gutenberg não concebia a revolução que a sua descoberta traria. Até esta época apenas uma minoria da população européia era letrada, a grande massa era analfabeta e ignorante. Nos primeiros tempos a tipografia de Gutenberg serviu principalmente para imprimir Bíblias e livros religiosos, mas depois se alastrou para todas as áreas desde a literatura às ciências. Seria o instrumento que agilizaria a comunicação e a troca de conhecimento, fazendo com que gradualmente o número de letrados fosse crescendo, passando a atingir mais e mais camadas da sociedade.

            Até Gutenberg, o acesso à Bíblia era de tal maneira limitado, que nem os próprios padres tinham conhecimento do Novo Testamento em sua integralidade. Com a impressão, os textos religiosos se tornaram mais acessíveis, mesmo aos vários níveis da hierarquia clerical, de modo que os debates sobre os ensinamentos de Jesus passaram a ganhar dimensões, que fugiam ao controle da Igreja de Roma. Na Inglaterra Erasmo de Rotterdam (1466-1536) sob os auspícios de Henrique VIII iniciou o exame dos manuscritos do Novo Testamento, preparando a nova edição com tradução do grego para o latim e incluía anotações e comentários, sendo publicada em 1516. Este fato seria decisivo no surgimento de severas criticas aos métodos praticados pela igreja romana para defesa da fé. O epicentro deste movimento reformador do cristianismo romano se deu no Sacro Império Romano Germânico, quando um filho de camponeses, que se tornara mestre em filosofia pela Universidade de Erfurt (1505), veio a ser monge agostiniano, sacerdote (1507) e depois doutor em teologia. E, estando ele tomado de forte convicção em suas crenças religiosas se opôs à venda de indulgências pela Igreja de Roma, respaldado na doutrina de São Paulo e na salvação pela fé (1517). Perseguido pela Igreja de Roma e pelo jovem Carlos V, Imperador do Sacro Império, ficou refugiado com o príncipe de Wartburg, onde traduziu a Bíblia para o alemão, ou seja, pela primeira vez a Bíblia foi traduzida do latim (ou grego) para uma língua “bárbara”.

             O nome, desse simples e corajoso homem que decidiu erguer sua voz contra as práticas questionáveis da Igreja de Roma, era Martin Lutero (1483-1546). Ele acreditava possível promover a chamada Reforma sem que ocorresse um cisma. Foi excomungado em 1520, e mesmo privado de seus direitos recusou-se a se submeter, porquanto considerava, que em matéria de fé, a Escritura Sagrada era a suprema autoridade e a salvação se dava apenas pela fé. A nobreza alemã cansada com as sobrecargas dos altos dízimos cobrados pela Igreja de Roma, a título de salvação e compra da “fé”, sentiram-se respaldados moralmente para enfrentar os seus abusos, e resistiriam aos ataques de Carlos V, Habsburgo, fiel protetor da igreja romana. Como não poderia perder o apoio político dos príncipes alemães, Carlos V reconsiderou a sua posição e em 1547 assinou o tratado de Augsburgo, reconhecendo a existência legal do luteranismo no Sacro Império Romano Germânico e permitindo secularizar os bens eclesiásticos dos principados luteranos.

            A Igreja de Roma, que até então se dedicara a patrocinar as aventuras náuticas dos portugueses e espanhóis, em busca das conquistas de terras ultramares e das apregoadas riquezas das Índias, se viu subitamente assolada pelo movimento reformista que se alastrou pela Europa, o qual lançou duvidas sobre a sua autoridade religiosa e conseqüentemente política. O luteranismo se propagou pelo norte do Sacro Império, atingiu as regiões da Prússia, Dinamarca, Suécia, Noruega e chegou também a Suíça e de lá à França, onde João Calvino (1509-1564), como partidário da Reforma luterana estabeleceu uma doutrina essencialmente centrada no conceito divino da fé cristã primitiva, estabelecida por São Paulo. O Calvinismo passou a se expandir pela França, Suíça, Holanda, Inglaterra e Escócia. Na França o Calvinismo teria aspectos dramáticos devido à intolerância religiosa, como a matança de Wassy (1562), que resultou nas guerras de Religiões. Mas na Inglaterra, Henrique VIII rompeu com Roma, em 1531, e posteriormente seu filho Eduardo VI, foi o fundador do anglicanismo, que reuniu conceitos do cristianismo romano e do luteranismo, adquirindo aspecto formal como Igreja Anglicana no reinado de Elisabeth I (1558).

            Toda esta revolução religiosa se deveu tão apenas ao fato da revelação do Novo Testamento, que até então fora mantido em grande parte em segredo pela Igreja de Roma. É no clima da Reforma que a Companhia de Jesus recebe a autorização papal para seu funcionamento, em 1534. A ordem era dotada de uma constituição onde exigia abnegação e total obediência ao Papa e superiores hierárquicos. Em pouco tempo a nova ordem fundou escolas, faculdades e seminários por todos os reinos fiéis a Igreja de Roma. Era empregado o método elaborado nos Exercícios Espirituais [11] por Loyola para a salvação da alma dos fiéis. O fiel deveria permanecer em silêncio por várias semanas, submetendo-se a uma série de meditações direcionadas à vida de Jesus, tendo encontros neste período apenas com o seu orientador espiritual, que o socorreria no entendimento das mensagens que viesse a receber de Deus durante as meditações. É impossível não considerar a influência das práticas budistas de meditação neste caso.

            Os jesuítas em razão de seu método de conversão dos hereges vieram a ser a tropa de elite papal e confessores dos reis católicos. Suas missões religiosas chegariam ao Japão (1580), ao Tibet (1661) e nas colônias latinas-americas de Portugal e Espanha. O papel da Companhia de Jesus passa a ser fundamental para a conservação do poder da Igreja de Roma, e o poder político exercido pela ordem religiosa ia muito alem do território da fé, utilizando-se de métodos pouco convencionais e obscuros para interferir em vários governos europeus a fim de atender as prerrogativas estabelecidas pela Igreja de Roma ou dos dirigentes da ordem monástica[12]. A rede de influência dos jesuítas irá se confrontar em aproximadamente dentro de um século com as redes que surgentes do desenvolvimento cientifico e cultural no momento em que passaria a ocorrer a maior transformação histórica da Humanidade, onde se romperia de maneira dramática com o status quo vigente por séculos e séculos.



[1] Louis Pauwels e Jacques Bergier – “Le Matin des Magiciens” - Librarie Gallimard, Paris – Pg. 48.
[2] Norman Mailer – “Harlot’s Ghost” – Editora Best Seller – 1991 – Vol. II – pg . 545.
[4] Jo - 1: 43-51.  O Evangelho de São João data de 90 d.C. Não faz parte dos Evangelhos sinópticos, que guardam semelhanças entre si.  Este Evangelho é o mais polemico, e por isso considerado um Evangelho espiritual. Curiosamente a Igreja Católica diz que ele não foi escrito para os pagãos, mas para os cristãos que se confrontavam com numerosas objeções e lutavam para defender a fé de doutrinas estranhas. O que chega a ser irônico, tal é a quantidade de referências aos conhecimentos herméticos da Antiguidade no texto.
[5] Jo - 8:31.
[6] Mt. 16:24-26.
[7] A subnutrição causada pela grande fome predispôs a população européia a grandes surtos epidêmicos, dos quais o maior foi à peste negra, ou peste bubônica, que grassou entre os anos 1347 e 1350, dizimando quase um terço da população européia, ou seja, vinte e cinco milhões de pessoas. A peste veio da Ásia Menor e através de um navio veneziano chegou à Itália, dali propagando-se para o resto da Europa. (Raymundo Campos – “História Geral” – Vol. 1 - Atual Editora – 1981 – pg. 130).
[8] Illuminati - Wikipedia, the free encyclopedia.htm


[9] Christian Rosenkreuz - Wikipedia, the free encyclopedia.htm
[10] Lucien Lamy  - “Egyptian Misteries” – Thames and Hudson, London - 1981

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