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sexta-feira, 28 de outubro de 2011

III - A ORIGEM DAS REDES

Se nós detivermos a observar as pessoas, caminhando na saída de um cinema ou de um estádio, veremos que algo muito curioso ocorre; a velocidade da multidão estará relacionada e determinada pela velocidade dos indivíduos mais lentos, que obstruem a passagem dos mais rápidos e ágeis. Os mais ágeis, ao tentarem ultrapassar aqueles que impedem a passagem, terão que fazer uma exímia manobra, para não levar ninguém ao chão. Caso venha a ocorrer uma situação de alarme e perigo, a multidão virá a se comportar semelhante a um estouro de boiada, haverá uma dispersão geral, com os indivíduos em pânico pisoteando uns aos outros, os mais fortes e ágeis passando por cima dos mais lentos e fracos, num verdadeiro caos. 

Esta mesma situação se dá no que se refere ao desenvolvimento cultural de qualquer sociedade humana. A velocidade do desenvolvimento intelectual de cada indíviduo está diretamente relacionada ao nível cultural da sociedade em que está inserido, cuja lentidão de aculturação de alguns poderá condenar toda a sociedade ao “atraso cultural”. Caso tal processo por algum motivo adquira o caráter de urgência se instalará o “caos cultural”, que se caracteriza pela ruptura do status quo da sociedade promovida pelo descontentamento generalizado.  

O professor norte-americano Walter B. Pitkin publicou no ano de 1932 um livro intitulado “Breve Introdução à História da Estupidez Humana” (A Short Introduction To The History of Human Stupitidy), onde fez uma dissertação sobre este delicado tema, que apesar de ácida é brilhante. Este livro me levou a encontrar uma metáfora para esta estupidez no fragmento da teoria de física quântica, que estabelece que um movimento por mais constante que seja, ao decorrer de um determinado tempo sempre apresentará uma “falha”, uma breve interrupção, para retomar a continuidade do mesmo movimento anterior. Ora, aparentemente isso acontece com todo ser humano, pois por mais brilhante que seja a sua inteligência estará sempre à mercê de uma “falha quântica”, ou seja, a de um ato da mais pura estupidez. Sendo assim, qualquer ser humano está sujeito a ter seus vários momentos de estupidez em sua existência, o que torna o estudo do Prof. Pitkin, indubitavelmente curioso.

Em seus prolegômenos, onde justifica os motivos para sua obra, o Prof. Pitkin apesar de ter escrito suas palavras em 1932, parece descrever uma situação ainda presente não só nos EUA, mas no mundo todo, como é possível verificar a seguir:

“Somos senhores da terra e do ar, do fogo e da água. Voamos mais rapidamente que do que os pássaros. Mergulhamos nos abismos. Perfuramos as montanhas e reduzimos as florestas a nada. Sobre a natureza exercemos poderes mais vastos do que os nossos antepassados imaginavam nos deuses. Mas, somos deuses? Nem tanto! Demônios, talvez. E, da terra, fizemos o Pandemônio? Para cada bilhão em riqueza, que os homens engenhosos acrescentaram à nossa parte outros homens destruíram um bilhão, às vezes em riquezas, às vezes em valor humano, por meio de guerras, trapaças, especulações, jogo, fraude, chicana, pragas, mentiras, ultrajes e – acima de tudo - estupidez mortal. Pois de toda maneira, descoberta por algum pensador, para tornar baratas as mercadorias, tem sido explorada, defraudada e mal conduzida, de maneira colossal, por outros sem imaginação, de modo que, quanto mais a rapidez a riqueza se acumula num ponto, a decadência e a miséria abundam noutros pontos, em proporção harmoniosa.

(...) Enquanto as fileiras de sem-trabalho aumentam, os governos gastam dezenas de milhares de dólares diariamente, em canhões, bombas e couraçados. Enquanto aumentamos os fundos de educação, construímos edifícios escolares cada vez mais magnificentes e formamos professores mais intensivamente, os alunos estudam e aprendem menos e se tornam maus cidadãos, presa fácil para as maltas de bandidos, para as fileiras de criminosos, e perene mercado para as atividades mais indignas. Enquanto os negócios se processam cada vez com mais rapidez, os empregados devoram mais e mais morfina, cocaína e heroína, até que nós, americanos, chegássemos à eminência de usar mais narcótico que qualquer outro povo.”[1]

É simplesmente admirável, que tal descrição reflita problemas tão atuais para toda Humanidade. Esta questão encontra a resposta na reflexão sobre o “atraso”, feita pelo Prof. Pitkin capítulos adiantes, onde após discorrer sobre diferenciais da velocidade humana, usando o exemplo que resumi no primeiro parágrafo deste capitulo, concluí:

“Todo progresso humano depende de uma massa de homens em movimento, vastamente inorganizada ou fracamente organizada. Progredir é passar alem do estado existente dos negócios humanos, especialmente alem dos padrões de vida comuns. A velocidade é mensurável no tempo e nas várias unidades qualitativas derivadas desses padrões de vida. Assim, pois, surge em muitas dimensões. Quando nos aproximamos de um grupo social em movimento, em geral ficamos surpreendidos com a sua vagarosidade. Podemos encontrar, dentro dele, muitos indivíduos brilhantes, muitos chefes energéticos, mas, tomado em conjunto, o movimento de nível inferior para um nível superior de existência parece mínimo. Por quê? Simplesmente porque todos os membros do grupo são inibidos por forças puramente sociais de acelerar os mais vagarosos de entre si ou de os eliminar. Isto ocorre em todas as dimensões de velocidade, especialmente na mente. A própria sociedade é o seu freio fatal” [2].

No caso dos Estados Unidos e da Europa, um outro fator foi determinante para tivessem o processo de desenvolvimento cultural pouco modificado nos últimos setenta anos. Após a II Guerra Mundial, o processo imigratório intenso passou a atingir estas regiões, as sucessivas ondas de imigrantes latinos, africanos, mulçumanos e outros afetaram as nações do primeiro mundo de uma maneira quase dramática. Um exemplo, de como se sentiam as pessoas destes países alvos das imigrações, pode ser encontrado no discurso feito no Parlamento inglês, pelo deputado “Tory”, Enoch Powell, no ano de 1963, numa declaração política antiimigração jamais ousada, até então, na Europa. Disse ele: “Eu vejo as comunidades imigrantes se organizarem, se consolidarem e utilizarem nossas próprias leis a serviço de seus interesses, e nos dominarem”. Seu discurso que foi feito em latim para seus pares e tinha citações de Virgílio, que eram da ignorância tanto dos parlamentares como dos jornalistas presentes, foi à causa da ruína das suas esperanças de vir a ser primeiro-ministro naquele ano[3].

Em uma entrevista Enoch Powell diria posteriormente: “Um verdadeiro inglês não inova. Quando os ingleses mudam, é porque eles fingem que estão diferentes, assim como fingem que são europeus. Coisa que eles nunca poderão se tornar! Um inglês não age jamais, ele reage! (...) A tradição é, entre nós, o verdadeiro fundamento da autoridade; basta dizer que sempre fizemos assim para legitimar cada uma das nossas ações. (...) As pessoas nascem inglesas, não se tornam inglesas! Por isso o conceito de integração dos imigrantes é um logro”. Em 1968, todos os súditos das diversas nacionalidades oriundas do extinto Império Britânico podiam se instalar livremente na Grã-Bretanha, porquanto o Parlamento ainda não legislara sob o fechamento das fronteiras aos antigos colonizados [4]

Eu pude constatar esse orgulho britânico, ainda tão vivo nos dias atuais, quando no ano de 1999, eu estive numa pequena ilha do Caribe chamada Bequia. Ocorreu que, como a hélice do barco tinha se quebrado, um mecânico foi chamado para o conserto. Ao meio da tarde um homem alto, com a pele branca avermelhada do sol, com os cabelos mechados de loiro e grisalho, vestido com uma bermuda e uma camisa surradas finalmente chegou e disse ser o mecânico. Conversa vai, conversa vem e perguntei de onde ele era, e uma transformação aconteceu no homem, se empertigou, estufou o peito e levantou o nariz dizendo: “- I am english, of course!”. Não resisti e ri. Então, ele me perguntou de onde eu era, e respondi: “- I am brazilian, of course!”, e foi a vez dele rir. Quebrado o gelo, a amizade nasceu. Este orgulho, de ter nascido em um lugar, é desconhecido para os brasileiros, que não são muito apegados à questão patriótica, mas ela está presente na cultura de muitos outros povos.

As ondas de imigrantes geram nos países que a recebem uma série de necessidades para atender a subsistência dessas pessoas: trabalho, moradia, serviço de saúde, alimentação, estudo e tantas outras, trazendo lentidão ao progresso de desenvolvimento nacional. Além disso, causam sérios conflitos sociais em razão do processo de integração, que a bem da verdade, raramente ocorre.

Durante toda a História da humanidade, sempre um estratagema foi usado pelos povos que eram invadidos por hordas imigratórias estrangeiras, o qual consistia na preservação do conhecimento cultural adquirido. No passado as diferenças culturais entre os povos eram mais profundas, sendo que uma distância gigantesca separava os gregos dos citas e os romanos dos visigodos, por exemplo. Quando as hordas bárbaras começaram a fluir em maior número, o cristianismo implantado por Constantino no Império Romano serviu à construção de inúmeros mosteiros, em locais de difícil acesso a fim de servirem como guardiões do conhecimento da cultura helênico-romana, sobre a qual se ergueria a civilização Ocidental.  Certamente, se esta medida não tivesse sido tomada, às hordas bárbaras teriam destruído todos os documentos e fragmentos do passado cultural do Ocidente. Assim, os romanos não permitiram que com o patrimônio cultural heleno-romano ocorresse o mesmo que o sucedido com o egípcio, quando Julio César mandou incendiar a fabulosa biblioteca de Alexandria, que guardava todo o conhecimento da Humanidade até a data da sua destruição, em 51 a.C.

Quando Constantino conquistou a Igreja Cristã para o Império Romano fez dela a fiel guardiã dos “conhecimentos”, tanto do cristianismo como da cultura greco-romana, tendo por objetivo primeiro preservá-los para que não caíssem em mãos da ignorância emocionada dos povos bárbaros. Num segundo momento estes conhecimentos passaram a significar um poder tenebroso que jogou a Europa nas trevas da ignorância da Idade Média. O historiador inglês, Edward Gibbon, em sua obra “Declínio e Queda do Império Romano” descreve o abuso do cristianismo introduzido no Império para servir a um fim não religioso, mas sim político, de enfraquecimento da índole bárbara[5]. Outro historiador inglês, Arnold Toynbee considerou que a Igreja fora “transformada no departamento de Estado, que Constantino dela pretendeu fazer, e que teria se tornado com o tempo o próprio Império Romano, se o Império não se houvesse despedaçado, nos séculos V, VI e VII da Era Cristã” [6]. Ao meu ver, se a Igreja Cristã não se transformou no Império Romano, ela certamente se transfigurou em seu reflexo oculto e permitiu ao Império transcender seu poder de uma situação para outra, do “Anno Dominatus” (Lat. Ano do Império) para “Anno Dominus” (Lat. Ano do Senhor, ou do Soberano). Em verdade a mudança foi muito sutil e passou desapercebida até para os bárbaros, que só passados séculos descobriram que tinham sido subjugados por um ardil do poder romano. 

Segundo o notável espírito crítico do escritor francês Pierre Bayle, no que diz respeito às questões religiosas (será que apenas nestas questões?) é muito fácil enganar a Humanidade e muito difícil não enganar. Escreveu ele: “O Homem gosta de preceitos e sempre encontrará mentores que serão indulgentes para com esta fraqueza... Tais mentores se farão pagar a preço de autoridade e de lucros monetários também. As naturezas mais desinteressadas verificam, quando o mal se tornou crônico, que o remédio seria pior que a doença. Estes não ousam sanar o mal; os outros não o desejariam curar. E assim o abuso se perpetua. Os desonestos o protegem; os honestos o toleram[7].

Ao final do século IV o Império Romano foi dividido em duas partes: o Império do Ocidente, com capital em Roma, e Império do Oriente, com capital em Constantinopla (antiga Bizâncio). As invasões bárbaras solaparam o poder do Império do Ocidente a partir do século V. Esse fato levou Gibbon a escrever nas últimas páginas de sua obra, que lhe fora companheira por vinte e quatro anos, aos idos de 1787: “É dever de um patriota preferir e fomentar exclusivamente o interesse e a glória da sua pátria, mas um filósofo se permite alargar suas vistas e considerar a Europa como uma grande república cujos diversos habitantes já quase atingiram o mesmo nível de civilidade e refinamento. (...) As nações selvagens do globo são os inimigos naturais da sociedade civilizada, e é lícito perguntar-nos, com ansiosa curiosidade, se a Europa ainda está ameaçada da repetição das calamidades, que outrora afligiram as armas e as instituições romanas. Talvez as mesmas reflexões sirvam para ilustrar a queda daquele poderoso império e explicar as causas de nossa atual segurança” [8]. Edward Gibbon lançava assim a semente de um pensamento discriminatório, que incitava a restringir o movimento imigratório humano, como forma a preservar o status quo de um determinado nível de civilização de uma sociedade.

Contudo, o uso do cristianismo como instrumento de coerção dos bárbaros e como forma de ligação destes à Igreja de Roma, fez com que o clero - único grupo organizado e possuidor de cultura frente à situação caótica resultante das invasões -, ocupasse cada vez mais funções políticas e administrativas nas comunidades emergentes do fragmentado Império Romano do Ocidente. A Igreja de Roma tornou-se assim a argamassa que restaurou a coalizão, fazendo ressurgir do caos a supremacia imperial romana revestida agora do manto púrpura dos príncipes da Igreja de Roma.

 Após o desmembramento do Império Romano (395 d.C.), o Império do Oriente reunia a Península dos Bálcãs, Ásia Menor, Síria, Palestina, Egito e Líbia. Preservado das invasões e das crises-sociais enriquecia grandemente com as importações de produtos do Oriente que exportava para o Império do Ocidente, o qual estava obrigado a importar produtos devido à improdutividade decorrente das invasões. Tal necessidade econômica do Império do Ocidente contribuiu para gerar contínuos déficits na balança comercial do Estado, o qual estava sendo levado à bancarrota, já que o clero obtinha grandioso sucesso em promover que grande parte da riqueza pública e privada fosse consagrada às exigências de caridade e devoção da Igreja de Roma, sem que tal soldo retornasse em benefício dos devotos necessitados na mesma proporção. Desta maneira, enquanto o enfraquecido Estado Romano do Ocidente era gradualmente destituído do seu caráter governamental, a Igreja de Roma engrandecia em poder passando a ocupar a sua função através das alianças estabelecidas por seus pontífices com os Imperadores de origem bárbara, primeiro com o Império Carolíngeo, dos francos, durante a baixa Idade Média, depois com o Sacro Império Romano Germânico, dos germanos, a partir de 936.

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O poder romano transpõe assim a queda do Estado Romano através da Igreja de Roma, vindo a se perpetuar na forma de um governo teocrático, o qual passa a submeter os Estados bárbaros formados no território anterior do Estado Romano do Ocidente. Esta fantástica transformação histórica do Império Romano no decorrer de sete séculos, em meio a um período de dramáticas convulsões, só foi possível por um único motivo: o segredo.  O segredo de tudo que girava em torno do cristianismo e o segredo de todo o conhecimento adquirido na civilização greco-romana. Em verdade a Igreja de Roma se ergue sobre o domínio destes conhecimentos como sociedade religiosa, e dentro desta uma poderosa rede de influência, que se constitui também uma sociedade secreta reunindo os altos membros da cúria, estes os verdadeiros responsáveis pelo poder político e fortalecimento da instituição aos níveis que chegaria, aponto de fazer dos reis europeus seus vassalos.

O Império Romano do Oriente (também chamado Império Bizantino) dominava as rotas comerciais que levavam ao Oriente. A dependência econômica dos povos europeus destas rotas comerciais era muito grande, acabando por ser um dos principais fatores para a insolvência do antigo Estado Romano do Ocidente. Tendo em vista tal situação a Igreja de Roma organizou uma estratégia para enfrentar e romper a dependência comercial com o Império Bizantino com o apoio dos reis europeus. 

O imperador bizantino, Basileu II, da Macedônia, levara o Império, a partir de 963, ao seu mais alto grau de prosperidade e maior extensão de domínio territorial, empurrando a ameaça árabe para as portas de Jerusalém. Com a sua morte em 1025, o Império Bizantino ficou a deriva, governado por dirigentes fracos, envolvidos mais com as querelas religiosas relativas a Igreja de Roma do que com as questões governamentais. O resultado foi o cisma do cristianismo, com ação excomungatória mútua entre a Igrejas de Roma e Constantinopla (1054)[9], que só seria anulado em 1965. Tal conjuntura permitiu que a Igreja de Roma tomasse a atitude ofensiva constituindo o movimento cruzadista. No ano de 1095, o papa Urbano II proclamou a I Cruzada, cuja finalidade alegada era tomar Jerusalém do domínio mulçumano e estabelecer uma rota para os peregrinos, contudo o objetivo ulterior era a conquista do território do Império Bizantino e com ele as rotas comerciais para o Oriente.    

A primeira Cruzada foi organizada inicialmente pelo pregador francês chamado Pedro, o Eremita, que arrastou consigo uma multidão de crentes durante os anos de 1096 e 1097, a qual chegou muito enfraquecida à Ásia Menor e foi dizimada pelos mulçumanos. A segunda expedição foi organizada por Godofredo IV de Bolonha, dito Godofredo de Bouillon, duque da Baixa Lorena, poderosamente constituída de vários exércitos militares europeus, e que conseguiu apoderar-se de Jerusalém, onde Godofredo foi proclamado rei em 1100, vindo a morrer logo em seguida. Para a manutenção do território conquistado foi criada, em 1118, uma ordem militar de cavaleiros chamada Pobres Cavaleiros de Cristo e do Templo de Salomão, que ganharia notoriedade com o nome de Cavaleiros do Templo ou Ordem dos Templários.

A Ordem dos Templários tendo como base a Palestina e os reinos europeus veio a ser em pouco tempo extremamente poderosa. Seus cavaleiros adquiririam grandes riquezas e tornaram-se os banqueiros do papa e de numerosos príncipes e reis europeus. Pode-se se dizer que eles criaram novas bases para as questões monetárias, instituindo um rendoso processo bancário, onde a “usura” não era confrontada pela Igreja, de Roma já que era contornada por um engenhoso artifício, possibilitando ao devedor esquivar-se do pagamento da divida, porquanto os Templários reteriam o direito à produção dos bens da propriedade hipotecada[10].     

  As conquistas das Cruzadas e o poder econômico da Ordem dos Templários favoreceram a supremacia papal de Roma sobre os reinos europeus, a qual se consolidou no período do pontificado de Inocêncio III (1198-1216), com a elaboração de uma doutrina em que o poder espiritual estaria acima do poder temporal, pela qual os governantes recebiam seu poder de Deus, devendo permanecer submissos ao seu representante na Terra, ou seja, o sumo pontífice[11]. A partir de então o poder político da Igreja de Roma cresceu cada vez mais, com os Papas passando a intervir nos diversos governos das nações que se constituíam na Europa.

O movimento cruzadista desencadeou também um processo de perseguição religiosa na Europa, tendo em vista a expulsão dos árabes mulçumanos que tinham se estabelecido na península Ibérica, tal perseguição passa a se estender às comunidades judaicas, que foram expulsas da França (1182) e massacradas na Inglaterra (1189). Os judeus estavam espalhados por todo o território europeu e a Igreja considerou que a única forma de expurgá-los e manter o cristianismo a salvo de toda e qualquer heresia seria com uma terrível repressão. No ano de 1233, o papa Gregório IX estabeleceu a Inquisição, que deu à Igreja de Roma o poder de vida e morte sobre todos europeus. Em exíguo tempo, como se houvesse um poder maior acima das decisões papais, os cristãos da 6ª Cruzada foram derrotados em Gaza, e os Santos Lugares de Jerusalém foram perdidos em 1244. A partir de então as Cruzadas sofreram derrotas em cima de derrotas para os mulçumanos, e em 1291 elas chegariam ao fim.

O sucesso econômico da Ordem dos Templários ultrapassou o período das cruzadas e levou ao surgimento de outras ordens, eventualmente da nobreza, desejosas de monopolizar o controle do dinheiro e das atividades bancárias. Contudo a estagnação do processo expansionista europeu resultou em problemas econômicos graves, aumentando o custo da produção, desacelerando o comércio e principalmente causou a falta de moedas devido ao esgotamento das minas de ouro e prata que existiam na Europa. Apenas a Ordem dos Templários parecia resistir à adversidade econômica, em razão da poderosa rede de influência que a ordem constituira, podendo ser o primeiro exemplo histórico da força independente de uma rede com influência política-econômica internacional.

O rei da França Filipe IV, o Belo, estava disposto a fortalecer o reino e superar a crise econômica que se abatera sobre a Europa. Aconselhado por seus juristas passou a adotar uma política de independência da Igreja de Roma, e a pagar a metade das taxas que eram devidas, em franca oposição ao papa Bonifácio VIII. Com habilidade política conseguiu fazer do seu arcebispo o novo papa, Clemente V (1305), e a sede da Igreja de Roma foi mudada para Avignon no território francês.  Em 1306, Filipe IV expulsou novamente os judeus da França e confiscou os seus bens como forma de conter o crescente processo inflacionário do comércio.

O problema econômico da França persiste, então Filipe voltou seus olhos para Ordem dos Templários, ambicionando apoderar-se de todas as suas reservas financeiras e dos seus rendosos negócios. Primeiro processou os templários judicialmente, não conseguindo os resultados ambicionados, no dia 13 de outubro de 1307, ordenou a prisão de todos os membros da Ordem dos Templários no território francês, submetendo-os à tortura para que se declarassem hereges, para serem condenados a morrer na fogueira sob autoridade da Inquisição. A Igreja de Roma, no Concílio de Viena (1311-1312), decretou a suspensão da Ordem dos Templários e excomungou os seus membros. Em 1314, o Grão-Mestre da Ordem dos templários, Jacques de Molay (1243-1314) morreu queimado na fogueira. Conta-se que antes de morrer bradou que Clemente V e Filipe IV o seguiriam na morte dentro de um ano, o papa morreu um mês depois e o rei em sete meses[12].

Filipe IV não conseguiu acabar com o poder temporal da Igreja de Roma através de sua perseguição à Ordem dos Templários, porquanto outra ordem de cavaleiros cristãos, que comungava em sua origem com a dos Templários, assumiria a mesma função junto à Igreja de Roma, vindo a receber grande parte dos bens confiscados da Ordem dos Templários.

Nascida na enfermaria para peregrinos dos padres beneditinos em Jerusalém ao tempo de Godofredo de Bouillon, em 1100, a Ordem dos Cavaleiros Hospitalária de São João de Jerusalém veio a ser mais conhecida como Ordem dos Cavaleiros Hospitalários, sendo a primeira ordem de cavaleiros cristãos a ser reconhecida pela Igreja de Roma, em 1113. Pouco antes de Filipe IV iniciar sua perseguição contra a Ordem dos Templários, a Ordem dos Hospitaleiros Cavaleiros propôs a fusão com a Ordem dos Templários, o grão mestre templário Jacques de Molay foi veemente em sua negativa à proposta. Mas, os hospitaleiros alcançaram por outras vias o objetivo tão ambicionado[13].  Com a perda de Jerusalém para os mulçumanos, a Ordem dos Cavaleiros Hospitalários se estabeleceu na Ilha de Rodhes, em 1310, mudando de nome para Ordem dos Cavaleiros de Rodhes. O recebimento dos bens dos Templários, em 1312, fortaleceu grandemente a ordem dos Cavaleiros de Rodhes e seus vários braços de atuação estabelecidos na Itália, Espanha, França, Inglaterra e no Sacro Império Romano Germânico. Em 1530, com os auspícios do papa Clemente VIII e do imperador do Sacro Império, Carlos V, a ordem se fixou na ilha de Malta, adotando o nome de Ordem Hospitalária de Malta, tornando-se presente até os nossos dias, com tal relevada importância que possui observadores formais nas Nações Unidas.

Os cavaleiros da Ordem dos Templários apesar de terem perdido o prestígio da posição oficial que ocupavam não tiveram a rede de influência em si desfeita, ao contrário eles contaram com apoio de muitos reis europeus que os asilaram, o que permitiu que os templários adquirissem um novo perfil, mas conservando a essência dos procedimentos que tornara a ordem tão poderosa e continuassem a exercer constante influência no destino europeu.    


[1] Walter.B. Pitkin – “Breve Introdução à História da Estupidez Humana” – Ed. Prometeu – pg.15.
[2] Walter.B. Pitkin – “Breve Introdução à História da Estupidez Humana” – Ed. Prometeu - pg. 231.
[3] Guy Sorman – “À espera dos Bárbaros” – pg. 49.
[4]  Idem – pg.50.
[5] Edward Gibbon –   “The Portable Gibbon” – The Viking Press, Inc - 1952
                                  “Declínio do Império Romano” – Edição Abreviada – Companhia das Letras – 1989 – pg. 443-444.
[6] Arnold Toynbee – “An Historian’s Approach to Religion” – Oxford University Press – 1960
                                  “A Religião e a História” - Ed. Fundo de Cultura S. A. - RJ - pg. 160-163.

[7] Pierre Bayle – “Dicionário Histórico e Crítico” – Vol. I pg 89 b – tema: Agar (personagem bíblica, concubina Abrão, mãe Ismael).
[8] Edward Gibbon –   “The Portable Gibbon” – The Viking Press, Inc - 1952
                                  “Declínio do Império Romano” – Edição Abreviada – Companhia das Letras – 1989 – pg. 444.
[9] Igreja Bizantina ou de Constantinopla, também conhecida como Igreja Grega e atualmente como Igrejas Ortodoxas Orientais.
[11] Raimundo Campos – “História Geral” - Atual Editora – 1981 – Vol. I – pg. 126.
[13] The books by Gilles C H Nullens  Catholics, Heretics and Heresy – Psrt 2: The Templars 2.7 Modern View.

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