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terça-feira, 22 de novembro de 2011

VII - O DESPERTAR DAS REDES ORGANIZADAS DE INFLUÊNCIA




            Durante a Idade Média existiam apenas duas grandes redes de influência na Europa: a eclesiástica e a nobiliária. A rede nobiliária ganha consistência a partir do século XI, quando os reis europeus a fim de preservar, engrandecer e fortalecer o poder que possuíam passam a fazer uso do casamento como forma de selar as ligações comerciais e outros interesses entre os reinos. O resultado foi o surgimento de poderosas famílias da nobreza, entre as mais renomadas estão as famílias dos Capeto, Valois, Anjou, Bourbon, Orleans da França; Canute da Dinamarca; Beauclerc, Plantagenet, Lancaster, Tudor da Inglaterra; Stuart da Escócia; Brabant da Lorena; Hapsburg da Suíça e da Áustria; Médici de Florença; Brandenburg da Prússia; Aragão, Castilha, Navarra da Espanha e Borgonha, Bragança de Portugal. A História oficial padrão não oferece ao estudioso as informações da intima relação que estas famílias tinham entre si, muito menos esclarece que a maior parte dos fatos históricos do tempo destas poderosas famílias são decorrentes, em verdade, de mesquinhas disputas familiares. Basta dizer que todas as famílias mencionadas possuíam, de uma maneira ou de outra, laços de parentesco entre si, os quais não eram do conhecimento do populacho europeu.  

            No passado medieval as famílias camponesas na iminência do perigo tinham como proteção a segurança dos muros dos castelos dos senhores feudais. Com o desenvolvimento comercial a partir do século XII surgiram os burgos, nome dado pelos franceses às vilas que se formavam nos arredores das propriedades da nobreza encastelada. Uma nova rede de influência passa a se formar entre os comerciantes, mercadores e financistas chamados de burgueses. Estradas são abertas para o transporte de mercadorias ligando vários pontos da Europa, com isso os europeus passam a viajar de um lado para outro em suas carruagens, fosse por negócios ou prazer, o que ampliava a troca de informações entre os reinos europeus. Com o advento do período das Navegações ao final do século XV um horizonte de oportunidades se abriria aos olhos aventureiros dos europeus.

            A Igreja de Roma adota o nome de Igreja Católica Apostólica Romana, católica em reconhecimento a autoridade do papa e apostólica pelo aceite da doutrina que emana da Santa Sé em Roma. A antiga basílica de São Pedro erguida por Constantino a partir do século XVI deu lugar ao maior templo católico do mundo, onde a inspiração renascentista pode se manifestar em sua maior grandeza. O centro do controle do catolicismo se erguia majestoso enquanto a Reforma protestante incendiava a Europa, usando da ostentação da igreja de Roma como justificativa para a sua pregação puritana.

            Nada poderia ter sido mais revolucionário neste período do que a ascensão de uma jovem mulher ao trono com plenos poderes para governar. Até então as mulheres européias tinham sido oprimidas de maneira absoluta pela doutrina que emanava da Igreja de Roma, que as considerava indivíduos comparáveis aos animais, destituídas de alma. Elas foram sujeitas aos maiores desrespeitos, tal como o cinto de castidade, condenadas ao silêncio e a ignorância. Durante o período da Inquisição as mulheres foram as maiores vitimas de torturas e mortes pela fogueira, pois o estigma do pecado lhes fora outorgado a revelia pela moral judáica-cristã bíblica. Será apenas, tão apenas, aos ventos libertadores do protestantismo que Elizabeth I pode ser rainha da Inglaterra, apesar de ser filha ilegítima, e manter-se solteira sem a imposição de um casamento para exercer o poder real e governar plenamente, coisa até então inadmissível na moral da Europa cristã.

            Rejeitada pelo pai desde o nascimento por ser mulher, passou a infância e adolescência em busca do amor paterno para suprir a orfandade materna. De compleição delicada como e mãe e cabelos ruivos e rebeldes como o pai, dele herdaria o gosto pela literatura, ressaltando suas qualidades na escrita e na poesia. Amante do conhecimento encontrou conforto nos estudos e na fé protestante. Perseguida após a morte de seu pai, Elizabeth chegou a ser encarcerada na Torre de Londres, mas o Parlamento lhe restituiu a liberdade, passando a viver exilada da corte. Sua irmã Maria, filha de Catarina de Aragão, se casara com Filipe Habsburgo, filho de Carlos V, Imperador do Sacro Império Germânico. Os ingleses não viam com bons olhos o reinado de Maria e Filipe, situação que ficará mais complexa quando com a abdicação de Carlos V, em 1556, e seu filho recebe a coroa da Espanha como Filipe II. Quando Maria morreu após cinco anos de reinado em razão dos sucessivos abortos decorrentes de sua tentativa de produzir um herdeiro, houve festa na Inglaterra, sobretudo dos protestantes que foram perseguidos violentamente e mortos. Elizabeth foi recebida com ovação pelo povo quando se tornou rainha em 1558, livrando a Inglaterra do cerco dos Habsburgos católicos.  

            Elisabeth I falava e escrevia além do inglês, mais cinco línguas: francês, italiano, espanhol, grego e latim. Dotada de arguta inteligência e sagacidade tinha uma impaciência e um mau gênio na mesma medida. Quando tomou a decisão de não se casar para servir melhor ao seu reino não houve que a demovesse da idéia, causando enormes querelas com seus conselheiros. Quando em 1959 ela assumiu o título de Suprema Governante da Igreja da Inglaterra, a polêmica foi ainda maior, mas o ato acabou sendo aprovado pelo Parlamento, para escândalo da Igreja Católica que via como um acinte uma mulher bastarda ocupar um cargo equiparável ao do papa. Estava aberta assim a rivalidade papal contra a ameaça à cristandade representada pela rainha inglesa. Contudo, Elizabeth I seria um exemplo de tolerância religiosa durante o seu reinado.

            Sabedora da astúcia conspiradora que a cercava, Elisabeth tomou uma medida de prevenção original para e época, e encarregou seu Secretário de Estado, Sir Francis Walsingham, de organizar o primeiro serviço de espionagem de forma permanente. De 1578 a 1583, Sir Francis Walsingham despendeu seu em tempo em viagens diplomáticas e a formar uma rede de espiões no continente europeu, chegando a pagar várias dezenas deles do próprio bolso. Foi com o serviço de inteligência que Elisabeth se manteve no trono a despeito das sucessivas conspirações de sua prima católica e primeira na linha de sucessão, a rainha da Escócia, Mary Stuart, que era neta da irmã de Henrique VIII, Margareth, e sua mãe era Madeleine de Valois, filha de Francisco I, rei da França. Do mesmo modo a derrocada sensacional da Armada Espanhola em muito se deveu às inúmeras informações despachadas a Walsingham, pelos espiões infiltrados nas mais diversas posições possíveis no continente. Entre os membros mais conhecidos da sua rede encontrava-se ninguém mais que o notável Sir Francis Bacon.

            A vida de Francis Bacon é particularmente controvertida, cheia de altos e baixos como se a ele faltasse qualquer vestígio de bom senso. Bem nascido, pertencia à Casa de York, e como membro de uma nobre família fez seus estudos no Trinity College me Cambridge, logo revelando uma acurada capacidade intelectual. Seu pai, Nicholas Bacon, era o principal secretário da rainha desde que ela subira ao trono em 1558. Em razão da influência de seu pai o jovem Bacon foi servir à embaixada inglesa em Paris aos quinze anos, em 1576. Ele voltaria à Londres aos três anos por causa da morte do pai. Por ser o filho caçula ficou sem uma herança adequada para o próprio sustento, mesmo assim sua renda permitiu-lhe fazer o estudo de Direito em Cambridge, onde alcançou consagrado destaque intelectual. Mas Bacon não pode ocupar qualquer cargo público até 1598, devido ao fato de seu tio, William Cecil, ter sido introduzido por seu pai ao serviço de rainha como Secretário do Tesouro desde 1572, e vindo a substituir o cunhado no cargo por ocasião de seu falecimento até 1508. Neste ínterim Francis Bacon passou sérias dificuldades financeiras, estando habitualmente envolvido em dividas.

            Em 1584, Bacon fez amizade com Robert Devereux, o Conde de Essex, como era mais conhecido, cujo padrasto há quatro anos, Robert Dudly, era o favorito da rainha e secretário particular desde 1558. O Conde de Leicester, Robert Dudley, permanecera celibatário por treze anos desde a morte de sua primeira esposa, em 1560, dedicando-se totalmente aos serviços da rainha Elizabeth I, até que se casou secretamente com uma amiga de infância da rainha em 1573. Quando Elisabeth I soube sentiu-se traída e proclamou o casamento de Dudley ilegal, pois afinal ninguém da corte podia se casar sem a sua permissão. O fato de ter sido anulado o casamento permitiu que Dudley se casasse com a mãe de Robert Devereux, prima de Elizabeth, por parte de sua mãe Ana Bolena, o que contrariou novamente a rainha, assim em 1587 Dudley perdeu o posto de favorito e secretário particular da rainha e foi enviado para frente de batalha, onde demonstrou apenas sua incompetência militar, e veio a morrer sem nenhum heroísmo em 1588 nas cercanias de Oxford. Robert Dudley substituíra o padrasto deste 1587, com sua morte a estrela de Devereux começou a brilhar e ele se casou com a filha do chefe do serviço secreto da rainha, Sir Francis Walsingham, falecido no mesmo ano de 1590. No ano seguinte Devereux se tornou o secretário de relações exteriores de Elizabeth I, além de seu favorito, enquanto Francis Bacon se tornava o conselheiro confidencial da rainha aos trinta anos.

            Apesar do prestígio da nova posição, Francis Bacon continuava sem ganhar um tostão por seus serviços. Afinal lhe foi conseguida uma cadeira no Parlamento, mas seu pouco interesse pelos meandros da política e sua inabilidade no exercício desta o levam ao insucesso no cargo, ficando outra vez em péssima situação financeira. Em 1595, sem nenhum cargo público ou meio de sustento, Bacon resolve que a melhor saída, então, é se casar. Mas, até nisso fracassa gloriosamente. Em 1597 publica sua obra Ensaios, o que já seria suficiente parta ter lhe dado um lugar de destaque na literatura inglesa, mas não o salvou de ser preso por dividas no ano seguinte.

            A despeito de todo o desastre em administrar a sua vida pessoal, a reputação de Bacon crescia aos olhos da rainha, que apreciava muito a sua profunda intelectualidade.  Lord Burghley, William Cecil, faleceu em 1598, mas seu filho Robert Cecil o substitui no cargo, com isso o caminho aos cargos públicos remunerados continuaria fechado para Bacon. Mesmo assim a rainha o colocou a seu serviço, vindo este a adquirir cada vez mais a sua confiança. Sua relação com Elisabeth I passou a ser ainda mais favorecida após romper sua amizade com Devereux, cuja arrogância excessiva passara a desagradar à rainha, e ela a sua maneira o mandou para o inferno, o enviando obrigado à Irlanda para conter as manifestações rebeldes, que ali tinham lugar em 1599. Devereux foi chamado em desgraça à Inglaterra em 1601, foi colocado permanentemente fora dos serviços da rainha e acabou se envolvendo numa conspiração política para a tomada do controle de Londres. Preso, foi declarado culpado de traição e executado ao final de fevereiro de 1601.

            São muito raros os relatos sobre os últimos anos do reinado de Elizabeth I, os historiadores em geral consideram de importância relevante apenas três fatos neste período: o fim da conspiração francesa com a execução de Mary Stuart em 1587, o fim da ameaça espanhola com a vitória espetacular sobre a Invencível Armada em 1588 e o fim dos complôs internos com a execução de Robert Devereux em 1601. Mas, existe um fato desconsiderado de suma relevância; a criação por decreto real a 31 de dezembro de 1601 da Companhia Inglesa das Índias Orientais, que inicialmente foi chamada de The Governor and Company of Marchants of London Trading into The East Indies posteriormente alcunhada de John Company. Esta companhia reunia em si um sindicato comercial e o monopólio de todos os negócios realizados nas Índias Orientais e se tornou a maior rede de influência comercial do mundo até o século XIX.

            Henrique VIII dera inicio ao período das navegações inglesas, mas foi com Elisabeth I que a navegação atingiu franco progresso tendo a frente das expedições Francis Drake (1540-1596), que além de ter sido o primeiro a circunavegar o globo fez o reconhecimento do litoral e rios da América do Norte. Com o crescente conflito com a Espanha, que nesta época reunia a coroa de Portugal, a rainha Elisabeth I outorgou a Carta de Corso aos comandantes da sua frota naval, permitindo que eles atacassem e pilhassem os navios das nações inimigas, e tinha por conceito de “inimigas” as nações que causassem algum tipo de obstáculo ao expansionismo marítimo inglês, logo os galeões de Filipe II foram os mais atacados, rendendo uma fortuna aos investimentos feitos por Elisabeth em seu preferido almirante, que seria consagrado em seu heroísmo na derrocada da Invencível Armada. A sina do destino se abateria sobre Drake em 1596, a morte lhe sobreveio não de alguma maneira heróica, mas através de uma prosaica infecção intestinal em Porto Rico, no Caribe. Sem Drake restou à rainha apenas Walter Raleigh, que após fundar a colônia de Virginia, na América do Norte, teve uma breve e fracassada experiência de agente de viagens de colonizadores. Contudo obteria sucesso como mestre de espionagem de Francis Walsingham em 1586, e por seus serviços recebeu o cargo de governador da ilha de Jersey, no canal da Mancha em 1600. Deste modo a criação da Companhia Inglesa das Índias Orientais foi o instrumento usado por Elizabeth I para assegurar a posse dos territórios coloniais conquistados durante o seu reinado e promover o início da colonização inglesa nestas áreas.  

            A idéia de Elizabeth I de criar uma companhia comercial foi considerada tão boa, que Frederico Henrique, príncipe de Orange-Nassau, governador das Províncias Unidas, autorizou a formação da companhia privada Companhia Holandesa das Índias Orientais no ano de 1602. Até 1581 as Províncias Unidas fizera parte dos Países-Baixos junto com a Bélgica e Luxemburgo, após a morte de Carlos V este território ficou com seu filho, Filipe II, rei da Espanha. A partir de 1568, as províncias protestantes do norte dos Países-Baixos se reuniram com Guilherme de Nassau, príncipe de Orange, contra as províncias da Bélgica e de Luxemburgo, alinhadas ao catolicismo romano da Espanha. Com Guilherme I de Nassau e seu filho Maurício de Nassau-Siergen os holandeses tomariam consciência de sua força. O início da navegação holandesa se deu em 1580 e logo o novo país tornou-se uma grande potência marítima e comercial, passando a estabelecer seu próprio império colonial. Em pouco tempo a rivalidade se instalou entre as companhias comerciais, inglesa e holandesa, marcando um período de grandiosa atividade econômica, que favoreceu, sobretudo, a emergente classe burguesa européia.

            Na última década do século XVI, as grandes mudanças que estavam por vir já se revelavam no pensamento intelectual dos escritores ingleses, mas será através da pena daqueles que escreviam para o nascente teatro londrino, que os ventos do novo tempo se anunciariam. O primeiro teatro londrino foi o The Rose (A Rosa), novamente ela, cujas escavações feitas em 1989 confirmaram ser o primeiro recinto fechado para este fim, datando de 1587. No inicio as peças teatrais eram representadas por trupes de atores nas ruas de Londres e seus autores ficavam no anonimato, os primeiros autores teatrais renomados foram Cristopher Marlowe (Dr. Fausto), Ben Jonson (Valpone), Thomas Kyd (Tragédia Espanhola) e William Shakespeare com uma série de peças de sucesso.

             A primeira vez que se ouviu falar de Shakespeare em Londres foi por volta de 1592, quando atuava como ator cômico, em 1598 já era ator renomado em uma peça de Ben Jonson e entrara para a famosa companhia The Lord Chamberlain’s Men, em referência às funções do cargo de “chamberlain” na corte, responsável por sua organização e funcionamento.  A companhia faria do Globe Theatre inaugurado em 1599 o seu quartel general. Fontes seguras dizem que a rainha Elizabeth I esteve na primeira performance de Sonhos de uma Noite de Verão de Shakespeare, certamente deve ter sido no Globe Theatre.

            No que diz respeito a William Shakespeare nenhuma informação é muito confiável, o que envolve o autor numa bruma de mistério. As alegações de que o seu nome foi usado como pseudônimo por pessoas que queriam se manter no anonimato vai desde o seu contemporâneo no ofício Cristhopher Marlowe à própria rainha Elizabeth. Entre as pessoas aventadas, que poderiam ter escrito as suas peças, figuram Edward de Vere, Conde de Oxford, que era casado com a filha de William Cecil e ninguém mais que Francis Bacon. Certo é, que em sua peça Hamlet, escrita entre 1600 e 1601, Shakespeare aos 37 anos apresenta tanto uma profunda maturidade, como uma ruptura de seu estilo com a representação da introspecção psicológica do personagem, vivida num brilhante monólogo. A partir de então passa a ocorrer um fluxo de palavras novas, nunca antes usadas por Shakespeare e talvez criadas por ele, calculado pelos estudiosos em torno de mais de 600 palavras, contribuindo para o enriquecimento da língua inglesa. Além desta questão lingüística as peças de Shakespeare passam a propor uma reflexão sobre a natureza do comportamento humano, dando ao teatro uma função não só de entretenimento, mas também de instrumento cultural e de divulgação de novas idéias. Este fato em si ultrapassa a importância de quem realmente foi Shakespeare, pois a despeito da importância incontestável do autor em si, é o surgimento da arte teatral como um todo, o grande elemento de transformação social após o século XVI, tendo em vista o analfabetismo reinante na maioria da população européia, a quem os livros não atingiam.

            Outro legado da rainha Elisabeth I para a transformação de uma época, foi também sua própria atitude como figura pública e governante. Seu personagem real foi inteiramente construído a fim de representar a própria Inglaterra nela mesma, suas roupas luxuosas, sua aparência perfeita e inabalável visavam conquistar a confiança popular e despertar um ainda inexistente orgulho patriótico, o qual promovesse a união nacional. Ela seria nos conceitos de hoje o maior marketing da Inglaterra para os ingleses. Durante os 45 anos de seu reinado fez mais que 25 visitas regionais, conhecidas como “progresses”, sempre montando a cavalo em preferência a carruagem. Nestas ocasiões sua imagem refletia o triunfo e o sucesso da Inglaterra na beleza de suas roupas e na riqueza de suas jóias. Nunca deixou de manter contato com o seu povo, não importava o perigo que pudesse correr por causa da intranqüilidade das conspirações que sempre estava sujeita. Ao final de seu reinado ela conseguira o que tanto desejava: a unidade da Inglaterra e um forte patriotismo do povo inglês, mas, propositalmente ou não, levando em conta a arguta lógica elisabetana, ao seu sucessor legou os cofres vazios da coroa.

            A Rainha Virgem morreu ao final do inverno europeu de 1603, marcando o fim de uma era que passaria para a história inglesa como gloriosa. Mesmo depois de morta a popularidade de Elisabeth I permaneceu entre os ingleses e sua imagem de mulher forte e determinada inaudita na história ocidental transcendeu as fronteiras britânicas para ganhar o mundo, e ser inspiradora para a mudança gradativa do papel feminino dentro da sociedade nos séculos que viriam. Contudo, esta mudança no perfil feminino viria a ser combatida de imediato pelo sucessor de Elisabeth, o seu primo em segundo grau por parte de pai, James VI Stuart, rei da Escócia, que subiu ao trono inglês em 1603 como James I da Inglaterra.

            Um dos desejos de Henrique VIII era reunir as coroas da Inglaterra e da Escócia. Tendo em vista esse projeto propiciou que sua irmã Margareth Tudor se casasse com James IV da Escócia, descendente de Roberto de Bruce. Deste casamento nasceu James V, que se casou com a filha de Francisco I da França, Maria de Guise, que lhe deu Maria Stuart como filha legitima, enquanto teria sete filhos ilegítimos de sua amante Margarida Erskine.  Por sua vez Margareth Tudor ao ficar viúva de James IV se casou com Archibald Douglas, e sua filha deste casamento, Margareth Douglas se casou com Matthew Stuart e tiveram Henrique Stuart, no futuro Lord Darnley e Duque de Albany, que pelo seu casamento com Mary Stuart, seria pai de James VI da Escócia e que ao subir ao trono inglês reuniu as duas coroas em uma só, realizando a ambição de Henrique VIII através da complexa rede de influência familiar das casas reais, fato comum na época.

            Todavia na prática chegar à união das coroas inglesa e escocesa não foi nada fácil, foram sessenta anos de tramas e conspirações que envolveram um confronto entre os interesses dos partidários do catolicismo e do protestantismo, e a disputa da casa real francesa e inglesa pela coroa da Escócia, reunindo também a França, a Espanha, o Sacro Império e a Igreja Católica Apostólica Romana em torno do mesmo objetivo de retirar Elisabeth do trono inglês, pois sob o ponto de vista católico ela era filha ilegítima, por isso não tinha direito ao trono, sendo Mary Stuart a legitima herdeira do trono inglês. Mary Stuart, em razão das mortes de seu pai e do Duque de Albany, Henry Stuart, antes do seu nascimento, foi feita rainha da Escócia com apenas um ano de idade, o acordo de seu casamento com o filho de Henrique VIII, Eduardo VI, foi rompido e com apenas cinco tornou-se noiva de Francisco, o delfim da França, para sagrar a aliança da Escócia com a França feita por sua mãe Maria de Guise, regente de 1554 a 1560 do trono da Escócia. Maria Stuart viveu na França sob os cuidados de sua sogra Maria de Médici dos cinco anos até um ano após a morte de seu marido Francisco II, da França, quando voltou à Escócia em 1561. Margareth Douglas franca partidária do catolicismo arquitetou o casamento de Maria Stuart com seu filho Henrique Stuart, e posteriormente exerceria ampla influência diplomática para ascensão de seu neto Jaime ao trono inglês.

            Tendo como nome de batismo Charles James em honra de seu padrinho Carlos IX da França, Jaime I da Inglaterra teve uma infância conturbada, sua relação com a mãe foi inexistente, logo após esta ter abdicado ao trono escocês ao seu favor em 1567, quando James tinha apenas um ano de idade, caiu prisioneira da Inglaterra por 19 anos e aonde veio a morrer. O poder real durante este período foi exercido por várias regências, alternando as facções familiares protestantes com os tios ilegítimos Jaime Stuart e James Erskine, e católica com o avô Matthew Stuart e o tio James Douglas, sendo que este último foi regente de 1572 a 1581 e se tornou o homem mais poderoso da Escócia.  Educado basicamente sob o presbiterianismo escocês, Jaime sofreu os conflitos religiosos entre seus parentes próximos católicos, episcopais e presbiterianos, que faziam da religião um aspecto de relevante importância política.  Em 1583, após um episódio em que foi raptado durante um ano por extremistas presbiterianos, Jaime fez um ato real que colocou a Igreja da Escócia, presbiteriana, diretamente sob o controle real, ato que teve a aprovação do Parlamento escocês, quando Jaime se tornou também rei da Inglaterra e, logo, chefe da Igreja Anglicana, seu excessivo poder causou a desestabilização do presbiterianismo.

            Em 1586, Elizabeth I e Jaime IV da Escócia se aproximaram, e após a execução de Maria Stuart, Jaime passou a ser o herdeiro presuntivo do trono inglês. A partir de então James passou a reduzir a influência da nobreza católica escocesa e em 1589 se casou com a princesa luterana Ana da Dinamarca. Quando os recém casados ao retornarem do Oslo, onde se dera a cerimônia de matrimônio, já na região costeira de North Berwich, a frota real foi fustigada por uma violenta tempestade, e o navio dos nubentes reais por pouco não afundou. A superstição levou as pessoas a dizerem que a tempestade fora causada por bruxaria. Nos primeiros dias de maio de 1590, o casal real chegou são e salvo à Escócia, no dia 17 daquele mês Anne foi coroada rainha da Escócia, cedo Anne se converteria para o catolicismo surpreendendo a todos com a imprevista extravagância que desagradaria aos protestantes escoceses e depois aos ingleses.

            A crença de Jaime de que tinha sofrido um atentado causado por bruxaria o levou a um estudo sobre demoniologia, ficando convicto do mal que as bruxas poderiam trazer a ele próprio e ao seu reino. O resultado disso foi que centenas e centenas de mulheres foram condenadas à morte por bruxaria e seus corpos lançados a um local então chamado Nor Loch, onde hoje abriga os jardins da Princes Street, na cercania do castelo de Edimburgo. Essa obsessão pela bruxaria e afins não abandonaria o rei escocês. Em 1604, logo após assumir a coroa inglesa, Jaime I teve como um de seus primeiros atos fortalecer a lei elisabetana contra a bruxaria, estendendo a pena de morte sem clemência a quem se comunicasse com demônios ou entes familiares falecidos e praticasse qualquer forma de feitiçaria. A lei elisabetana de 1563 foi feita para tirar o poder religioso da Inquisição Católica dentro da Inglaterra, trazendo para o direito comum o julgamento de atos de feitiçaria considerados como crime e punido com morte se fossem feitos com a intenção de causar destruição ou morte. Já a proposta de Jaime I era bem outra, era estabelecer uma caça às bruxas e aos feiticeiros por motivos dos mais variados que a própria bruxaria em si, permitindo que bens e propriedades dos acusados fossem doados a Coroa para serem livres da acusação. O que deu início a mais perversa perseguição da história da Inglaterra.

            Em 1605, Jaime I precedia Bossuet como teórico do Direito Divino ao discursar no Parlamento dizendo: “Os reis são com justiça chamados de deuses, pois exercem algo como o poder divino na Terra”. Católicos foram perseguidos para aumentar o poder da Igreja Anglicana e os presbiterianos também o foram, por contestarem a autoridade absoluta do rei. Na medida que o tempo passava o rei se revelava mais e mais excêntrico, em 1607 favoreceu o seu ex-pagem, Robert Carr, que tinha 17 anos, com as propriedades do navegador Walter Raleigh, enquanto este estava aprisionado na Torre de Londres acusado de traição. Robert Carr receberia nos anos seguintes os favores do rei, que criaria para ele o titulo de Duque de Somerset, quando este passou a ocupar o cargo de Lord Chamberlain em 1613. Logo em 1614, Jaime teria um novo favorito George Villiers, então com 22 anos, para ciúmes de Robert Carr, o qual em 1615 caiu em desgraça devido a um caso escabroso de intriga e assassinato. Somerset foi substituído de imediato pelo rei por Villiers, que em 1623 recebeu o titulo criado pelo rei de Duque de Buchingham. Esse apego às amizades de jovens bonitos deu ao rei a fama de homossexual, dita pelos seus defensores que não passa de intriga feita pelos ingleses contra o rei de origem escocesa, as duvidas permanece, já que os fatos falam por si.

            É exatamente durante o reinado de Jaime I, que um súbito sucesso atinge algumas figuras renomadas aventadas como homossexuais por alguns estudiosos, a despeito de ser crime tal costume na época, entre eles são citados Francis Bacon e William Shakespeare.

            Bacon foi feito cavaleiro por Jaime I em 1603, e finalmente começou a receber salário de Conselheiro Real. Bacon cresceu na confiança do rei, em 1613 foi nomeado Procurador Geral e ocupou uma cadeira parlamentar por Cambridge a fim de defender os planos reais, mas como servia ao rei sua presença no Parlamento foi objetada e teve que sair, então o rei o fez Guardador Geral do Selo da Inglaterra, e foi feito Barão de Verlum e em 1618 finalmente alcança o cargo que sempre ambicionara; Lorde Chanceler. Mas, em 1621, cai em desgraça acusado pelo Parlamento de receber propinas e de vender monopólios e outros privilégios em razão de suas dividas pessoais. Réu confesso do crime de suborno foi condenado a uma enorme multa e à prisão na Torre de Londres. Desde 1611, o rei adotara a venda de títulos de nobreza para ressarcir as dividas altíssimas da Coroa, e não sendo inocente dos crimes do seu Chanceler, deu o indulto a Bacon, que ficou apenas quatro dias na prisão, mas sua carreira pública estava terminada.

            Em 1603, James I adota a companhia em que Shakespeare trabalhava a The Chamberlain’s Men, que passa a ser conhecida como The king’s Men. A partir de então o entusiasmo muito elisabetano de Shakespeare passa a dar lugar a sombrias tragédias (Hamlet, Otelo, Macbeth, Rei Lear, Antonio e Cleópatra, Coriolano) e raríssimas comédias. Em 1607 escreve os seus Sonetos, vários dirigidos a um “fair Lord”, podendo ser interpretado como um jovem ou um fidalgo formoso, em ambos os casos podem ser considerados os primeiros poemas homoeróticos da Literatura inglesa. Shakespeare enriquecera com a atividade teatral a ponto de adquirir em 1597, um ano após o falecimento do filho, uma das maiores casas de sua terra natal, Stratford-upon-Avon, chamada New Place (Novo Lugar), e também uma propriedade em Londres alguns anos depois no tempo de Jaime. Em 1610, ele se retirou de Londres para New Place de maneira permanente, as peças escritas nesta época revelam um período de paz espiritual (Cimbelina, A tempestade, Henrique VIII). Shakespeare viveu até o fim de seus dias com sua primeira mulher Ana e suas duas filhas, vindo a falecer com 52 anos de idade, em 1616.

            Já Bacon passou seus últimos cinco anos de vida em relativa pobreza, sua morte guarda uma certa ironia, pois convencido da possibilidade de conservação de alimentos congelados comprou uma galinha para sua experiência, só que no afã de congelar a galinha na neve pegou uma pneumonia violenta e faleceu aos 65 anos de idade, em 1626. No ano anterior James I morrera em decorrência de complicações da insanidade gradativa que o atingira nos últimos anos de reinado. Fosse mesmo Bacon fundador da Ordem dos Rosacruzes poderíamos pensar em várias possibilidades para a morte de James I, até feitiçaria. Mas, por ora, fiquemos apenas com o trecho final de sua obra Nova Atlântica, escrita de 1614 a 1617:
           
            “Estes são, meu filho, os tesouros da Casa de Salomão.

            No que diz respeito aos diversos empregos e ofícios dos nossos membros, dir-te-ei que temos doze que viajam pelos países do estrangeiro ocultos sob o nome das outras nações – pois nós escondemos o nome da nossa – os quais nos trazem livros, resumos e modelos de experiências realizadas em todos os outros países. A estes nós chamamos de mercadores de luz.
            Há três que colecionam as experiências de todos os livros. A estes chamamos solicitantes.

            Outros três colecionam as experiências de todas as artes mecânicas e das ciências liberais e práticas que não pertencem às artes. A estes chamamos caçadores.

            Temos três que tentam novas experiências, conforme acham convenientes. São chamados de bandeirantes ou batedores.

            Três relatam as experiências dos quatro anteriores, ordenando-as por títulos e assuntos, com o objetivo de facilitar a observação das mesmas e a conclusão dos axiomas partindo delas. A estes chamamos compiladores.

            Outros três fazem o trabalho de refletir, pesquisando nas experiências dos seus companheiros e tentando tirar delas coisas úteis e práticas da vida e o conhecimento humano, tanto no que diz respeito às obras, como à simples demonstração de causas, meios de adivinhação natural, descobrimento de virtudes e componentes dos corpos. A estes chamamos doadores ou benfeitores.

            Após várias reuniões e consultas de todos os membros, para reconsideração dos trabalhos anteriores, outros três membros cuidam da direção de novos experimentos mais luminosos e que penetram mais profundamente na natureza. A estes chamamos de lâmpadas.

            Temos três que executam as experiências decididas e delas prestam contam. Estes recebem o nome de inoculadores.

            Finalmente, há três membros que recolhem as descobertas realizadas pelas experiências, reunindo-as com maior número de observações, axiomas e aforismos. A estes chamamos de intérpretes da natureza.”

            Bacon escreveu Nova Atlântica objetivando uma releitura do romance de critica política, escrito pelo religioso católico inglês Tomás Morus (ou More) praticamente um século antes, chamado Sobre o ótimo Estado da República e sobre a Nova Ilha Utopia, mais conhecido pela palavra criada por Morus: Utopia. Morus em sua obra desenvolve o pensamento de uma sociedade perfeita, inspirada na República Platão e nos valores cristãos, dando vazão ao seu descontentamento com a sociedade inglesa e européia de sua época. Bacon deita sua reflexão sobre o pensamento desta sociedade perfeita imaginada por Tomás Morus e cria sua própria utopia, uma perfeição irrealizável.

            Comumente este trecho final de Nova Atlântida é dado como uma tentativa de Bacon de elaborar um método ciêntifico, é uma explicação muito adequada ao pensamento católico de ensino filosófico. Mas, indo além desta conveniente explicação e tendo o conhecimento dos fatos ocorridos durante a vida de Francis Bacon e sob a luz do conhecimento pouco divulgado oferecido pelas nascentes sociedades secretas daquele período, vemos que mais que querer relatar um método ciêntifico, Francis Bacon expõe de maneira hermética como o uso da informação deve ser feito, ou seja, como o serviço de inteligência inglês procedia. O que passa a ser interessantíssimo do momento que basicamente o procedimento de inteligência, ou espionagem, dos tempos atuais são os mesmos que os descritos por Bacon. Afora este aspecto, podemos observar também a tríade fraterna que dará origem tanto à Maçonaria como aos Rosacruzes. Mesmo que estes dois aspectos sejam desconsiderados, um terceiro se impõe de maneira racional e óbvia: a proposta de que só através de um trabalho conjunto de várias pessoas é possível progredir no conhecimento humano, de modo a conduzir a uma real evolução da ciência e da tecnologia, através do qual se dará um verdadeiro progresso da sociedade.

            Até Francis Bacon o conhecimento era dogmático, o pensamento livre era inadmissível, não havia uma dialética nem o debate, existia apenas um trabalho solitário dos pensadores. A proposta de Francis Bacon do trabalho em conjunto dos pensadores será fundamental para o desenvolvimento intelectual que se dará a partir de então. Um trabalho que em muitos aspectos corresponderá à bela descrição do método dado por Bacon, dando origem a uma nova rede; a de influência intelectual. Esta nova rede se aliará com as redes de espionagem, do comércio, do protestantismo e das sociedades secretas, e sacudirá os alicerces da Europa com a maior revolução social de todos os tempos, rompendo a velha ordem estabelecida pelas redes seculares da Igreja de Roma e da nobreza católica. A união de alguns se fará a força amalgamadora de muitos, tal como no método idealizado por Bacon, tão desconhecido e pouco reconhecido por seus críticos modernos. 


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