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quarta-feira, 30 de novembro de 2011

VIII - A LIBERDADE DE PENSAMENTO




                                                   
Na Europa oprimida pela Inquisição a ousadia de pensar por si mesmo poderia ser um crime punido com a morte. O primeiro que ousou tal feito foi Leonardo da Vinci (1452-1519), mas suas dádivas artísticas se sobrepuseram aos méritos de seus estudos tecnológicos e científicos. O segundo foi Martinho Lutero (1483-1546), que abalou os alicerces da toda-poderosa Igreja de Roma. O terceiro foi Nicolau Copérnico (1473-1543), contudo como bispo católico polonês tinha temor de publicar suas teorias em pleno movimento da Reforma, e só alguns meses antes de seu falecimento é que foi publicada sua obra mais célebre “Das revoluções dos mundos celestes”, onde desmistifica a Terra como centro do Universo a favor do heliocentrismo, em oposição às doutrinas eclesiásticas de Roma. Então, para dar continuidade ao pensamento de Copérnico vieram mais três pensadores: Giordano Bruno, Galileu Galilei e Johannes Kepler.

Giordano Bruno (1548-1600) chegou a ser padre dominicano em Nápoles, mas influenciado pelo copernismo e pelos recém descobertos textos de Platão resolveu abandonar a ordem dominicana, assim como Roma, para poder pensar livremente e fugir da atenção da Inquisição indo para Genebra, no ano de 1576. Lá se tornou calvinista, mas acabou excomungado por defender as idéias de Copérnico e foi obrigado a ir para a França, a fama de sua arte mnemônica que lhe permitia uma prodigiosa memória chegou ao rei da França e até 1576 contou com a proteção de Henrique III. Foi com uma carta de recomendação de Henrique III que ele aportou na Inglaterra em 1583, chegando ser professor em Oxford, mas o fato de ser italiano, ex-padre dominicano e apadrinhado pelo rei da França foi considerado uma ofensa em plena era elisabetana, e tal posição lhe foi negada tanto lá como em qualquer outro lugar da Inglaterra. Em seu livro “Giordano Bruno and the Embassy Affair” (Yale UP, 2002), o pesquisador John Bossy revela que Giordano Bruno foi também agente de Francis Walsingham, o chefe do serviço secreto elisabetano, com o codinome de “Henry Fagot” dentro da embaixada francesa, durante o período que permaneceu na Inglaterra.

Em 1585 atravessou o Canal da Mancha e após uma breve estadia na França seguiu para o Sacro Império Romano, onde recebeu a proteção financeira do imperador habsburgo Rodolfo II, o que permitiu que morasse em Praga e depois em Frankfurt. Acabou convertido ao luteranismo, mas também foi excomungado pelos luteranos por suas idéias. Um convite lhe chaga para ir à Veneza, era de um tal de Zuane Mocenigo que desejava aprender a sua arte mnemônica e que o atrai acenando com a oportunidade dele ocupar uma cátedra na Universidade de Pádua.

 Giordano Bruno ficou deveras tentado e considerou que talvez com a morte do papa conservador Sexto V a Inquisição se tornasse enfraquecida e decidiu que deveria tentar a possibilidade de ensinar em Pádua, contudo ao chegar lá no ano de 1591 encontrou Galileu Galilei na cátedra que lhe havia sido prometida. Desiludido retornou a Veneza, onde se dedicou a dar aulas de memória a Zuane Mocenigo, o qual não conseguindo aprender nada por incompetência se enfureceu com Giordano Bruno, o qual já estando em vias de deixar Veneza foi preso pela Inquisição, por conta de uma denuncia de Mocenigo, em 1592. Transferido em 1593 para o Castelo Sant’Angelo, em Roma, tentou por seis anos ter uma entrevista com o papa na esperança de uma retratação parcial sem sucesso, ao fim seu inquisidor impôs uma total retratação, onde ele teria que negar tudo o que havia dito até então, Giordano Bruno se negou e em conseqüência foi condenado por heresia a morte pela fogueira. Seus juízes em demonstração de misericórdia mandaram amarrar uma bolsa com pólvora em seu pescoço para que morresse mais rápido, mas antes ordenaram que a sua língua fosse pregada ao maxilar para que não pudesse falar. Giordano Bruno morreu em 08 de janeiro de 1600 com o primeiro mártir da ciência e do livre pensamento da era Moderna.    

O que foi que Giordano Bruno disse para merecer tal castigo? Nada que não seja nos dias de hoje de conhecimento universal, tal como: A Terra gira em torno de si mesma numa rotação diurna, o céu é uma ilusão causada pela rotação da Terra sobre seu eixo. O Universo é infinito. As estrelas são iguais ao Sol e possuem seus próprios planetas. A Terra é apenas mais um astro no céu, assim como o Sol. Giordano Bruno não era um astrônomo como Copérnico, mas pensava como um astrônomo e refletia sobre o papel de Deus em relação a estes novos conceitos e acreditava que Deus não tem uma relação particular com uma parte do infinito Universo mais do que qualquer outra. Para ele Deus é emanante, é transcendental, ação elementar e primeira causa de todo Universo. Foi por esse pensamento de Deus principalmente que foi condenado, Giordano Bruno desmistificava o próprio ser humano como razão de Deus ter criado todas as coisas em razão dele, tirava a condição especial e divina humana. Deus não estaria em um lugar propriamente, Ele estaria em tudo. Haveria algo mais herege para a época?

Galileu Galilei (1564-1642) por sua vez pode ser considerado o primeiro cientista da História, em razão de seu amor pela ciência também foi perseguido pela Inquisição. Como Giordano Bruno também se tornou adepto do copernismo. No ano de 1588 passando por problemas financeiros não pode continuar seus estudos na Universidade de Pisa, mas tal era o seu talento que chamou a atenção do Grão Duque de Toscana Ferdinando I de Medici, que o indicou como professor de Matemática nesta Universidade. Logo foi convidado para ser professor de geometria, mecânica e astronomia na Universidade de Pádua, ocupando a cátedra tão desejada por Giordano Bruno, e ali permaneceu até um ano após a morte de seu benfeitor Ferdinando I de Medici, em 1609.

Galileu foi o primeiro a empregar experiências com analise matemática dos resultados, estabelecendo uma comparação quantitativa em lugar da mera dedução baseada na observação. Defendia a separação da ciência da filosofia e da religião, única maneira a seu ver que permitia o desenvolvimento do conhecimento ciêntifico. Em 1608 o primeiro telescópio foi inventado nas Províncias Unidas (Holanda) e Galileu construiu o seu próprio telescópio em 1609, o qual tentou comercializar com os mercadores venezianos sem muito sucesso. Mas, foi com o uso de seu telescópio que descobriu Júpiter com suas maiores luas, Netuno e descreveu a Lua com suas montanhas e crateras pela primeira vez. Seu interesse também seria despertado pelo micro-universo, e construiu o primeiro microscópio em 1610, vindo a aperfeiçoá-lo em 1623. Sua contribuição para o inicio da pesquisa cientifica foi inestimável, como por exemplo, ao contrariar a teoria aristotélica de que os objetos pesados caiam mais rápido que os leves, ao comprovar através da experiência de dois sacos com pesos diferentes jogados do alto da Torre de Pisa, que a velocidade da queda é independente do peso da massa.

Em 1597, em uma carta a Johannes Kepler, quando este ainda era professor de matemática e astronomia numa escola protestante em Graz, na Áustria, Galileu afirmou seu acordo com o copernismo, e mencionou o medo de perseguição caso falasse disso em publico. Mas, apesar de sua prudência o policiamento ideológico da Inquisição o atingiria mais dia menos dia.

Foi para a viúva de Ferdinando, Cristina de Lorena, cuja mãe Claudia era filha de Francisco I da França e Catarina de Medici, que Galileu escreveu uma longa carta em 1613 a fim de esclarecer a relação entre a ciência e as Escrituras no que se referia a rotação da Terra, em 1615 ele revisou a carta e expandiu suas explicações tomando a forma final da obra que ficou conhecida como Carta a Grande Duquesa Cristina, também conhecida como Carta Sobre as Manchas Solares. Este trabalho circulou em forma manuscrita e só surgiu impresso em latim e italiano em Strasbourg, cidade livre do Sacro Império Germânico, em 1636. 

A sabedoria de Galileu se fez mias notória após a Carta, transcendendo o meio acadêmico e provocando a atenção do clero, pois até então o desenvolvimento intelectual estivera intimamente ligado à autoridade eclesiástica. Galileu inaugurou a figura do sábio leigo independente da influência religiosa. Por outro lado há que se considerar outro aspecto, que é o surgimento da autoridade ciêntifica em confronto com a autoridade religiosa em vigor naquela época. Contudo, a perseguição a Galileu teve inicio por algo bem mais prosaico e tão incorporado a natureza humana: a inveja. Foi por pura inveja que o seu serviçal o denunciou por contrariar em alta voz as Escrituras a um padre de Pisa, que se sentindo insultado pela inteligência de Galileu já vociferava contra as idéias de Galileu no púlpito durante seus sermões. A Inquisição dava poder a qualquer um fazer denúncias arbitrárias contra qualquer pessoa sem averiguar a veracidade das informações recebidas. Foi assim que Galileu foi parar nas mãos dos inquisidores pela primeira vez no ano de 1616, que o proibiu de ensinar de qualquer maneira a teoria heliocêntrica de Copérnico. 

Enquanto Galileu se via obrigado ao silêncio, Johannes Kepler se beneficiava da posição de matemático imperial adquirida desde 1599, quando foi auxiliado na obtenção do cargo pelo recém chegado à corte do Sacro Império, o astrônomo Tycho Brahe, que pertencia à nobreza dinamarquesa e era amigo do imperador Rodolfo II Habsburgo. O imperador tinha profundo interesse nas ciências ocultas e era patrono dos alquimistas, o que o levou a estabelecer a liberdade religiosa no Sacro Império Germânico, visando apaziguar o crescente conflito entre os católicos e protestantes. Tycho, apesar de defender uma teoria geocentrista por ele elaborada a fim a de atender os conceitos católicos, acabou por se tornar assistente de Kepler, que defendia o copernismo. Tycho morreu de maneira misteriosa após um banquete em 1601. Por sua vez, Kepler ganhou cada vez mais prestigio junto a Rodolfo II Habsburgo, não tanto pelo seu conhecimento astronômico, mas sim através de suas previsões astrológicas.

Após a morte do excêntrico imperador em 1612, Kepler publicou uma obra sobre a teoria de Copérnico em três partes entre 1618 e 1622, num momento em que a liberdade religiosa já se tornara passado, porquanto o novo imperador era ferrenho inimigo dos protestantes, não exatamente por motivos religiosos, mas porque representavam uma ameaça à casa imperial dos Habsburgos. Tenha sido por coincidência circunstancial ou não, foi em 1620 que a mãe de Kepler foi levada à prisão acusada de ser bruxa, onde foi torturada e permaneceu aprisionada por quatorze meses, por que se recusar a confessar os crimes que lhe acusavam. Correndo o risco de também ser preso, Kepler intercedeu corajosamente em favor da mãe junto ao Imperador Ferdinando II Habsburgo, que graças à recente vitória sobre a facção protestante liderada por Frederico V, Eleitor Palatino, interferiu para que a acusação de bruxaria da mãe de Kepler fosse retirada. 

Kepler faleceu em 1630 deixando ao mundo como herança muito da sua sabedoria e legou um pensamento, que poderia ser seu epitáfio: “Eu meramente pensei os pensamentos de Deus após ele ter pensado. Visto que nós astrônomos somos sacerdotes do Altíssimo Deus com respeito ao livro da Natureza, isto nos favorece a sermos pensativos, não para a glória de nossas mentes, acima de tudo, para a glória de Deus”.  

 A despeito da vigilância da Inquisição, Galileu conseguira prosperar e ter entre suas relações representantes das iminentes famílias toscanas e, sobretudo, das poderosas famílias de Florença. Foram exatamente estas preciosas ligações que lhe iriam salvar de um fim desastroso como o de Giordano Bruno. O ano de 1623 lhe seria extremamente propicio, porquanto um de seus amigos próximos, o proeminente florentino Maffeo Barberini, se tornara o papa Urbano VIII. O novo papa ignorou a decisão anterior do Santo Oficio e permitiu que Galileu escrevesse sobre as suas idéias, com a ressalva que não fizesse uma clara defesa da teoria de Copérnico. Galileu retirou-se para sua vila em Arcetri, apenas a três quilômetros do centro de Florença, e se dedicou de corpo e alma a escrever aquela que seria a sua maior obra: “Dialogo de Dois Mestres sobre os Sistemas do Mundo”, mais conhecida como “Diálogos”. O livro foi publicado em 1632 com a aprovação dos censores católicos e foi recebido com aplausos pela intelectualidade da época. Apesar disso, ou por causa disso, a ira da Igreja se levantou contra Galileu.

Os afeitos da arte da pena possuem curiosas maneiras de escrever coisas que não podem ser ditas claramente, o papa Urbano VIII, famoso por ser um brilhante escritor, sem dúvida bem o sabia e não deve ter se espantado com a prodigiosa maneira que Galileu expôs as idéias em sua obra, através da argumentação de três personagens: dois intelectuais, um geocentrista e outro heliocentrista, e um advogado neutro, mas muito interessado no debate. A argumentação dos dois intelectuais se dá de tal maneira, que as idéias geocentristas da Igreja de Roma pareçam loucas confrontadas com a racionalidade das idéias heliocentristas, as quais de tão dominantes acabam por convencer ao seu final o neutro advogado. Apesar de dizer que sua obra é uma ficção teórica, apesar de ter recebido a aprovação dos censores católicos para a publicação e apesar de ser amigo próximo do papa, Galileu acabou sendo julgado pela Inquisição.

Em fevereiro de 1633, Galileu chega em Roma para o julgamento, ficando hospedado na casa do Grão Duque de Toscana, Ferdinando II, neto de seu antigo benfeitor, então chefe da poderosa família real florentina Medici que governava a Toscana. O próprio Ferdinando II de Medici o hospedou em seu palácio em Roma e interviu junto ao papa para reconsiderar a acusação contra Galileu, mas o Santo Oficio foi inabalável. Em junho de 1633, após ter sido torturado e ameaçado, Galileu abjurou seu trabalho e se comprometeu a denunciar quem defendesse as mesmas idéias. Apesar de ter concordado com todas as exigências da Inquisição, Galileu foi condenado à prisão domiciliar até o fim da vida em consideração a sua pouca saúde e avançada idade de 69 anos, mas sem direito a visitas, nem de médicos. Em 1638, finalmente recebeu o direito a prisão domiciliar na própria casa em Florença, para onde retornou já cego, mas mesmo assim com o apoio de Ferdinando II de Medici ele continuou ensinando e escrevendo, e morreu em sua casa no ano de 1642. Seu corpo foi enterrado na Igreja Santa Croce, da ordem franciscana, ao lado das tumbas de Dante e Michelangelo. Levaria 359 anos para a Igreja de Roma reconhecer o erro de julgamento cometido contra Galileu Galilei.

O livro “Diálogos” de Galileu foi banido junto com todas as suas obras, que passaram a integrar junto com o livro de Copérnico o Index Librorum Prohibitorum ou Index Expugatorius, a lista dos livros banidos proibidos a leitura aos católicos. O Index foi criado em 1559, pela Sagrada Congregação da Inquisição, atualmente Congregação para Doutrina da Fé. O Index passou a ter sua força relaxada apenas a partir de 1966, até então era praticamente impossível de serem encontrados em paises de supremacia católica os livros constantes no Index, o que representou um atraso cientifico e tecnológico de extrema relevância para estas sociedades. .

Contudo, se os livros de Copérnico e Galileu foram proibidos nos países europeus católicos do século XVII, eles não o foram das Províncias Unidas, a Holanda, que por esta notável tolerância com a liberdade de pensamento em pouco tempo se tornaria o centro intelectual da Europa, onde as novas idéias não só surgiam, mas fervilhariam mais e mais.  

Francis Bacon teve um empregado chamado Thomas Hobbes, o qual tinha uma calorosa correspondência, nem sempre amigável, com Descartes, o qual trocou idéias com Spinoza, que foi visitado por Leibniz, que criticava Locke, apesar de ambos serem amigos de Isaac Newton, o qual foi conhecido por Voltaire, que teve uma discussão com Rousseau, o qual veio a ser hóspede de David Hume. Francis Bacon, Descartes, Spinoza e Leibniz eram rosacruzes. Voltaire se tornou maçom quando visitou a Inglaterra, assim como também o eram Edward Gibbon e Newton, sendo que este último costuma ser apontado como grão-mestre do Priorado do Sião, uma sociedade secreta de pouco credibilidade verídica, todavia ele pode ter feito parte de um grupo maçônico irregular chamado “Sion”, certo é que Isaac Newton foi um dos mais famosos presidentes da Royal Society.

A ligação que existia entre esses famosos pensadores, cujas idéias transformariam o mundo, normalmente não faz parte do estudo curricular, mas deveria fazer, porquanto tal ligação elucida em muito como eles conseguiram divulgar suas idéias. A parte de toda a inteligência que esses homens possuíam, de nada esta lhes serviria se não existissem meios que permitissem não só a divulgação de seus pensamentos, como também a possibilidade de interagir com pessoas que promovessem esta divulgação. Thomas Hobbes alcançou a visibilidade sendo mestre de proeminentes famílias inglesas, que permitiu que ele participasse dos debates filosóficos principalmente em Paris, foi como mestre acompanhou o futuro Charles II da Inglaterra, então Príncipe de Gales, em uma viagem às Províncias Unidas (1647-1648), por ocasião do funeral do pai de William II de Orange casado com a irmã do príncipe de Gales, Maria. Nesta oportunidade Hobbes tomou contato com Descartes, que ali vivia e mantinha amizade, além de uma extensa correspondência, com a tia de Charles, Elisabeth da Boemia (irmã de Charles I). O idealizador do cartesianismo servira no exército de Maurício de Nassau, irmão do pai de William II de Orange, e por isso se tornou muito bem relacionado na Holanda onde viveu por mais de vinte anos, o que lhe permitiu conhecer o holandês Baruch Spinoza, filho de judeus portugueses que imigraram para Amsterdã.
   
Leibniz, por sua vez, apesar de ser mais conhecido como grande matemático e filósofo, era também um notável diplomata alemão, o que o levou a viajar em missões para Paris (1672), a Londres (1673-1676) e a Amsterdã, onde em 1676 visitou Spinoza pouco antes de sua morte (1677). Nesta época Gottfried Leibniz então foi contratado como tutor da menina Sophia Charlotte, filha de Ernest August, duque Brunswich-Lunembrug, casado com Sophia, filha de Elisabeth da Boemia (Stuart) e Frederico V Eleitor Palatino. Sophia Charlotte mesmo depois de se casar com Frederico I da Prússia em 1688 continuou a manter intensa correspondência com o tutor que se tornara seu confidente e amigo, só interrompida quando a morte a acolheu aos 37 anos, em 1705.   Ernest August se tornou em 1692 o Eleitor de Hanover, e em 1714, seu filho George Ludwig de Hanover, subiria ao trono inglês como George I da Inglaterra.

Ora, Leibniz já trabalhava para os hanoverianos, quando John Locke fugido da Inglaterra foi para Amsterdã em 1683, acompanhando seu protetor Lord Asheley, que caíra em desfavor junto a Carlos II e perdera seu cargo de Lord Chancellor. Com a morte de Carlos II, em 1685, o segundo filho de Charles I é levado ao trono, estaria tudo bem se James II não fosse católico e aliado ao rei Luís XIV da França e, além disso, ter produziu um herdeiro com sua nova esposa católica Maria Beatrice de Modena no ano de 1688. A conspiração teve inicio em Amsterdã na linhagem feminina e protestante da casa Stuart, porquanto Maria Stuart era a filha mais velha de James II, e herdeira presuntiva do pai, pela linha protestante, contava ainda a seu favor o fato dela ser casada com seu primo William, o neto de Carlos I, o filho de Maria e William II de Orange.  Maria de Orange era sobrinha de Elisabeth da Boemia. As casas reais Stuart, Orange e Hanover que eram aparentadas se uniram num só bloco contra James II, que não teve outra saída que sair fugido para França. Locke só voltou à Inglaterra após a Revolução Gloriosa, que colocou no trono inglês os pretendentes protestantes da casa de Stuart William III e Maria II no ano de 1689. Leibniz não teria a mesma sorte quando fosse a hora de George Ludwig de Hanover receber a coroa como George I, a gota o impediria de acompanhar o seu senhor em 1714, permanecendo em Hanover, onde morreu.

Newton era a encarnação do cientista moderno, nada mais lhe tomava a atenção, talvez por isso tenha passado de maneira tranqüila aos percalços políticos ingleses de seu tempo, mas mantinha muita correspondência com Leibniz e Locke, o qual viveu para aplaudir a investidura do cargo de presidente da Royal Society do amigo, em 1703. Aos 86 anos de idade Sir Isaac Newton ainda esbanjava sapiência em Londres quando François-Marie Arouet, mais conhecido pelo pseudônimo Voltaire, aos seus 32 anos lhe foi apresentado em 1726, aos auspícios da então princesa de Gales Carolina, nora de George I, que se encantara com os dotes poéticos de Voltaire e o introduzira no meio intelectual londrino. Segundo o próprio Voltaire, ele tinha sido preso na Bastilha por conta de um duelo ao final do ano de 1725, ficou preso por quinze dias e foi despachado para a Inglaterra.  Levando em conta que prestara serviço de espionagem ao Regente, Philip II Duque de Orleans, e que após a morte deste passara a servir a Richelieu a partir de 1724, fica difícil acreditar que sua estadia na Inglaterra não tivesse uma segunda intenção, todavia a influência inglesa irá o acompanhar por toda sua vida. E seria por conta de sua relação com a casa de Hanover que viria a ser hóspede de 1751 a 1753 de Frederick II da Prússia, que era filho de Sophia Dorothea de Hanover, sobrinha de George I e neta de Elisabeth da Boemia (Stuart). Por conta de Voltaire que Frederick II ficou afamado por ser homossexual. A maledicência sarcástica publicada nos quatro cantos da Europa menos na Prússia, foi uma resposta de Voltaire às intrigas da corte prussiana. Em conseqüência Frederick II convidou o ilustre escritor a fazer uma visita às suas masmorras.  

Foi em uma de suas missões diplomáticas secretas à Bruxelas, em verdade pura espionagem, que por volta de 1722 Voltaire conheceu o rebelde cidadão de Genebra Jean Jacques Rousseau, e destilou sobre ele também sua crítica venenosa. Rousseau anos depois foi perseguido na França por suas idéias por demais revolucionárias à época e escapou para Inglaterra, em 1766, com o filósofo escocês David Hume, mas tomado de violenta paranóia acabou por romper com o seu anfitrião um ano e pouco depois, e em seus últimos anos de vida ainda guardava ressentimento contra Voltaire, razão pela qual escreveu uma obra intitulada Confissões, para responder a certas acusações lhe foram feitas pelo ferino François-Marie Arouet.

Pode ser desapontante para alguns saberem que os fundadores do pensamento iluminista em sua grande maioria eram patrocinados pela realeza e eram como agregados destes. Os nomes desses homens interessantes  passaram para a História exatamente porque estavam ligados a representantes poderosos da nobreza européia, sobretudo do lado protestante. Se não fosse por isso estariam condenados ao anonimato. Outro aspecto que salta aos olhos é a impressionante influência do ramo protestante casa real anglo-escocesa Stuart, que estabeleceu sua rede de influência com a Holanda, Alemanha e Prússia. Uma rede que se estenderia por décadas e décadas dando à Inglaterra um grandioso poder e que viria a ser uma das principais causas da Primeira Guerra Mundial.

Enquanto o ramo Stuart protestante se proliferava, o ramo católico com James II foi condenado definitivamente ao insucesso. Anteriormente a tentativa de Charles II também fracassara ao se casar em 1662 com a princesa católica de Portugal Catarina de Bragança, como parte do acordo feito em 1640 com o fundador da casa real portuguesa de Bragança, o rei João IV de Portugal, em retribuição ao apoio inglês dado para a restauração da independência da coroa portuguesa da coroa espanhola. Infelizmente o casamento não gerou nenhum herdeiro legitimo, apesar de Charles II ter povoado a Inglaterra com os filhos de suas amantes, para total desconforto de sua esposa, todavia, a despeito disso, ele permaneceu casado com Catarina até o fim de seus dias. Esta foi a segunda vez que a Inglaterra se ligava a Portugal via matrimônio, a vez anterior se deu em 1385, quando a representante da casa real inglesa Lancaster, Filipa de Lancaster, casou-se com João I, filho bastardo de Pedro I, o qual também subira ao trono português com o apoio da Inglaterra. Com o casamento foi fundada a renomada casa real portuguesa de Avis. Por sua vez a casa de Bragança cuja fundação foi patrocinada pelos ingleses permaneceu no poder até 1910, quando um ultimato inglês sobre territórios africanos provocou forte agitação no reino de Portugal, resultando no assassinato do rei e do príncipe herdeiro, e na instauração do regime republicano, obrigando o sucessor Manuel II abandonar o país para se refugiar na Inglaterra, onde viveu até o fim de seus dias. Esta intima ligação entre a coroa da Inglaterra e a coroa de Portugal permitiu uma forte influência inglesa nos caminhos de Portugal e de seus territórios coloniais, que surpreende por ter se fortalecido ainda mais com as linhagens protestantes Stuart-Orange e Stuart-Hanover, configurando uma inegável dependência lusitana da Inglaterra de conseqüências desastrosas para os territórios colônias portugueses, sobretudo para o Brasil.

Como vimos é neste mundo intelectual constituído pela rede de influência dos Stuarts que grandes intelectuais de variadas nacionalidades encontraram meios de subsistência para fazerem aquilo que fazem melhor: pensar. As idéias de Copérnico, Galileu, Kepler, Descartes e Leibniz foram a razão do grandioso sucesso de Newton nos campos da matemática, física, astronomia e filosofia. Seus estudos alavancaram o desenvolvimento ciêntifico a um patamar de relevada importância para o desenvolvimento tecnológico que permitiria o advento da Revolução Industrial responsável por colocar um termo definitivo no obscurantismo da Idade Medieval. Não se pode negar a relevante importância de René Descartes, a chamada Revolução Cartesiana configurou o esforço intelectual que deu uma estrutura racional e mais apropriada ao exercício do raciocínio humano, seu método foi baseado na lógica precisa, onde a idéia parte do simples para o complexo por dedução através da dúvida metódica. O método cartesiano separou de maneira definitiva a Ciência, o verdadeiro conhecimento comprovável através da experimentação, da confusão da escolástica fundamentada no conhecimento aristotélico ligado de maneira inseparável à teologia. A dúvida angustiada expressa por William Shakespeare através de seu personagem Hamlet, ao dizer em seu solilóquio “Ser ou não ser, eis a questão!”, encontra sua resposta na conclusão óbvia de Descartes: “Cogito ergo sum” ou popularmente conhecida como “Penso, logo existo”.  Na língua inglesa o verbo to be é também corresponde a existir, assim sendo a questão de Hamlet está mais ligada mais a própria existência, e a dúvida que advém desse existir. A lógica de Descartes se impõe na negação do pensamento, porquanto sem o pensar nada, absolutamente nada existe. A valorização dada por Descartes à racionalidade do uso do pensamento humano foi a chave para o verdadeiro conhecimento da natureza das coisas, decantando as idéias de aspectos confusos e pouco claros, colocando ao alcance da mente uma nova concepção do julgamento da verdade baseada no raciocínio dedutivo do real, concreto e comprovável. Voltaire foi um grande divulgador desses novos pensamentos que permearam todas as suas obras. 

De todas as mentes brilhantes mencionadas anteriormente apenas duas não contaram com as benesses da nobreza, também não foram afortunados pelo nascimento, nem ao menos tiveram uma vida que lhes desse algum notabilidade especial, contudo tiveram contatos com elementos da rede de influência dos Stuarts, e acabaram por terem um lugar registrado na História e seus trabalhos ganharam uma divulgação promovida por seus companheiros de jornada filosófica, são eles Baruch Spinoza e Jean-Jacques Rousseau.

“Deus é o mecanismo da natureza do Universo e a Bíblia é uma metáfora, uma maneira alegórica de ensinar a natureza de Deus”, ao dizer isso Spinoza foi excomungado pela sua sinagoga em Amsterdã aos vinte e quatro anos, em 1656. Na juventude conhecera Descartes, apresentado por seu mestre Van den Eden, a partir deste encontro Spinoza foi totalmente influenciado em suas idéias pelos conceitos do pensador francês, aplicando de maneira radical o pensamento cartesiano às suas idéias. Spinoza além de excomungado acabou desterrado como blasfemador contra as Escrituras Sagradas da comunidade judaica de Amsterdã. Passado um ano desse fato sua situação não tinha nada para ser invejada, Spinoza se tornara um sem pátria, sem saúde, sem família, sem religião, era um sem nada da vida. Para subsistir preparava lentes óticas para microscópios, telescópios e lunetas. Apesar de receber convites para ensinar, os recusava em nome da “liberdade de pensamento”, sentia-se incapaz de tolerar qualquer tipo de controle sobre o bem mais precioso que possuía: o raciocínio. Publicou apenas um livro durante sua vida, mesmo assim anonimamente. Breve lhe foi a vida, quando faleceu aos quarenta e quatro anos vitimado pela tuberculose, seu enterro foi a custas da caridade dos amigos. Sua principal obra, a Ética, foi publicada no ano de sua morte em 1677. 

Spinoza passou para a Historia com as alcunhas de o Grandioso Judeu ou o Grandioso Ateu. Ele era um determinista, acreditava que todas as coisas aconteciam através da necessidade. A liberdade advinha da capacidade de saber esta determinação e entender “porque” agir e fazer. Liberdade, segundo Spinoza, não é a possibilidade de dizer “não” ao que acontece conosco, mas a possibilidade de dizer “sim” e entender completamente porque as coisas necessariamente acontecem em determinado sentido. A influência de Descartes se faz mais presente ainda no que diz respeito à valorização da intuição, concebida por Descartes como a luz que pode tornar claro à mente a distinção dos fatos que existem dos que não existem e sendo ela uma forma preciosa de pensamento. Spinoza do estudo da intuição chega à emoção. Ele fez uma crucial distinção entre as emoções, as dividindo em ativas e passivas, as primeiras são racionais e compreensíveis as segundas não. As emoções passivas estariam correlacionadas à intuição. A razão não poderia reprimir totalmente a emoção por este motivo, o que o levou a concluir que uma emoção só poderia ser superada por outra maior e que só com o conhecimento da razão das emoções passivas seria possível as transformar em ativas. Estas idéias de Spinoza sobre as emoções foi a chave das idéias de Sigmund Freud para a psicanálise contemporânea. 

Jean-Jacques Rousseau por sua vez, nasceu em Genebra, perdeu a mãe logo depois de nascer, o pai era um pobre relojoeiro que o estimulou a ler, mas desapareceu quando Rousseau tinha dez anos. Por conta do abandono paterno foi parar nas mãos de um pastor luterano que o introduziu no sofrimento dos castigos físicos, e lá se sabe no que mais. Ele tinha doze anos quando foi trabalhar num armazém, o proprietário também era dado a lhe bater, aos dezesseis era um perdido na vida. Acabou caindo nas graças de uma senhora francesa católica, a qual lhe deu alguma educação intelectual e sexual. Casada e vinte anos mais velha que Rousseau, a tal senhora depois de convertê-lo para o catolicismo fez do belo jovem de vinte anos seu amante, aproximadamente vinte anos depois Rousseau a abandonou de maneira definitiva, consta que ela estava sem dinheiro e tinha um outro amante. Rousseau vai tentar a sorte em Paris em 1741, acabou amigo de Denis Diderot, que era um dos coordenadores da obra que reuniu os mais importantes conhecimentos da época, a famosa “Enciclopédia”, e entre seus 130 colaboradores estava Rousseau, o qual assim conseguiu alguma visibilidade no meio intelectual literário e teatral parisiense. Contudo, ele casou-se com uma costureira iletrada com quem teve cinco filhos e acabou abandonando sem o menor escrúpulo a família num asilo para indigentes alguns anos depois. Rousseau passaria o resto da vida vivendo em dificuldades financeiras, nos anos finais de vida seria tomado de paranóia, que lhe afasta das amizades. Aos 66 anos de idade, estava hospedado há um mês no castelo do marquês de Ermenonville, quando após uma caminhada matinal teve uma hemorragia e morreu.

A morte de Rousseau numa propriedade nobre é no mínimo irônica para quem escreveu na obra que lhe deu fama, o Discurso da Origem e Fundamentos da Desigualdade entre os Homens, nos idos de 1753 para a participação de um concurso na Academia de Dijon, o seguinte: “O primeiro que tendo cercado um pedaço de terra, teve o atrevimento de dizer ‘isso é meu’ e encontrou gente o bastante cândida que acreditasse, foi o fundador da sociedade civil. Quantos crimes, guerras e assassínios! Que misérias e horrores teria poupado o gênero humano aquele que, derrubando os muros ou enchendo as valetas tivesse gritado aos seus semelhantes: ‘ guardai-vos de dar crédito a tal impostor; estareis perdidos se vos esquecerdes de que a terra não tem dono e que seus frutos pertencem a todos”.  Rousseau é o primeiro a criticar frontalmente o status quo sócio-econômico de sua época, leva essa critica a tais limites em 1762, que foi obrigado a abandonar a França acusado de irreligiosidade e subversão, sendo proibida a venda de seus livros e os existentes em solo francês foram queimados.

Rousseau entre outras coisas escreveu que o homem é naturalmente bom, mas que sua bondade foi corrompida pela sociedade, porquanto era necessário retornar à virtude primitiva. Este pensamento era totalmente contrário aos ensinamentos eclesiásticos e escolásticos que defendiam a tese do pecado original, em que o ser humano nasce conspurcado pelo mal e só o através do batismo pode haver uma remissão do pecado original, mas não da maldade em si, a qual permaneceria no ser humano, em razão disso era considerado que o ser humano nascido mau e se tornava virtuosamente bom através da aplicação das normas sociais católicas. Anteriormente, dando continuidade ao debate crítico aberto por Hobbes sobre a relação do homem e sociedade, em que considerou o Estado como um monstro em seu Leviatã (1651), John Locke escreveu seu “Ensaio sobre o entendimento humano” (1687), que foi em verdade uma crítica a Descartes e a sua idéia de que os seres humanos nascem já com algumas idéias formadas, as chamadas idéias natas, e Lock em seu trabalho afirmou justamente o oposto, que o ser humano é um quadro completamente branco ao nascer, uma tabula rasa, a ser preenchida pelas sensações e organizada pela razão, formando assim as idéias. Locke defendeu dessa maneira a idéia que o meio ambiente seria o formador do individuo. Aparentemente as idéias caminharam e evoluíram de Hobbes à Rousseau, ganhando ainda mais forma e conteúdo.

Hobbes em Leviatã tenta estabelecer uma doutrina sobre modernos direitos naturais, fundamentos da sociedade e legitimidade dos governos; considera que só através de um contrato social seria possível uma sociedade pacífica e justa. Locke em sua obra intitulada “O segundo tratado sobre o governo civil” (1690), dá continuidade à defesa da idéia de que a partir do momento em que os seres humanos viviam em sociedade, também possuíam individualmente os chamados direitos naturais, entre os mais importantes seriam: o direito à vida, à liberdade e à propriedade. Cabia aos governos assegurarem esses direitos, em caso contrário, caberia ao povo o direito à rebelião contra o governo tirânico. Novamente as palavras de Hobbes e Locke foram amplificadas com as idéias de Rousseau, as quais refletiam sua origem das camadas baixas do povo, e como estas pessoas viam o mundo ao qual não pertenciam e ao qual raramente tinham acesso. Rousseau foi a primeira voz ouvida daqueles condenados apenas à obediência que, até então, jamais tinham tido o direito de falar e apenas tinham o direito de silenciar. Segundo Rousseau o homem nasceu livre, mas fora escravizado pela ordem social e busca uma maneira para reverter essa situação em sua obra Contrato Social, com uma proposta inusitada de oposição ao poder estabelecido: “Enquanto um povo é constrangido a obedecer e obedece, faz bem; tão logo ele possa sacudir o jugo e sacode, faz ainda melhor; porque, recobrando a liberdade graças ao mesmo direito com a qual lhe arrebataram, ou este lhe serve de base para retomá-la, ou não se presta em absoluto para subtraí-la”.  Foi assim que Rousseau ao elevar o tom do discurso daqueles que o precederam, se fez o precursor das doutrinas socialistas, que irão se desenvolver especialmente a partir do século XIX. Mas, que fique claro, que tal como preconizou Bacon, ninguém “pensa”, “idealiza”, “planeja” ou “realiza” alguma coisa sozinho. Nada é obra de apenas um dia, e é preciso, mais de um dia e mais de uma pessoa para alçar um sonho à realidade.  

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